Valor econômico, v.20, n.4988, 27/04/2020. Política, p. A9

 

Maia deve aguardar iniciativa do STF sobre Bolsonaro

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

Luísa Martins

27/04/2020

 

 

Em silêncio desde a semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem avaliado, em conversas reservadas, que os pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro dificilmente têm condições de avançar. Já há 25 iniciativas neste sentido. A percepção seria sustentada por dois fatores: a incerteza sobre a queda de popularidade do chefe do Poder Executivo e a aproximação entre o Palácio do Planalto e os partidos do Centrão que poderia blindá-lo temporariamente.

Diante das incertezas sobre o avanço de um processo de impeachment, a aposta de aliados de Maia é que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine a abertura de um inquérito para investigar a atuação do chefe do Poder Executivo. O caso geraria desgaste ao presidente, mas dependeria de o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, oferecer denúncia ao Poder Judiciário. Um inquérito para apurar a existência de ilícitos por parte do presidente ou de denunciação caluniosa por parte de Moro foi solicitado na sexta-feira por Aras, conhecido por ser alinhado ao presidente. O pedido deve ser examinado esta segunda pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo

Uma denúncia dessas também dependeria de autorização da Câmara para ser julgada - o que leva ao afastamento do presidente do cargo -, mas chegaria com muito mais força ao Congresso do que um impeachment, avaliam aliados do presidente da Câmara. Além disso, tiraria a responsabilidade de Maia de abrir um processo de impeachment contra o presidente, o que eles acreditam que esvaziaria a estratégia de apoiadores de Bolsonaro e do próprio presidente de emplacar o deputado do DEM como "articulador de um golpe".

É um cenário análogo ao ocorrido no governo Temer, após a crise provocada pelo escândalo provocado pela colaboração premiada do empresário Joesley Batista. O Supremo Tribunal Federal encaminhou nada menos que duas denúncias contra o presidente para o Congresso, as duas rejeitadas pelo plenário da Câmara, na gestão de Maia.

Em relação ao impeachment, essa possibilidade também torna o afastamento ou não do presidente um processo mais sumário. O afastamento presidencial de Fernando Collor em 1992 tramitou durante três meses e o de Dilma Rousseff em 2016 deixou o país paralisado durante cinco meses. Em relação a Temer, a incerteza durou menos tempo. Se as denúncias contra ele fossem aceitas, ele teria sido afastado imediatamente. A primeira denúncia apresentada pelo então procurador-geral Rodrigo Janot foi examinada e rejeitada pela Câmara em menos de dois meses. A segunda foi rechaçada em prazo semelhante.

Maia teria reconhecido a aliados que o isolamento social em função da crise do coronavírus, medida contestada por Bolsonaro, tem beneficiado o presidente neste momento. As regras de distanciamento acabam por inviabilizar a realização de manifestações contrárias ao governo. Os protestos seriam determinantes para que os parlamentares tivessem o "termômetro real" do apoio popular ao chefe do Poder Executivo.

De acordo com interlocutores de Maia, o processo de afastamento teria chances de avançar apenas com o diagnóstico de que a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública abalou o respaldo do presidente junto aos eleitores.

O ex-juiz da Lava-Jato deixou o cargo e acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal. As acusações do ex-ministro já sustentam novos pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Um deles foi apresentado pela líder do PSL na Câmara, Joice Hasselmann (SP), ex-aliada do chefe do Poder Executivo.

Outro componente que complica os planos dos entusiastas de um afastamento de Bolsonaro é a retomada de conversas entre o presidente e parlamentares do Centrão. O grupo vem dialogando com o presidente e recebeu ofertas de cargos como contrapartida a uma eventual formação de base governista no Congresso. Dentro desses partidos, há a avaliação de que é melhor manter um governo fraco, e mais aberto a dialogar com eles, do que partir para a incerteza sobre como seria a relação com o vice, Hamilton Mourão (PRTB).

Para que um impeachment seja acatado na Câmara e avance para o Senado, 342 deputados precisam votar a favor. (Colaborou César Felício, de São Paulo)