Correio braziliense, n. 20813 , 17/05/2020. Política, p.3

 

Onze horas na rampa

Bruna Lima

Vera Batista

17/05/2020

 

 

Bolsonaro desiste de pronunciamento e indica que participará das manifestações marcadas para hoje. Pelo Twitter, voltou a defender cloroquina e atacou isolamento social

A aparente surpresa do pedido de demissão de Nelson Teich como ministro da Saúde mudou os planos do presidente Jair Bolsonaro, que cancelou o pronunciamento anunciado para ontem que faria em rede nacional de rádio e televisão. A expectativa era de que ele defendesse a volta ao trabalho em todo o país, conduta vista como uma jogada política para desmoralizar governadores e prefeitos que adotam medidas rígidas de isolamento. A fala foi deixada de lado após Bolsonaro ter dado mais um passo para fazer valer a liberação em massa da cloroquina no tratamento da covid-19, já que caberá ao oficializado ministro interino, Eduardo Pazuello, assinar o uso protocolar do medicamento.

Em conformidade com a vontade de Bolsonaro, médicos do próprio Ministério da Saúde elaboraram uma normatização para liberar, por parte do governo federal, o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina em pacientes com sintomas leves de coronavírus. Nos bastidores, a previsão é de que Pazuello fique na chefia da pasta durante a semana, momento em que assinará o protocolo antes do novo ministro chegar. Pelo Twitter, Bolsonaro voltou a dizer que “um dos efeitos colaterais da cloroquina, remédio baratíssimo, é prevenir a corrupção”.

Em meio ao tumulto causado pela mudança, o chefe do Executivo decidiu suspender o pronunciamento. Ontem, apenas apareceu na portaria do Palácio Alvorada, onde mora, no fim da tarde, para dar um recado aos cerca de 50 apoiadores. “Onze horas na rampa”, disse ele, indicando que, nesse domingo, participará de novas manifestações no Palácio do Planalto, onde despacha diariamente. Bolsonaro não quis falar com a imprensa. Mais cedo, despistou os jornalistas ao não sair com o comboio, como de costume, e apareceu em frente ao prédio para conversar com manifestantes.

Apesar de não ter feito o pronunciamento, o presidente não deixou de condenar as regras de isolamento social. Pelo Twitter, ele afirmou que o “desemprego, a fome e a miséria será o futuro daqueles que apoiam a tirania do isolamento total”. Um vídeo do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, detalhando o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, foi vinculado à postagem.

Crises

Os últimos dias foram ricos em crises com diversos setores: servidores, deputados, senadores, governadores e prefeitos. “Não pode o presidente, por convicção personalíssima, impor aos cidadãos ou entes federados condutas incompatíveis com a ciência. Ao persistir neste tipo de postura, absolutamente incompatível com o estado democrático de direito, o presidente infringe não somente os limites constitucionais, mas pratica ato que poderá ser considerado crime de responsabilidade”, avalia o senador Alessandro Vieira (Cidadania- SE).

Em suas constantes aparições públicas, além dos ataques à imprensa e até ao Congresso Nacional, mesmo que sem querer, Bolsonaro abasteceu a opinião pública de farto arsenal de declarações contraditórias sobre as provas apresentadas pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, de que o mandatário pretende interferir politicamente na Polícia Federal para salvar a sua pele, de familiares e amigos.

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Barroso veta expulsão de diplomatas

17/05/2020

 

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ratificou, ontem, liminar que suspendeu a retirada compulsória do corpo diplomático venezuelano do país determinada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A decisão assegura que os funcionários da Embaixada da Venezuela em Brasília e de consulados venezuelanos em Belém, Boa Vista, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo fiquem no Brasil enquanto durar o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional.

O ministro do Supremo entendeu que a situação de emergência sanitária reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e pelo Congresso Nacional em razão da pandemia do novo coronavírus “coloca em risco a integridade física e psíquica dos pacientes, tornando irrazoável a ordem de saída imediata (ou em 48 horas) do território nacional”.

No último dia 2, Barroso suspendeu o ato de Bolsonaro por dez dias e requisitou ao presidente e ao ministro Ernesto Araújo que prestassem informações sobre a expulsão. O governo havia estipulado que a saída dos diplomatas do governo Nicolás Maduro se desse até o sábado, 2, data em que Barroso proferiu sua decisão. A Venezuela se recusava a cumprir o ato do Planalto alegando “pressões desnecessárias” do Planalto.

No início de 2019, Bolsonaro reconheceu a presidência autoproclamada de Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, de maioria opositora, que teve suas prerrogativas anuladas pela Justiça controlada por Maduro.