O globo, n. 31691, 13/05/2020. País, p. 6

 

Registro em vídeo

Talento Aguirre

Bela Megale

Daniel Gullino

13/05/2020

 

 

Bolsonaro defendeu troca na PF do Rio para não prejudicar família 

MARCOS CORREA/PR/22-04-2020Conselho de ministros. Jair Bolsonaro e seus auxiliares reunidos em Brasília no dia 22 de abril: em encontro, presidente fez cobranças e defendeu mudanças no comando da Polícia Federal no Rio

O presidente Jair Bolsonaro defendeu trocas no comando da Polícia Federal (PF) do Rio para evitar que familiares e amigos seus fossem “prejudicados” por investigações em curso. Segundo o relato de três fontes que assistiram ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro disse que gostaria de substituir o superintendente no Rio e que demitiria até mesmo o então ministro da Justiça Sergio Moro caso não pudesse fazer isso.

O vídeo foi exibido ontem em Brasília para Moro, seus advogados, representantes da Advocacia-Geral da União e investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. O material faz parte do inquérito aberto no Supremo após o ex-ministro ter deixado o cargo acusando o presidente de interferir politicamente na PF.

Após a divulgação da notícia na tarde de ontem, Bolsonaro negou ter usado as palavras “Polícia Federal”, “superintendente” e “investigação” durante o encontro, mas ressaltou, contudo, que a interpretação sobre o que foi dito “vai da cabeça de cada um”.

Segundo fontes que assistiram ao vídeo, Bolsonaro afirma durante a reunião que precisava “saber das coisas” que estavam ocorrendo na Polícia Federal do Rio e cita que investigações em andamento não poderiam “prejudicar a minha família” nem “meus amigos”. Foi sob este argumento que defendeu mudar o superintendente do Rio, o diretor geral da PF ou até mesmo o ministro da Justiça.

De acordo com essas fontes, Bolsonaro fez essa referência à Superintendência da PF usando o termo “segurança” quando discursou sobre a necessidade de proteger familiares de eventual perseguição ou ameaças, sem entrar em detalhes sobre os motivos da preocupação. Segundo os relatos, o presidente citou que já havia tentado substituir o “segurança” no Rio, e que, desta vez, finalmente efetivaria essa substituição. Na mesma fala, Bolsonaro teria dito que, caso não pudesse trocar o “segurança” no Rio, trocaria o diretor-geral ou o próprio ministro.

Na avaliação de investigadores, o presidente confirmou expressamente que trocaria postos-chave da Polícia Federal em troca de indicar uma pessoa de sua confiança que garantisse acesso a informações sobre investigações contra familiares e pessoas próximas.

“INTERPRETAÇÃO”

Bolsonaro rebateu as notícias sobre o conteúdo do vídeo negando ter usado algumas palavras citadas, mas dizendo que a interpretação será de cada um que assistir ao material.

—Não existem as palavras “superintendente” nem “Polícia Federal”. Essa interpretação vai da cabeça de cada um. Não tem a palavra “investigação” — disse Bolsonaro, em entrevista improvisada na rampa do Palácio do Planalto.

O próprio presidente, porém, já reconheceu que tinha divergências com Moro por trocas no comando da instituição, especialmente a Superintendência do Rio.

Questionado se comentou algo sobre seus filhos, Bolsonaro disse que a sua preocupação é coma “segurança” deles, após a facada que sofreu:

— A preocupação minha sempre foi, depois com a facada, de forma bastante a segurança minha e da minha família. Em Juiz de Fora, o Adélio cercou o meu filho no vídeo. No meu entender, talvez quisesse assassinar ele ali. A segurança da minha família é uma coisa. Não estou e nunca estive preocupado com a Polícia Federal. A Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família.

Apesar da negativa de Bolsonaro, um dos seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi investigado pela PF. O órgão, contudo, pediu em março o arquivamento do inquérito. Além disso, a segurança do presidente e de sua família é liderada pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo ministro Augusto Heleno, e não pela Polícia Federal.

O presidente disse que a gravação da reunião ministerial deveria ter sido “destruída”, pois visava apenas aproveitamento de trechos para divulgação. Disse não saber o motivo do material ter sido preservado e disse ter determinado a entrega integral para não “faltar com a verdade ”.

