Valor econômico, v.21, n.4992, 02/05/2020. Política, p. A16

 

Em protesto contra Moro, Congresso e STF, Bolsonaro diz que chegou 'ao limite'

Isadora Peron

Amanda Almeida

Victor Farias

Bruno Góes

02/05/2020

 

 

O ato realizado ontem em Brasília pode entrar no escopo do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga quem está por trás da organização de manifestações antidemocráticas. Além de defender o presidente Jair Bolsonaro, os manifestantes fizeram críticas ao Supremo, ao Congresso e ao ex-ministro Sergio Moro. Mais uma vez, o presidente fez questão de participar pessoalmente dos protestos.

Em nota, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que deve se reunir hoje com procuradores de sua equipe para "analisar os fatos" e definir eventuais providências.

A pedido de Aras, o ministro Alexandre de Mores, do STF, autorizou a abertura de um inquérito para apurar manifestações realizadas no dia 20. Os atos pediram a intervenção militar e também contaram com a presença de Bolsonaro.

Ontem, o presidente encontrou-se com manifestantes que haviam feito uma carreata pela Esplanada dos Ministério contra o isolamento social. Do alto da rampa do Palácio do Planalto, Bolsonaro declarou que não ia mais "admitir interferência" em seu governo e que chegou "ao limite". Ele disse também ter o apoio das Forças Armadas, sem detalhar a que se referia.

Nos últimos dias, o presidente não escondeu a irritação com o Supremo depois de Moraes barrar a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal (PF).

O episódio faz parte da crise que teve início com o pedido a demissão de Moro, que acusou Bolsonaro de tentar interferir na autonomia da PF.

Ontem, ministros do Supremo evitaram comentar os novos atos com críticas a instituições. Na avaliação de um deles, as manifestações de ontem devem ser investigadas pela Corte.

Outro magistrado interpretou a fala de Bolsonaro como uma estratégia para desviar o foco do conteúdo do depoimento dado por Moro no sábado, quando o ex-ministro reiterou suas acusações contra o presidente.

Ontem, Bolsonaro afirmou aos manifestantes que não vai mais "admitir interferência" em seus atos no governo. E disse que "acabou a paciência". "Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três Poderes, e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência."

O presidente também afirmou ter apoio das Forças Armadas, sem entrar em detalhes. "Como tenho dito, o Poder Executivo está unido. Um só propósito: tirar o Brasil de onde se encontra. Vocês sabem que o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado. Deus acima de tudo. Quanto aos algozes, peço a Deus que não tenhamos problema esta semana, porque chegamos no limite. Não tem mais conversa. Daqui para frente, não só exigiremos. Faremos cumprir a Constituição. Será cumprida a qualquer preço. E ela tem dupla mão. Não é só de uma mão, não."

O presidente voltou a criticar o isolamento social, disse que as pessoas "querem trabalhar" e chamou os governadores de "irresponsáveis". "[É uma] Manifestação espontânea, pela liberdade, pela governabilidade, pela democracia. Isso nunca aconteceu em governo nenhum. Muitos querem voltar ao trabalho. Essa destruição de empregos irresponsável por parte de alguns governadores é inadmissível", afirmou Bolsonaro.

O presidente estava com a filha Laura, ambos sem máscara, cercado de crianças e aliados, como o filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Ele chegou a segurar no colo um menino que saiu de um grupo de apoiadores em frente ao Planalto.

Enquanto o presidente esteve na rampa, jornalistas foram ameaçados por manifestantes. Um fotógrafo do jornal "Estado de S. Paulo" chegou a ser agredido com chutes e socos.

Após as agressões, autoridades saíram em defesa do trabalho da imprensa. "As agressões contra jornalistas devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à democracia e ao estado de direito, não podendo ser toleradas pelas Instituições e pela sociedade", disse Alexandre de Moraes.

O vice-presidente do STF, Luiz Fux, também se manifestou. "A dignidade humana se caracteriza pela autodeterminação, pela liberdade de escolhas e de expressão. A dignidade da imprensa se exterioriza pela sua liberdade crítica, de investigação e de denúncia de atitudes anti-republicanas. Num país onde se admite agressões morais e físicas contra a imprensa, a democracia corre graves riscos", disse.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), repudiou o episódio. "Ontem [anteontem] enfermeiras ameaçadas. Hoje [ontem] jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde política com tocar o terror", disse o deputado, que pediu agilidade na atuação do Judiciário. "No Brasil, infelizmente, lutamos contra o coronavírus e o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade", disse.

Pelo Twitter, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) afirmou que "milicianos ideológicos agridem covardemente profissionais de saúde em um dia e profissionais da imprensa em outro. São criminosos que atacam a democracia e ferem o Estado de direito".

*De O Globo