Valor econômico, v.20, n.4990, 29/04/2020. Brasil, p. A5

 

Benefícios econômicos do isolamento superam custos

Arícia Martins

29/04/2020

 

 

A política de isolamento social é eficaz para desacelerar o ritmo de transmissão do novo coronavírus e seus benefícios econômicos mais do que compensam os custos no longo prazo. A avaliação, da MCM Consultores, foi feita a partir da revisão de cinco pesquisas recentes. "Embora os resultados estejam permeados de incertezas, tendo em vista o ineditismo da pandemia e a dificuldade de obter dados adequados, eles são relevantes para uma melhor compreensão do assunto", aponta o economista Vitor Kayo, autor do estudo.

No cenário-base da MCM, o PIB brasileiro vai recuar 3% em 2020, com saída do isolamento em maio. Se as medidas de confinamento ficarem menos restritas antes disso, a retração econômica pode ser mais forte, diz Kayo. "Estamos na parte ascendente da curva. Não seria adequado fazer um afrouxamento agora."

A fim de determinar se as medidas de quarentena achatam a curva epidêmica da covid-19 e se o custo da paralisia econômica provocada pelo distanciamento social é grande a ponto de não justificá-lo, a consultoria revisa as conclusões de cinco artigos acadêmicos sobre o tema.

A estratégia de isolamento é defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para reduzir a velocidade do contágio, o que daria tempo para ampliar a capacidade de atendimento dos sistemas de saúde dos países e para que a ciência estude o vírus e desenvolva um tratamento ou vacina, lembra Kayo.

O primeiro trabalho destacado por ele é o de Michael Greenstone e Vishan Nigam, da Universidade de Chicago. Em paper intitulado "O distanciamento social importa?", Greenstone e Nigam elaboram um modelo que calcula o benefício monetário das vidas poupadas devido à política de isolamento nos EUA.

A partir do conceito de valor de uma vida estatística (VSL, na sigla em inglês) - que mensura quanto as pessoas estariam dispostas a pagar por uma pequena redução no risco de morte -, os autores estimam que a sociedade americana valoriza as vidas salvas pelo isolamento social em aproximadamente US$ 8 trilhões, ou US$ 60 mil por família.

No Brasil, a segunda pesquisa citada sugere que o fim precoce do confinamento pode ser contraproducente, não surtir o efeito desejado e elevar a chance de novas "ondas" da doença. É o que aponta o estudo "Modelando e projetando a pandemia de covid-19 no Brasil", de Saulo B. Bastos e Daniel O. Cajueiro, da Universidade de Brasília (UnB). Eles partem de um modelo epidemiológico tradicionalmente usado na literatura, chamado "SIR", e o modificam para incorporar a possibilidade de os indivíduos infectados serem sintomáticos ou assintomáticos. Após "rodarem" o modelo, constroem cenários possíveis para a evolução da doença no país.

Ao assumir que nenhuma medida de isolamento é tomada, a proporção de infectados na população chega ao pico de 31,6% em 5 de maio. Na hipótese de confinamento mantido até 9 de junho, o auge é o menor possível e atinge 17,1% em 5 de junho. "Todavia, se as medidas são abandonadas antes, o pico é praticamente o mesmo do cenário sem nenhuma medida", nota a MCM.

"Uma interpretação possível do trabalho é a de que quanto mais frágil e vacilante for o distanciamento social, maior será o custo em termos de produto, emprego e renda, uma vez que a doença permanecerá entre nós por muito tempo, exigindo que a política de distanciamento seja acionada de tempos em tempos", diz Kayo.

O terceiro estudo citado pela empresa - "Restrições à mobilidade humana e a disseminação do novo coronavírus na China", de Hanming Fang (Universidade da Pensilvânia, nos EUA, Long Wang (Universidade ShanghaiTech) e Yang Yang (Universidade de Hong Kong) - reforça a importância da rapidez e intensidade das medidas de quarentena. Pelas conclusões da pesquisa, elas diminuem o espalhamento da covid-19 dentro de uma região e para locais vizinhos.

Em Wuhan, primeiro epicentro da pandemia, o confinamento reduziu o movimento de entrada na cidade em 77%, o de saída dela em 56% e o dentro de seu perímetro em 54%. Ainda segundo o estudo, se Wuhan não tivesse adotado o isolamento, os casos de covid-19 seriam 65% maiores em 347 cidades chinesas fora da província de Hubei, e 53% maiores nas 16 cidades que pertencem à localidade, excluindo a capital.

As outras duas pesquisas que a MCM resume medem os impactos econômicos do isolamento social. No paper "A macroeconomia da pandemia", Martin S. Eichenbaum e Sergio Rebelo (da Universidade Northwestern, nos EUA) e Mathias Trabandt (da Universidade de Berlim) calculam que, em comparação a um cenário sem medida alguma de confinamento e sem desenvolvimento de um tratamento eficaz ou vacina, a quarentena reduz o pico da taxa de infectados de 4,7% para 2,5% nos EUA.

Já a taxa de mortalidade recua de 0,40% para 0,26%, o que representa cerca de 500 mil vidas salvas. Em relação à economia, no curto prazo, a restrição à circulação aprofunda a queda do consumo agregado, de redução semanal de 17% a 27% em seu pior momento. "Porém, no longo prazo, a recuperação da economia é mais robusta, uma vez que há menos mortes e maior número de trabalhadores saudáveis", nota Kayo. O estudo prescreve que a política de isolamento seja intensificada à medida que mais pessoas são infectadas, o que, para a MCM, "sugere cuidado" ao Brasil. "Estamos caminhando na parte ascendente da curva e temos visto um afrouxamento do isolamento social em algumas áreas".

O último artigo citado, de Sergio Correia (do conselho de diretores do Federal Reserve), Stephan Luck (do Fed de Nova York) e Emil Verner (do Massachusetts Institute of Technology), reúne evidências da gripe espanhola, que infectou cerca de 500 milhões de pessoas no fim da década de 1910. De acordo com eles, após a doença, cidades americanas que adotaram o isolamento mais cedo tiveram alta de 5% no emprego em relação ao cenário sem antecipação. Já aquelas que prolongaram o confinamento tiveram aumento de 6,5% ante o cenário sem extensão.