Valor econômico, v.20, n.4987, 24/04/2020. Política, p. A6

 

Investigações da PF e do STF são independentes

Maria Cristina Fernandes

24/04/2020

 

 

O inquérito das "fake news" no Supremo Tribunal Federal já tem mais de ano e não se vale da Polícia Federal. O ministro Alexandre de Moraes, que foi secretário de Segurança de São Paulo, tem em seu gabinete egressos da Polícia Civil paulista com larga experiência em crimes digitais. As informações que eventualmente estejam em poder do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, sobre a atuação e o financiamento das milícias digitais, podem até vir a ser repassadas para o inquérito aberto no Supremo, mas o ministro não depende delas para dar continuidade a seu trabalho.

A intimidade dos filhos do presidente com os cotados para o cargo, o atual secretário de segurança pública do Distrito Federal, Anderson Gomes, próximo do deputado federal Eduardo Bolsonaro, e o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagen, próximo do vereador Carlos Bolsonaro, sugere que a proteção de sua prole possa ter desencadeado esta derradeira tentativa de Jair Bolsonaro de tirá-lo do cargo.

Como os filhos do presidente têm foro, a investigação de seus feitos teria que ser autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, mas a Polícia Federal, e Valeixo, especialmente, têm longa expertise em conduzir investigações que depois podem vir a ser "esquentadas" num inquérito autorizado, seja aquele do Supremo ou um outro que pode vir a ser aberto pelo Ministério Público no Rio. Foi assim que as investigações da Lava-Jato sobre personagens com foro foram conduzidas em Curitiba pelo então juiz Sergio Moro e Valeixo.

Deixado para trás na fila de uma vaga para o Supremo Tribunal Federal, para não falar da própria sucessão presidencial, o ministro Moro tem nos poderes de investigação da PF uma das poucas cartas na mão que lhe sobraram. Com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, Moro retomou o pódio de popularidade na Esplanada dos Ministérios. Sua saída corroeria o capital político de Bolsonaro, como o fez a de Mandetta, mas o cálculo do presidente parece estar baseado na ideia de que, se é para se livrar daqueles que lhe fazem sombra, que o faça o mais cedo possível, quando a distância da eleição de 2022 ainda tem chances de diluir a imagem e o desempenho de eventuais rivais de sua Esplanada junto ao eleitorado.

Os cálculos do presidente levam em consideração que ele chegará a 2022, hipótese que o próprio Bolsonaro tem se encarregado de tornar duvidosa. Na ausência de um presidente, a proatividade de seus ministros provoca curto-circuitos de alta letalidade. A Casa Civil recebeu carta branca para tocar um projeto de infraestrutura que o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que estoura seu caixa e sua credibilidade como gestor das finanças públicas. O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, anuncia o pagamento da segunda parcela do auxílio de R$ 600 via Caixa Econômica Federal antes de se assegurar que o Tesouro tenha feito os devidos repasses. Em 2016, a isso se dava o nome de pedalada.

De todos, porém, Moro hoje é o ministro cuja proatividade mais preocupa o presidente. Não apenas pelas "fake news" mas pela base de lavajatistas que começa a montar. Que o Congresso se arvore contra seu mandato, é um bálsamo para um presidente que comunga com seus ministros militares da desconfiança em relação à política. O mesmo não se pode dizer de Moro, condecorado pelo ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, com a medalha do Pacificador.