Correio braziliense, n. 20811 , 15/05/2020. Política, p.5

 

"Vou interferir. Ponto final"

Sarah Teófilo

Renato Souza

15/05/2020

 

 

PODER » Trecho da reunião ministerial mostra Bolsonaro irritado com a qualidade das informações que recebe e por não fazer as intervenções que lhe interessavam na PF  

Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro proferiu claramente a palavra “interferir” ao fazer referência à Polícia Federal, à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a outras entidades do setor de investigação. No encontro, disse ainda que não esperaria “alguém f…” a família dele para “trocar o pessoal da segurança” no Rio de Janeiro. Os trechos constam de uma petição enviada pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.

Ao remeter um pedido para que apenas as partes do vídeo relativas à fala do presidente sejam divulgadas, a AGU liberou parte do conteúdo gravado na reunião em que estavam todos os ministros, incluindo Moro. O governo pediu que o documento com as transcrições fosse mantido em sigilo até a decisão. Mas Celso de Mello, relator do inquérito, manteve o caso público e divulgou o documento.

Em um dos trechos do vídeo transcrito pela AGU, o presidente reclama de não ter informações da PF, da Abin e de outros órgãos de inteligência. É quando fala em interferir.

“Eu não posso ser surpreendido por notícias, pô! Eu tenho a PF, que não me dá informações; tenho as inteligências das Forças Armadas, que não têm informações; a Abin tem seus problemas, mas tem algumas informações...”, cobrou o presidente. E criticou os dados recebidos. “Me desculpe o serviço de informação nosso –– todos! É uma vergonha, uma vergonha. Eu não sou informado e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça. Não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”, decretou, apesar de, em vários momentos, dizer que não citara a PF na reunião.

Em um segundo momento, Bolsonaro fala sobre família e amigos no Rio, e sugere trocas em órgãos federais de segurança no Estado. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. Isso acabou! Eu não vou esperar f... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, ordenou, segundo a transcrição.

Isonomia

O advogado de Moro, Rodrigo Sanchéz Rios, destacou em nota que a transcrição parcial do vídeo da reunião busca “reforça a necessidade urgente de liberação do vídeo na íntegra”. Ele salientou que a transcrição omite trechos e contextos relevantes “para a adequada compreensão do que ocorreu na reunião”, “inclusive, na parte da ‘segurança do RJ’” –– ressaltou.

O advogado observou, ainda, que Moro e seus advogados foram surpreendidos com a petição da AGU, pelo fato de a transcrição parcial revelar uma “disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sergio Moro não tem”.

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Deputada dizia falar pelo presidente

Renato Souza

Sarah Teófilo

15/05/2020

 

 

Novos trechos do diálogo entre a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e Sergio Moro, divulgados ontem, explicitam o temor da parlamentar para a possível saída dele do Ministério da Justiça. Num dos trechos, ela deixa claro que se o ex-juiz deixasse o governo, Jair Bolsonaro também cairia. O diálogo está registrado no inquérito aberto pelo Supremo Tribuinal Federal para investigar acusações de que o presidente tentou interferir na Polícia Federal.

Nos diálogos, ela afirma estar repassando pedidos do Palácio do Planalto. No dia da demissão, por exemplo, ela foi ao Ministério da Justiça tentar convencer o ex-juiz a ficar, como divulgado pelo Correio no dia. “Deixa só eu falar com você. (...) Deixa eu só entrar 5 minutos. O Planalto que pediu, mas estou vindo não como parlamentar, mas como sua admiradora”, clama a parlamentar.

Em seguida, ela pede para que o ex-ministro a ouça “só um pouco”. “Tudo que os criminosos querem é a sua saída. Não dê esse gostinho a eles, por favor. O Brasil precisa de você”, exorta. Moro responde: “Se o PR (presidente) anular o decreto de exoneração, ok”, cobra, referindo-se à demissão do ex-diretor da PF Maurício Valeixo. Ela diz: “vou tentar falar com ele”.

No diálogo, trocado em 23 de abril, um dia antes da demissão de Moro, Carla tentava negociar com ele uma vaga no STF para que continuasse no governo até novembro, quando o ministro Celso de Mello se aposenta e deixa aberta a vaga na Corte. “O senhor é muito maior que um cargo. O Brasil depende do senhor estar no MJ. Bolsonaro vai cair se o senhor sair”, enfatiza a deputada.

Na live que fez ontem à noite, Bolsonaro deu pouca importância às mensagens da deputada. “Vamos supor que eu tivesse exonerado a exoneração do sr. Valeixo. Ele, Sérgio Moro dá a entender que cancelaria a coletiva dele, voltaria ao seu trabalho normal e não se falaria mais em interferência. Isso daqui mata de vez a história de interferir na Polícia Federal. Ponto final. Pá de cal nesse negócio aí”, disse.

Ele também minimizou eventuais impactos políticos que causaria a divulgação do vídeo da reunião ministerial. Disse que quem espera um “xeque-mate” contra seu governo vai “cair do cavalo”, e reafirmou que não citou durante a reunião as expressões “Polícia Federal” nem “superintendência”. 

Frase

“O senhor é muito maior que um cargo. O Brasil depende do senhor estar no MJ. Bolsonaro vai cair se o senhor sair”

Trecho de mensagem trocada pela deputada Carla Zambelli com Sergio Moro

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Aras contra a íntegra

Thays Martins

Jorge Vasconcellos

15/05/2020

 

 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, requereu ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o vídeo da reunião ministerial não seja tornado público em sua integralidade. O material faz parte do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir em investigações da Polícia Federal.

O requerimento pede que todo o conteúdo da reunião, que não diz respeito ao inquérito, seja mantido em sigilo. A justificativa é de que a reunião era um evento fechado e que se tratava do Plano Pró-Brasil, programa de recuperação econômica pós-coronavírus –– ou seja, uma questão de Estado. “Cuida-se, indubitavelmente, de tema alheio ao escopo da investigação. A maior parte do vídeo foi dedicada à exposição desse programa e à fala de autoridades”, explica.

O requerimento ainda diz que não é necessária a degravação integral da reunião porque existem outros meios para conseguir as informações necessárias do vídeo.

Aras também avalia a necessidade da tomada de novos depoimentos. Essa nova rodada deve preceder a intimação para que o presidente seja ouvido na investigação. A informação foi apurada pelo Correio junto a fontes da PGR. Na avaliação de Aras, os elementos contidos até o momento ainda não foram suficientes para ele formar opinião sobre indícios do cometimento de crimes por Bolsonaro e Moro.

Ontem, a AGU se manifestou sobre a consulta de Celso de Mello sobre a possibilidade de levantar o sigilo do vídeo. Na manifestação, pediu que sejam divulgadas publicamente apenas as declarações feitas pelo presidente no encontro, com exceção da parte em que ele faz considerações sobre outros países. Na mesma petição, reitera as afirmações de Bolsonaro de que, durante a reunião, ele não citou as palavras “superintendente”, “diretor-geral” ou “Polícia Federal”. A defesa de Moro se manifestou favoravelmente à divulgação da íntegra da gravação.