Valor econômico, v.20, n.4991, 01/05/2020. Política, p. A10

 

"Cenário político deve ficar em segundo plano", afirma Caiado

Malu Delgado 

Cristiane Agostine

César Felício

01/05/2020

 

 

Um dos principais líderes nacionais do DEM, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, descartou ontem um eventual afastamento do presidente Jair Bolsonaro, em meio à pandemia de covid-19. Ao participar de 'live' do Valor, Caiado disse que a crise sanitária deve ser tratada como prioridade e o cenário político deve ficar em segundo plano.

"Tenho seis mandatos no Congresso, cinco como deputado, um como senador. Vivi impeachment de Collor, de Dilma, vivi momentos tensos da política nacional. Neste momento é claro que não se tem ambiente para pensarmos em impeachment", disse Caiado, em sintonia com a posição de seu partido, de evitar tratar do impeachment de Bolsonaro. Segundo o governador, "é preciso respeitar o voto do eleitor e fazer com que o mandato termine".

Caiado era um dos principais aliados de Bolsonaro entre os governadores, mas rompeu com o presidente pouco antes da demissão do então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, de quem era aliado. Desde então passou a ser crítico da postura do presidente diante da catástrofe sanitária.

O governador goiano disse que "a dose destrutiva" do novo coronavírus é grande e afirmou que é preciso evitar que o "campo político seja um contaminador a mais da pandemia". "Vai se criar um clima extremamente difícil", declarou. "Minha preocupação é com o que é prioridade. Infelizmente estamos vendo o foco voltado para a crise política e deixando de ter sensibilidade maior com a saúde e a vida do brasileiro. É deprimente assistirmos isso", afirmou Caiado, na entrevista.

O governador cobrou diretrizes do Ministério da Saúde sobre as medidas de combate à covid-19, mas defendeu a autonomia dos Estados no enfrentamento da crise. "Somos 27 governadores. Nós teremos que responder no futuro", disse. "Nessa hora a situação tem que ter um comando maior do Ministério da Saúde. As diferenças políticas e partidárias existirão, mas nós governadores temos que cobrar para que tenhamos protocolos claros e que cada região do país possa prestar ajuda a outras."

Ontem o país registrou o acúmulo de 78.162 casos confirmados de covid-19 e 5.466 mortes, número superior aos óbitos pela doença registrados na China.

Ao falar sobre os resultados do isolamento social em Goiás, Caiado reconheceu que foram abaixo do esperado e disse que novas iniciativas restritivas poderão ser tomadas. Segundo o governador, Goiás foi o primeiro Estado a adotar quarentena, no dia 12 de março, quando ainda não havia nenhum caso confirmado no Estado.

"Se no decorrer desses próximos dez dias tivermos um crescimento acima da curva que identificamos com base científica e técnica, eu imediatamente baixarei novo decreto restringindo fortemente todas as atividades econômicas de Goiás", disse. O governador, no entanto, ponderou que o número de casos de covid-19 no Estado é menor do que o governo previu. Goiás tem 661 casos confirmados da doença e 27 mortes.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bolsonaro e Doria trocam ataques

Daniel Gullino

Leila Souza Lima

01/05/2020

 

 

Após minimizar diversas vezes os riscos do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a responsabilidade das mortes registradas até aqui é dos governadores, e não dele. A declaração um dia após Bolsonaro responder "e daí?" e perguntar o que ele podia fazer depois de ser questionado sobre novo recorde de mortes pela covid-19 no país, que já passam de 5 mil.

Bolsonaro argumentou que, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e prefeitos têm autonomia sobre as medidas restritivas no combate ao coronavírus, e por isso precisam explicar porque as mortes continuaram mesmo após essas medidas serem tomadas. "Questão de mortes, a gente lamenta as mortes profundamente. Sabia que ia acontecer. Agora, quem tomou todas as medidas restritivas foram governadores e prefeitos", disse Bolsonaro, acrescentando: "Essa conta tem que ser perguntada [sic] para os governadores. Perguntem ao senhor João Doria, ao senhor [Bruno] Covas, de o porquê terem tomado medidas tão restritivas e continua [sic] morrendo gente. Eles têm que responder. Vocês não vão colocar no meu colo essa conta."

Questionado se não tinha nenhuma responsabilidade sobre as mortes, o presidente foi ríspido: "A pergunta é tão idiota que eu não vou responder."

Horas, depois, Doria respondeu ao presidente. "Venha ver [em São Paulo] a gripezinha, e as pessoas agonizando nos leitos, presidente", provocou. "Se não quiser vir a São Paulo, vá a Manaus", disse, referindo-se ao colapso do atendimento à saúde na capital do Amazonas.

O governador falou da dor de mães, pais e avós que perderam pessoas que foram infectadas pelo coronavírus. "Respeite médicos, enfermeiros e profissionais de saúde, presidente", disse Doria. "Pessoas que em vez de treinar tiros, estão trabalhando para salvar vidas". Bolsonaro foi treinar no domingo em um estande de tiro em Brasília.

O governador disse que, para Bolsonaro, vidas são uma questão numérica. "Eu, como governador, não acho que vida é número. Nem meus filhos são tratados por número, mas pelo nome, com carinho, com amor", provocou.

Doria disse que o país começa a entrar na fase mais difícil da pandemia da covid-19. "Isso não só em São Paulo, mas em todo o Brasil", alertou. Coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo, David Uip reforçou a fala do governador, ao explicar que, com base em cenários e modelos epidemiológicos, os números de casos confirmados e mortes tende a subir. "O que prevíamos está se confirmando", ressaltou.

O governador finalizou a coletiva como abriu, criticando o presidente Jair Bolsonaro. "Ao invés de treinar tiros, treine compaixão", provocou. "Certamente, o senhor será melhor reconhecido pelo seu povo", disse Doria.