Valor econômico, v.21, n.4993, 05/05/2020. Política, p. A6

 

Braço direito de Ramagem assume PF e troca comando no Rio

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

05/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro empossou ontem o delegado Rolando Alexandre de Souza diretor-geral da Polícia Federal. Pouco depois, em um dos seus primeiros atos, Souza trocou o comando da Superintendência do órgão no Rio, foco de interesse da família Bolsonaro.

A posse, em uma cerimônia fechada no gabinete presidencial, ocorreu cerca de dez minutos após a publicação de uma edição extra do "Diário Oficial da União" (DOU) com a nomeação de Rolando.

Ele era tido como braço direito de Alexandre Ramagem, o preferido do presidente para chefiar a PF, na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Sua indicação dissipa temores de que Bolsonaro tensionaria ainda mais o ambiente com o Supremo Tribunal Federal (STF), que por liminar expedida pelo ministro Alexandre de Moraes barrou a indicação de Ramagem na semana passada.

Esses temores cresceram no domingo, quando Bolsonaro deu sinais de que não havia desistido de nomear Ramagem, apesar da decisão do Supremo. Na tarde de ontem, interlocutores do governo, da Polícia Federal e do Judiciário ainda se perguntavam se Rolando exercerá um "mandato tampão".

Alguns acreditavam que Ramagem, que se tornou próximo do clã Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018, será alçado ao comando da PF tão logo seja viável. Isso depende, segundo as fontes, de uma decisão do plenário do Supremo para derrubar a liminar de Moraes. Ou do avanço do inquérito aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido da Procuradoria-Geral da República para apurar as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, de que Bolsonaro tenta interferir em investigações da PF.

Moro depôs no sábado na PF em Curitiba. Caso não se comprovem as denúncias, estará reaberto o caminho para que Ramagem seja novamente nomeado. Alguns ministros do Supremo, nos bastidores, defendem justamente que é necessário aguardar o resultado das investigações antes de rever a decisão de Alexandre de Moraes.

Porém, na opinião de algumas dessas fontes, o tempo joga a favor de quem está na cadeira, e a liderança de Rolando pode se tornar em breve um fato consumado. Portanto, quanto mais demorarem as investigações, ou uma decisão colegiada do STF, mais firme no posto estará o atual diretor-geral.

O novo comandante-geral da PF era secretário de Gestão e Planejamento da Abin. "Doutor Rolando", como é conhecido, é bem conceituado entre os colegas. Ele foi superintendente da PF em Alagoas antes de ser levado à Abin por Ramagem, no ano passado. Alguns colegas dizem que ele tem "histórico arrumado" e "melhores qualificações que Ramagem", apesar de mais jovem e menos experiente.

Na Abin, sua função era meramente administrativa. Mas, segundo fontes no Planalto, é justamente a parte administrativa uma das mais elogiadas da gestão Ramagem na agência, mérito compartilhado com o ex-subordinado.

Ontem, começou a se espalhar entre integrantes da PF a notícia de que Rolando decidiu trocar o superintendente no Rio - algo que Bolsonaro havia tentado fazer à revelia do antecessor, Maurício Valeixo.

O atual superintendente, Carlos Henrique Oliveira, foi convidado para ser o diretor-executivo da PF, o número 2 na hierarquia da corporação, segundo o jornal "O Globo". A notícia fez disparar uma série de congratulações de colegas em grupos de WhatsApp, sem que Oliveira se manifestasse.

Também ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou o que considera uma interferência de Poderes em atribuições do Executivo. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Mourão citou a suspensão da posse de Ramagem e a proibição da expulsão de diplomatas venezuelanos do país, ambas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

"Eu, é minha opinião, julgo que cada um tem que navegar dentro dos limites da sua responsabilidade. Então, os casos mais recentes, que foi da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal, a questão dos diplomatas venezuelanos, eram decisões que são do presidente da República", argumentou o vice-presidente.

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Aras pede gravação de reunião e oitava de ministros

Murillo Camarotto

Luísa Martins

05/05/2020

 

 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) a gravação da reunião ministerial realizada no dia 22, quando o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado o então ministro da Justiça Sergio Moro de demissão caso seus pedidos para a PF não fossem acatados. O próprio Bolsonaro chegou a anunciar que tornaria público o vídeo, mas acabou recuando.

Responsável pelo inquérito que apura ilícitos na relação funcional entre Bolsonaro e Moro, Aras requereu ainda uma série de diligências relativas ao inquérito que investiga a suposta tentativa de interferência na Polícia Federal por parte do presidente. Os pedidos envolvem depoimentos de ministros, parlamentares e delegados, além de acesso a celulares, gravações e perícias.

Em requerimento encaminhado ao ministro Celso de Mello, que é o relator do inquérito no STF, Aras solicitou oitivas com os ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). O PGR sugeriu que todos os depoimentos sejam colhidos em até cinco dias úteis.

Também foi requerida uma oitiva com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que teve uma troca de mensagens com o ex-ministro da Justiça divulgada. No diálogo, ela pede que Moro aceite o nome escolhido por Bolsonaro para a PF e, em troca, se oferece para articular a nomeação do então ministro para a próxima vaga no STF.

Preferido de Bolsonaro para a PF, o delegado Alexandre Ramagem - atualmente na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) -- também está na lista de oitivas. Outros nomes são os do ex-diretor-geral Maurício Valeixo e dos delegados Ricardo Saadi, Carlos Henrique Souza, Alexandre Saraiva e Rodrigo Teixeira.

A PGR pediu ainda acesso aos comprovantes de autoria das assinaturas da exoneração de Valeixo, publicada no "Diário Oficial da União" (DOU), além do documento com pedido de demissão que deveria ter sido enviado pelo próprio ao presidente para que o ato de desligamento pudesse ser publicado como sendo "a pedido".

Também consta no requerimento a produção de um laudo da Polícia Federal, baseado nos dados coletados do celular de Moro, bem como um relatório de análise das mensagens de texto e áudio, imagens e vídeos.

Ontem, Moro informou que não se opõe à retirada do sigilo do depoimento prestado por ele no sábado à PF, em Curitiba. Durante oito horas, o ex-juiz da Lava-Jato detalhou as afirmações feitas por ele no dia de sua saída do governo, quando disse que Bolsonaro tinha preocupação com inquéritos no Supremo e que, por isso, queria mudar o comando da PF.

O advogado Rodrigo Sánchez Rios, que representa Moro, disse que dar publicidade ao depoimento evita "interpretações dissociadas de todo o contexto das declarações", além de garantir acesso a informações de interesse público. O documento será analisado por Celso de Mello, responsável pelas decisões referentes ao inquérito no STF.