Correio braziliense, n. 20811 , 15/05/2020. Política, p.4

 

Blindagem a agentes públicos

Luiz Calcagno

Alessandra Azevedo

15/05/2020

 

 

Governo edita MP isentando de punição servidores que cometerem erros no combate ao vírus. Texto é bastante criticado e alvo de ações no STF

A Medida Provisória 966 — isentando de responsabilidade agentes públicos que cometerem erros durante o combate à pandemia da covid-19 ou no enfrentamento de seus efeitos na economia — provocou uma enxurrada de críticas. O texto, publicado no Diário Oficial da União, determina que servidores só serão responsabilizados “se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”.

A MP é apontada por parlamentares como uma forma de o presidente Jair Bolsonaro — um agente público — tentar se isentar de erros cometidos durante a pandemia. No Senado, o líder da minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e a bancada do Cidadania pediram ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolva o texto ao governo. A Rede ainda recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de decisão cautelar pela suspensão dos efeitos da MP. “O presidente, por um lado, nega a gravidade da pandemia. Por outro, utiliza de mecanismos e do poder da caneta do presidente da República para proteger seus apaniguados”, criticou o senador.

No ofício enviado a Alcolumbre, os parlamentares argumentaram que a Constituição não permite o tipo de isenção proposta pelo governo. “A MP traz mais um obstáculo para a responsabilização do agente público”, alegou Randolfe. O senador lembrou que servidores já foram exonerados e até presos por fraudes na compra de respiradores e na construção de hospitais de campanha. Com a medida, o governo permite “que danos ao Erário não sejam devidamente ressarcidos”.

Vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Ismar Viana destacou, em um artigo, que a MP de Bolsonaro é “prescindível”. “Mesmo em se tratando de uma medida provisória voltada ao disciplinamento da responsabilização de agentes públicos por comportamentos relacionados exclusivamente ao período de emergência em saúde pública de importância internacional, a conclusão pela desnecessidade decorre da existência de parâmetros constitucionais e legais suficientes para limitar eventual afã responsabilizador de agentes controladores”, argumentou.

Em vídeo, o presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate) e da Associação da Auditores da Controladoria-Geral da União (Unacon), Rudinei Marques, afirmou que a medida tem “erros grosseiros”. Ele frisou que “as normas não poderiam ser editadas de forma autoritária por uma MP”, e que, alegando incompletude de informações e incertezas diversas, os gestores “podem praticar os maiores desatinos”.

“Anistia”

Integrantes do STF que pediram para não serem identificados avaliaram, no entanto, que a medida gera uma espécie de “lei de anistia” e cria uma “blindagem” para servidores públicos. Um ministro aponta que a regra viola a Constituição, pois fere a previsão de responsabilidade por atos que causem prejuízos à administração pública ou a particulares.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entrou, ontem, com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a medida. “Uma MP com este teor dá a nítida impressão de ser uma tentativa de conseguir um ‘excludente de ilicitude’ para (o presidente) manter um comportamento irresponsável e nocivo à coletividade, concedendo-se uma autoanistia”, disse nota assinada por Paulo Jeronimo de Sousa, presidente da entidade.

Questionado, ontem, sobre a MP, Bolsonaro atribuiu a um pedido do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Foi um pedido, se não me engano, do Roberto Campos. Sempre tem críticas. Tudo o que faz tem crítica. O Parlamento vai poder, agora, aperfeiçoar o que, porventura, não está de acordo com o entendimento deles”, afirmou em frente ao Palácio da Alvorada. (Com Agência Estado e colaboração de Vera Batista)

Frase

“Uma MP com este teor dá a nítida impressão de ser uma tentativa de conseguir um ‘excludente de ilicitude’ para (o presidente) manter um comportamento irresponsável e nocivo à coletividade, concedendo-se uma autoanistia”

Trecho de nota da ABI

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Aceno de trégua com Maia

Augusto Fernandes

15/05/2020

 

 

Horas após uma videoconferência com empresários da indústria em que fez duras críticas ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tendo dito que o deputado “parece que quer afundar a economia para ferrar o governo”, o presidente Jair Bolsonaro recebeu o parlamentar no Planalto. Após a reunião, o chefe do Executivo suavizou o discurso. “Voltamos a namorar. Está tudo bem com Rodrigo Maia”, frisou.

O encontro, de acordo com o presidente da Câmara, ocorreu após os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, terem feito o convite para ele conhecer o novo gabinete de crise do governo federal. Durante a visita, Bolsonaro propôs se encontrar com ele.

Segundo Maia, a reunião com o presidente serviu “para manter o diálogo e não foi para nos dividir”. Ele ainda afirmou que o objetivo da conversa foi “sentar à mesa e discutir caminhos” para enfrentar a crise do novo coronavírus, além de “tentar construir pontes” entre o Executivo e o Legislativo. O deputado não rebateu a acusação de Bolsonaro de que ele quer “ferrar o governo para, talvez, tirar um proveito político lá na frente”. “O que eu disse a ele é que nós deveríamos encontrar os pontos que nos unem”, afirmou Maia, em coletiva à imprensa. “Acho que o diálogo e a busca de caminhos em conjunto geram maior esperança aos brasileiros neste momento. Conflitos, brigas geram insegurança. Nós podemos ter essa convergência para salvar vidas, salvar empregos.”

Maia defendeu a escolha do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) para relator da MP 936, que flexibiliza contratos de trabalho. O nome do parlamentar foi criticado por Bolsonaro. “Todas as matérias que ele relatou na Câmara, na minha presidência, foram aprovadas por unanimidade. Pode ter certeza de que é um grande relator e vai fazer um grande trabalho na MP 936”, assegurou.

Os deputados devem mudar o texto para incluir “demandas da sociedade”, mas as alterações não devem gerar grande impacto orçamentário, segundo o presidente da Casa. “Acho que escopo principal estará 100% garantido, e alguns acréscimos, que não podem gerar nenhum grande aumento de despesa. Eu acho que essa deve ser nossa preocupação”, destacou.