Correio braziliense, n. 20818 , 22/05/2020. Brasil, p.6

 

País bate 300 mil casos e 20 mil mortos

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

22/05/2020

 

 

Com recorde de infectados quase que diariamente, Brasil atingiu a marca de 310 mil diagnósticos de covid-19, sendo mais de 100 mil novas infecções em apenas uma semana. Número de mortos em 24 horas também foi inédito, com registro de 1.188 vidas perdidas

Mais de 300 mil infectados e 20 mil mortos no Brasil. A cada atualização, o novo coronavírus revela os efeitos devastadores de um agente que causa mais do que uma “gripezinha”. Ontem, o país voltou a bater o recorde do número de mortes confirmadas em 24 horas, registrando mais 1.188 óbitos pela doença. Com isso, a covid-19 tirou a vida de 20.047 brasileiros; e infectou 310.087 pessoas, com aumento de 18.508 infectados de um dia para o outro, novo recorde. Se mantendo como o terceiro país com mais casos, o Brasil está mais próximo de ultrapassar a Rússia em relação ao número de infectados. Enquanto a nação do leste-europeu observa uma estabilidade da curva, em território nacional a tendência é de crescimento. De acordo com o levantamento da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram o ranking, com 1,57 milhão de casos e a Rússia vem em segundo, somando 317,5 mil infecções.

Apesar de ter número superior de casos, a letalidade na Rússia está em 1%, enquanto no Brasil chega a 6,5%. De acordo com estudos do portal Covid-19 Brasil, grupo formado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de são Paulo (USP), o alto índice pode ser explicado pela subnotificação de casos no país, que não consegue alcançar infectados assintomáticos e casos leves. Para o diretor do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância em Doenças Não Transmissíveis, Eduardo Macário, no entanto, o Brasil tem conseguido aumentar a capacidade de testagens, o que justifica a explosão de novos casos. É por meio dessa estratégia que o Ministério da Saúde pretende se aproximar do real número de infecções, esclareceu.

“Esses números refletem o aumento da capacidade laboratorial do Brasil por meio dos trabalhadores públicos com um quantitativo razoável de testes já distribuídos. A parceria público-privada está sendo trabalhada para, nos próximos dias, reforçar essa estratégia de testagem. Isso vai dar ao país a capacidade para que consiga analisar um maior número de casos e, com isso, reduzir sua subnotificação para que tenhamos uma dimensão epidemiológica mais real”, disse Macário.

Na avaliação do diretor, o Brasil atua com empenho desde o início da epidemia, antes mesmo dos casos chegarem ao país. No entanto, ele não soube enumerar os fatores que justificam a curva brasileira estar em alta ascensão, enquanto em outros países já se percebia uma estabilidade de novos casos ao comparar momentos semelhantes. “Ainda estamos no meio do período de sazonalidade do Brasil. Não podemos precisar quando a gente vai alcançar o ápice em relação à sazonalidade por doente de síndrome respiratória aguda grave”, afirmou.

Justificativa

Em relação aos óbitos, o Brasil continua sendo o sexto país com mais mortes do mundo, ficando atrás dos EUA, Reino Unido, Itália, França e Espanha, nesta ordem. Na terça-feira, o país confirmou pela primeira vez um acumulado de mais de mil vítimas em 24 horas, chegando a 1.179. O recorde foi quebrado ontem, com 1.188 óbitos.

No entanto, o Ministério da Saúde pondera que as atualizações não refletem o número de mortes do dia anterior e, sim, representam um acúmulo dos testes e dados que aguardavam avaliação. Ao levar em consideração as mortes ocorridas no mesmo dia, o recorde foi em 5 de maio, quando 480 pessoas perderam a vida pela covid. Esse número, no entanto, pode aumentar, já que há mais de três mil fatalidades sob investigação. “Esse número vai variando à medida em que as investigações são construídas. Não é um número definitivo”, explicou Macário.

Entre os estados com maior número de mortes estão São Paulo, epicentro da doença no Brasil, com 5.558 vidas perdidas pela doença, além do Rio de Janeiro (3.412), Ceará (2.161), Pernambuco (1.925), Pará (1.852) e Amazonas (1.620). Juntas, seis unidades federativas somam 16.528 óbitos, ou seja, mais de 82% de todas as mortes já confirmadas no país. Todos os 26 estados, mais o Distrito Federal, registraram casos e mortes. Ao todo, 1.354 municípios brasileiros registraram fatalidades.

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Vírus avança para o interior

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

22/05/2020

 

 

O número de municípios afetados pelo novo coronavírus mais que duplicou em um mês. São 3.488 cidades brasileiras com registro de casos da doença, o que representa 62,6% do total. Em 20 de abril, eram 1.426 locais infectados (25,6%). Com mais de 300 mil brasileiros afetados, a doença avança pelo território nacional e alcança cidades cada vez mais distantes dos grandes centros, situação que preocupa pesquisadores e autoridades.

De acordo com a análise do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mais de 7,8 milhões de brasileiros estão a, pelo menos, quatro horas de distância de um município que ofereça atendimento de alta complexidade, com unidade de terapia intensiva (UTI), capaz de receber pacientes graves de covid-19. A pior situação ocorre no Amazonas, Pará  e Mato Grosso, onde mais de 20% da população mora em áreas afastadas.

A velocidade em que o vírus se interioriza também foi ponto de alerta. Os estudiosos avaliaram que, em apenas uma semana (de 9 a 16 de maio), nos municípios com população entre 20 e 50 mil habitantes, a cada dia, seis cidades registravam pela primeira vez uma morte pela doença. Entre municípios menores, com população de 10 a 20 mil habitantes, a inclusão foi de cinco cidades a cada dia.

