Valor econômico, v.21, n.4994, 06/05/2020. Política, p. A7

 

Bolsonaro quis apadrinhar chefia da PF no Rio, diz Moro

Luísa Martins

Murillo Camarotto

Matheus Schuch

06/05/2020

 

 

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro disse em depoimento no sábado que sofreu pressões diretas do presidente Jair Bolsonaro para trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. "Você tem 27 superintendências, quero apenas uma", teria dito Bolsonaro, sobre a seção fluminense da PF.

Durante mais de oito horas, Moro detalhou aos investigadores as afirmações feitas por ele quando deixou a pasta, no último dia 24. Apesar da contundência das revelações, ele fez questão de ressaltar que jamais acusou o presidente da República de qualquer crime, e que caberá ao Ministério Público Federal (MPF) avaliar a conduta de Bolsonaro.

A declaração foi vista como uma espécie de salvaguarda contra uma eventual acusação de denunciação caluniosa por parte de Bolsonaro. Essa hipótese foi considerada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao instaurar o inquérito que vai investigar o caso.

Ao tomar conhecimento dessa afirmação específica de Moro, o presidente aproveitou para contra-atacar. Disse que o ex-ministro pode ter infringido a Lei de Segurança Nacional ao compartilhar com a imprensa o conteúdo de conversas privadas entre os dois. De acordo com Bolsonaro, as mensagens continham partes de relatórios confidenciais.

"É um homem que, inclusive, tinha peças de relatórios parciais de coisas que eu passava para ele", afirmou o presidente. "E pode ver que eu confiava nele, tanto que passava extratos de informações de chefes de Estado e inteligência de fora do Brasil", completou Bolsonaro a jornalistas.

Sobre o desejo de trocar a chefia da PF no Rio, o presidente argumentou que estava insatisfeito, entre outras coisas, com a condução do caso envolvendo a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), morta a tiros em março de 2018. Segundo Bolsonaro, ele próprio chegou a ser citado como suspeito, fato que deveria ter resultado em um aprofundamento das investigações.

"O Rio é o meu Estado. Eu fui acusado de tentar matar a Marielle, quer algo mais grave? Quem quer que seja [assassinado], o presidente da República ser acusado? A Polícia Federal tem que investigar, por que não investigou com profundidade?", reclamou o presidente, na portaria do Palácio da Alvorada.

Aras determinou ontem a investigação da troca na PF do Rio, feita pelo novo diretor-geral, Rolando Alexandre, em seus primeiros minutos no cargo. A investigação dessa substituição foi incluída no rol dos trabalhos previstos no inquérito já instaurado, sem a necessidade de nenhum ato formal adicional.

Em seu depoimento, Moro disse que em março deste ano, quando estava em missão oficial nos Estados Unidos, recebeu uma mensagem de Bolsonaro, que insistia na demissão do chefe da PF no Rio. O então ministro disse que não participava das nomeações de superintendentes regionais, tocadas de forma autônoma pelo diretor-geral.

Bolsonaro, então, passou a exigir a queda de Maurício Valeixo, o diretor-geral escolhido por Moro. O ex-ministro admitiu que chegou a considerar a troca para "evitar uma crise". Até aquele momento, segundo Moro, não havia nenhuma interferência ou solicitação de informação de inquéritos por parte de Bolsonaro.

Pela manhã, o presidente disse que jamais pediu qualquer tipo de informação, algo que ele chamou de "mentira deslavada". Também negou que haja investigações contra ele ou seus filhos em andamento no Rio, que poderiam ter motivado a troca na PF.

O ex-ministro também relatou o ocorrido na reunião ministerial realizada no último dia 22, quando ele foi cobrado pelo presidente em frente aos demais ministros sobre a troca de Valeixo e do superintendente no Rio. A gravação dessa reunião foi solicitada pela PGR no âmbito do inquérito instaurado para investigar as acusações feitas por Moro.

Aras também pediu a tomada de depoimento dos ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (GSI) e Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), que teriam se reunido com Moro após as cobranças feitas pelo presidente. Segundo Moro, os generais se comprometeram a tentar demover Bolsonaro do plano.

Os ministros militares perguntaram se Moro aceitaria uma troca por alguém que ele próprio indicasse. Moro sinalizou positivamente, com a condição de que não houvesse mudança no Rio. Poucas horas depois, ao tomar conhecimento de que a exoneração de Maurício Valeixo já estava encaminhada, Moro decidiu sair.

O ex-ministro também afirmou no depoimento que apagou a maioria das mensagens trocadas com Bolsonaro ao longo dos últimos meses, hábito que ele adquiriu após virem a público os diálogos dele com alguns procuradores da Lava-Jato. Ainda assim, Moro mencionou algumas possíveis provas que poderiam confirmar o intuito de Bolsonaro de interferir politicamente na PF.

Foram elencadas nove possibilidades de prova, entre as quais o seu próprio depoimento e as declarações públicas nas quais Bolsonaro confirmou que queria trocar nomes na Polícia Federal.

Moro também citou relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), nas quais constam informações vindas da PF e que são legalmente disponibilizadas ao presidente da República. Isso provaria que Bolsonaro já tinha acesso aos dados de inteligência aos quais ele tem direito.

O ex-ministro ainda mencionou os depoimentos de outros delegados da PF como possíveis provas de suas declarações. Todos eles já tiveram as oitivas solicitadas pela PGR no inquérito que trata do assunto. Moro também disponibilizou o conteúdo do seu telefone, algo que as diligências solicitadas pelo Ministério Público já contemplaram.