O presidente reiterou o pedido, porém, para que o STF dê publicidade apenas aos trechos relativos ao inquérito. Moro, por sua vez, divulgou nota após ter assistido ao vídeo defendendo a divulgação integral e dizendo que o material confirma o teor de suas declarações.

Bolsonaro demonstrou disposição de ser ouvido no inquérito. Ele disse que “tanto faz” depôr pessoalmente ou por escrito, mas lembrou que no passado o ex-presidente Michel Temer foi ouvido por escrito.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mel lo determinou que a perícia da PF transcreva declarações do vídeo, para depois decidir sobre sua divulgação. Ovídeo foi exibido às par tesno processo e aos investigadores sob forte esquema de segurança e todos deixar os telefones celulares do lado de fora da sala.

“A segurança da minha família é uma coisa. Não estou e nunca estive preocupado com a Polícia Federal”

Jair Bolsonaro, presidente

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Heleno admite ‘amizade’ entre presidente e Ramagem

Aguirre Talento

Bela Megale

Daniel Gullino

13/05/2020

 

 

Bolsonaro e diretor da Abin, entretanto, negaram ter relação próxima 

JORGE WILLIAM/01-04-2020Heleno. Ministro-chefe do GSI prestou depoimento ontem no Planalto

 O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Instituicional (GSI), Augusto Heleno, confirmou que o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem se reúne “corriqueiramente” com o presidente Jair Bolsonaro e falou haver uma “amizade” entre os dois após o delegado ter chefiado a segurança da campanha. O diretor da Abin, por sua vez, nega “intimidade” com a família Bolsonaro.

Ramagem havia sido o nome escolhido por Bolsonaro para comandar a Polícia Federal no lugar de Maurício Valeixo, diretor indicado pelo ex-ministro Sergio Moro. Sua indicação, porém, foi barrada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que entendeu haver “desvio de finalidade” pela proximidade com a família do presidente.

Heleno depôs ontem e, inicialmente, vinculou a relação entre Bolsonaro e Ramagem, a relação entre “chefe e subordinado”. Depois, questionado pela defesa de Sergio Moro, afirmou que a “amizade [...] vem da época em que o presidente sofreu o atentado e Alexandre Ramagem assumiu sua segurança”.

O ministro disse que, como Ramagem realizou a segurança pessoal de Bolsonaro na campanha presidencial de 2018 “é natural que haja proximidade tanto com o presidente como seus filhos”. Uma foto de Ramagem ao lado do vereador Carlos Bolsonaro no Réveillon de 2018 para 2019 foi publicada em uma rede social do filho do presidente e veio a público após a indicação de Ramagem.

Questionado se o presidente e o diretor da Abin se encontram corriqueiramente, disse que “sim”. Sobre a indicação do delegado para comandar a PF, Heleno defendeu Bolsonaro e disse que “é natural” que o presidente queira “optar por uma pessoa mais próxima”.

Em seu depoimento, anteontem, o diretor da Abin negou ter “intimidade pessoal” com Bolsonaro ou seus filhos e alegou ter sido “desqualificado” por Moro por “não integrar o núcleo restrito de delegados da Polícia Federal próximos ao então ministro”.

O ministro da Casa Civil, Braga Netto, também falou aos investigadores ontem, assim como Heleno. Ele contou que Bolsonaro “se queixava” do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre as declarações do porteiro de seu condomínio, mas disse que, no vídeo da reunião do conselho de ministros, Bolsonaro estava se referindo a uma possível troca do seu segurança pessoal no Rio de Janeiro, e não sobre interferências na Polícia Federal.

Braga Netto manteve a mesma versão divulgada mais cedo por Bolsonaro, de que suas reclamações na reunião se referiam à sua segurança pessoal. O ministro, porém, não explicou se havia inquéritos que justificariam a preocupação de Bolsonaro.

O ministro da Casa Civil também confirmou ter se reunido com Moro na véspera de seu pedido de demissão, mas negou que tenha se comprometido a tentar reverter a intenção do presidente de demitir o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.

Em depoimento na segunda, o ex-superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, disse que sua saída do cargo ocorreu de forma antecipada, em agosto de 2019, ao ser informado por Valeixo de que “teria havido um pedido de troca”.