A nota técnica destacou que a acessibilidade geográfica é um dos grandes desafios da rede pública brasileira, devido às dimensões continentais do país. “É evidente que nem todos os municípios do país devem ter um centro de tratamento intensivo, mas é necessário definir serviços de referência e contra referência no atendimento à saúde, evitando vazios de atendimento, bem como deslocamentos longos, que podem afetar o estado de saúde do indivíduo”, alertou a equipe.

A recomendação é que, para conseguir atender a regiões mais distantes, seja bem delimitada a unidade de referência de cada cidade, necessitando, para isso, do diálogo entre estados e municípios. “Se o argumento é achatar a curva para evitar o colapso do sistema de saúde, é preciso definir de forma clara e célere a região a que está se referindo e, com isso, de qual rede/sistema de saúde estamos falando.”

 Preocupação

Ministro da Saúde interino, Eduardo Pazuello mostrou-se ciente da situação na 3ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite realizada, ontem, com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Ao afirmar que já é possível notar, nas grandes cidades, uma redução significativa de casos, Pazuello disse que a próxima etapa será a progressão dos casos para o interior. “Uma terceira etapa é a progressão para o interior desses estados. Ela é inevitável. Essa progressão vai acontecer e nós temos que estar preparados, aumentando a capacidade, ainda, dessas cidades maiores e capitais, porque elas serão, nesta terceira etapa, o destino dessas pessoas do interior”, pontuou.

Ele frisou que a diversidade do país é o maior desafio na hora de tomar decisões e pactuar diálogos. “Precisamos investir na capacidade de transporte para fazer as evacuações, respiradores de transporte, estrutura que permita que a gente traga pessoas dessas cidades do interior para as capitais para o tratamento”. Na avaliação de Pazuello, o maior impacto da doença, até agora, ocorreu no Norte e no Nordeste. Com isso, segundo ele, Sudeste, Sul e Centro-Oeste devem se preparar. 

Frase

“Essa progressão vai acontecer e nós temos que estar preparados, aumentando a capacidade, ainda, dessas cidades maiores e capitais, porque elas serão, nesta terceira etapa, o destino dessas pessoas do interior”

Eduardo Pazuello, ministro da Saúde interino

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Bolsonaro só liberou 42,9%

Renata Rios

22/05/2020

 

 

Em meio à pandemia mundial, a liberação de verba para auxiliar a população, melhorar a infraestrutura de atendimento aos pacientes da covid-19, além da compra de materiais e equipamentos necessários para enfrentar a doença são prioridades. No Brasil, porém, o governo federal gastou menos da metade do valor autorizado pelo Palácio do Planalto. Um levantamento do Portal Siga Brasil e publicado na Agência Senado revela que dos R$ 255,83 bilhões disponibilizados, R$ 109,76 bilhões foram efetivamente pagos.

Entre 7 de fevereiro e 19 de maio, o presidente Jair Bolsonaro editou 20 medidas provisórias que liberam crédito para o Orçamento Geral da União. Duas outras MPs foram assinadas, mas não chegaram a ser contabilizadas no levantamento. O economista Alberto Dezolt, da UGP Brasil, explica que é necessário planejamento para as ações tomadas. Mas, para ele, a forma que as MPs estão sendo feitas não trazem bons resultados. “Não adianta uma avalanche de MP liberar o recurso na fonte para demorar a chegar na ponta, que é quem mais precisa ter esse acesso”, critica. E complementa: “As próprias MPs estão sendo feitas a toque de caixa, sem conversar com a classe empresarial.”

Para o Dezolt, apesar da morosidade no repasse de recursos ser aceitável em situações normais, o país está em uma situação atípica, uma pandemia. “Numa visão macro, a gente vê que o governo não teve planejamento. O recurso é liberado com rapidez, o problema é o tempo que leva para chegar na ponta final”. Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresa da Fundação Getúlio Vargas, Istvan Kasznar afirma que “o Brasil é burocrático demais”, mas destaca que “a desburocratização não pode ser malfeita”.

Os valores foram distribuídos em 27 áreas. Operação de crédito, Ministério da Cidadania, Ministério da Saúde, Ministério da Economia e transferências a estados, municípios e o Distrito Federal concentram a maior parte dos recursos. O maior volume de verba vai para o auxílio emergencial de pessoas em situação de vulnerabilidade. “Essas pessoas que estão fora do sistema, os chamados vulneráveis, estão sofrendo bastante", pontua Kasznar.

O especialista pondera que esses recursos serão usados para comprar itens essenciais, como alimentos e remédios. “Na verdade, esses recursos servem como um substituto temporário para uma queda drástica temporária de renda”. Mas alerta: “Esse formato não serve para seguir a longo prazo, se não aumentará muito o déeficit público”. O professor ainda ressalta que esses valores acabam movimentando a economia, algo positivo, em especial neste momento.

Outro grande gasto previsto é com o pagamento de um benefício emergencial para a manutenção do emprego e da renda. Para Alfredo Dezolt, a medida é importante para a economia não sucumbir. “A prioridade tem que ser para as pessoas da ponta, que são os informais”, reforça. Apesar de estarem previstos gastos de mais de R$ 51 bilhões, até agora, para a área, apenas 8,7% desse valor foram efetivamente pagos. 

Segundo o especialista, é fundamental que o governo auxilie rapidamente esses pequenos e médios negócios. “Podemos ver em restaurantes e em pequenas empresas, por exemplo, que eles não conseguem fôlego imediato para se manter e se esses negócios fecharem, a economia vai sofrer muito mais”, afirma.

255 bilhões

de reais em MPs no combate à covid-19, mas somente 109 bilhões foram pagos