Valor econômico, v.20, n.4991, 01/05/2020. Política, p. A7

 

Moraes proíbe nomeação de ramagem para PF

Isadora Peron

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

Murillo Camarotto

01/05/2020

 

 

O ministro Alexandre de Moraes frustrou ontem a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de dar um fim à crise política provocada pela demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e proibiu, por meio de decisão liminar, a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal (PF).

Pego de surpresa, o governo sinalizou que acataria a decisão e o presidente chegou a publicar um decreto cancelando a nomeação de Ramagem. Na cerimônia de posse dos novos ministros da Justiça, André Mendonça, e da Advocacia-Geral da União, José Levi, no entanto, mandou recados de que não aceitou a decisão do STF e, no fim do dia, anunciou que iria recorrer.

Responsável por representar o governo no STF, a AGU chegou a divulgar uma nota dizendo que não iria recorrer da suspensão da posse. Mas a posição foi logo desautorizada pelo presidente.

"Creio ser uma missão honrada para o senhor Ramagem. Gostaria de honrá-lo hoje [ontem] dando-lhe posse como diretor-geral da Polícia Federal. Tenho certeza que esse sonho meu, mais dele [Ramagem], brevemente se concretizará para o bem da nossa Polícia Federal e do nosso Brasil", discursou Bolsonaro durante a solenidade de posse no Planalto.

Sem citar o nome de Moraes, o presidente criticou o fato de a decisão ter sido monocrática. "Respeito o Poder Judiciário, suas decisões, mas nós, antes de tudo, respeitamos nossa Constituição. O senhor Ramagem, que tomaria posse hoje [ontem], foi impedido por uma decisão monocrática de um ministro do STF", afirmou Bolsonaro, ao lado do presidente da Corte, Dias Toffoli, e do ministro Gilmar Mendes.

Ainda durante o discurso, Bolsonaro leu dois artigos da Constituição, ressaltando que os Poderes devem ser independentes e harmônicos entre si. "Assim me comporto e dirijo essa Nação. Não posso admitir que ninguém ouse desrespeitar a nossa Constituição", bradou.

Ele também fez questão de deixar claro que cabe a ele indicar o diretor-geral da PF. "Uma das posições importante, que quem nomeia sou eu, é o do diretor-geral da Polícia Federal. A nossa Polícia Federal não persegue ninguém, a não ser bandidos", disse.

Depois da cerimônia, já no Palácio da Alvorada, o presidente foi enfático ao dizer que a AGU iria, sim, recorrer da decisão de Alexandre de Moraes. "Quem manda sou eu", resumiu.

"Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência [do Poder Judiciário], né? Mas vamos fazer de tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele e eu vou botar outra pessoa", disse.

Bolsonaro não deu detalhes de como vai ser a ofensiva jurídica. Nos bastidores, uma das possibilidades apontadas é que o governo entre com um instrumento chamado "suspensão de liminar". Esse tipo de ação é encaminhada direto para a presidência do Tribunal. Neste caso, Toffoli poderia derrubar a liminar do colega. A prática não é comum no STF, mas tem precedentes. Toffoli já cassou decisões de outros ministros antes. Moraes, no entanto, tem sido um dos seus principais aliados na corte. "Seria uma medida ortodoxa", avalia um ministro do STF.

Ao longo do dia, interlocutores do Planalto citaram outros nomes como possíveis sucessores de Maurício Valeixo no comando da PF, como o superintendente regional do Amazonas, Alexandre Saraiva.

A decisão de Moraes ocorreu depois que Moro afirmou que estava deixando o Ministério da Justiça devido às pressões do presidente para trocar o diretor da PF e ter acesso a relatórios de inteligência.

Por ora, o ministro do STF sinalizou que não pretende levar a sua decisão para ser discutida no plenário - onde eventualmente ela poderia ser derrubada pela maioria dos ministros. Ele atendeu a um pedido do PDT, que entrou com um mandado de segurança no STF alegando "desvio de finalidade" com a nomeação de Ramagem.

Em seu despacho, Moraes citou as acusações feitas por Moro na sexta-feira e disse que "são fatos notórios" que o ex-juiz da Lava-Jato "afirmou expressa e textualmente que o presidente da República informou-lhe da futura nomeação do delegado federal Alexandre Ramagem para a diretoria da Polícia Federal, para que pudesse ter 'interferência política' na instituição".

O ministro disse ainda que "essas alegações foram confirmadas, no mesmo dia, pelo próprio presidente da República, também em entrevista coletiva".

Para o magistrado, apesar de a prerrogativa de indicação ser do presidente da República, o Poder Judiciário deve analisar "não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo".

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Mendonça chama Bolsonaro de 'profeta' e se diz 'líder servo'

Fabio Murakawa

Isadora Peron

Matheus Schuch

Murillo Camarotto

01/05/2020

 

 

Em sua posse como ministro da Justiça, André Mendonça encarnou o personagem "terrivelmente evangélico" que o tornou favorito a uma das duas vagas a que o presidente Jair Bolsonaro terá direito de indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) até o fim de seu mandato, em 2022.

Pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, Mendonça fez um discurso recheado de menções e metáforas religiosas, com afagos a Bolsonaro e defesas explícitas à plataforma de segurança e pró-vida que ajudou a eleger o presidente.

Em sua fala, afirmou que quer ser "um líder servo", colocando "o povo em primeiro lugar". E pediu a Deus que não o deixe "falhar na missão, no dia a dia da minha caminhada".

O ministro agradeceu à esposa, que estava na plateia, "por cada joelho dobrado, cada oração e carinho". E pediu aos filhos que "se espelhem nos melhores e sejam diferenciados".

"Quero continuar tendo a dignidade de chegar em casa e olhar nos olhos do vocês, com a consciência tranquila de que, ainda que tenha sido insuficiente, dei o melhor para servir esse país", afirmou.

Falando a Bolsonaro, Mendonça disse que ele "tem sido um profeta no combate à criminalidade há 30 anos". E pediu que cobre mais operações da Polícia Federal. Prometeu uma "atuação técnica e imparcial" e afirmou que está disposto "a prestar contas não só ao chefe da nação, mas a todo o povo".

"Lutarei com todos os meus esforços no combate ao crime organizado, o que envolve não apenas a corrupção, mas tráfico de drogas, de armas, os crimes contra a vida, contra o patrimônio e os crimes de abuso sexual e os crimes cometidos contra a criança, o adolescente e a mulher", disse. "Vamos fazer operações conjuntas. Cobre de nós mais operações na Polícia Federal."

Mendonça elogiou ainda o ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) - que recusou o convite de Bolsonaro para assumir a Justiça e também é cotado para uma vaga no Supremo -, chamando o colega de "exemplo de integridade e sobriedade".

Na plateia, estavam representantes da bancada da Bíblia na Câmara, que arrancou do presidente a promessa de indicar um ministro "terrivelmente evangélico" para a mais alta corte do país.

Também estavam presentes o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes na solenidade, que marcou também a posse de José Levi como substituto de Mendonça na Advocacia-Geral da União (AGU).