Correio braziliense, n. 20810 , 14/05/2020. Política, p.3

 

Bolsonaro: "Ramos se equivocou"

Sarah Teófilo

Jorge Vasconcellos

Renato Souza

14/05/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Presidente afirma que ministro da Secretaria de Governo cometeu um erro ao confirmar, durante depoimento, ter havido menção à Polícia Federal em reunião ministerial. General Heleno também diz que corporação foi citada

Os ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, confirmaram, em depoimento à Polícia Federal, na terça-feira, que o presidente Jair Bolsonaro citou a corporação na reunião ministerial de 22 de abril. O vídeo do encontro foi apontado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como prova de que o chefe do Executivo o ameaçou de demissão caso não fosse trocado o superintendente da PF no Rio de Janeiro. Nos depoimentos, os ministros contradizem o presidente, que afirmou não ter citado nominalmente a instituição durante a reunião.

Na terça-feira, no mesmo dia do depoimento de Ramos e de Heleno, Bolsonaro assegurou que não havia dito as palavras “Polícia Federal” nem “superintendência”. Porém, no depoimento, Heleno afirmou: “Na ocasião, o presidente cobrou de forma generalizada todos os ministros na área de inteligência, tendo também reclamado da escassez de informações de inteligência que lhe eram repassadas para subsidiar suas decisões, fazendo citações específicas sobre sua segurança pessoal, sobre a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), sobre a Polícia Federal e sobre o Ministério da Defesa; que as citações foram feitas na forma de cobranças duras dirigidas aos ministros na ocasião”.

Ramos, por sua vez, relatou: “Que nessa reunião, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou de maneira contundente sobre a qualidade dos relatórios de inteligência produzidos pela Abin, Forças Armadas, Polícia Federal, entre outros, e acrescentou que para melhorar a qualidade dos relatórios, na condição de presidente da República, ia interferir em todos os Ministérios para obter melhores resultados de cada ministro”.

Ramos afirmou que, por duas vezes, ouviu o presidente reclamar da necessidade de ter mais dados de inteligência para a tomada de decisões e que na reunião do dia 22 o presidente “nominou os órgãos da Abin, Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Militar dos estados”.

Ontem, ao ser questionado sobre o assunto, Bolsonaro rebateu: “O Ramos se equivocou. Como é reunião, tem o vídeo. Se ele falou isso, se equivocou”, resumiu.

Ainda em depoimento, quando questionado sobre o que significa a palavra “interferir”, citada por ele, Ramos disse entender como “ajudar ou corrigir rumos para obter melhores resultados”.

Troca

Ramos disse, ainda, que se recorda de ter ouvido pela primeira vez do presidente a intenção de trocar o diretor da PF, na época Maurício Valeixo, em novembro ou dezembro do ano passado, em uma reunião ministerial. O ministro afirmou que, na ocasião, não foi expressado o motivo para mudança.

O ministro da Secretaria de Governo também disse ter ouvido do presidente o nome de Alexandre Ramagem, diretor da Abin, pela primeira vez, na primeira quinzena de abril. Bolsonaro tentou nomeá-lo ao cargo da PF, mas foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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Investigação contra Flávio

Sarah Teófilo

Renato Souza

14/05/2020

 

 

O ex-superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro e atual diretor-executivo da instituição, Carlos Henrique Oliveira de Sousa, disse em depoimento, ontem, ter conhecimento de uma investigação no âmbito eleitoral na corporação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). “Perguntado se tem conhecimento de investigações sobre familiares do presidente nos anos de 2019 e 2020 na SR/PF/RJ, disse que tem conhecimento de uma investigação no âmbito eleitoral cujo inquérito já foi relatado, não tendo havido indiciamento”, diz um trecho do depoimento dele à PF.

A informação contradiz declaração do presidente Jair Bolsonaro, na terça-feira. “A Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família”, disse. O inquérito aberto contra Flávio Bolsonaro por lavagem de dinheiro ocorreu com base nas declarações de bens dele nas eleições de 2014, 2016 e 2018. Houve um pedido de arquivamento por parte da PF em março, segundo reportagem de O Globo, mas sem que houvesse um pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário das pessoas investigadas.

O depoimento de Oliveira faz parte do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga suposta tentativa de interferência política de Bolsonaro na PF. Ao pedir demissão do Ministério da Justiça, Sergio Moro afirmou que o chefe do Executivo queria trocar o comando da Superintendência do Rio, sem dar motivos para a mudança.

Oliveira afirmou que ele mesmo indicou o seu sucessor na superintendência da PF, Tácio Muzzi. A nomeação de Muzzi ainda não foi publicada no Diário Oficial da União, mas ele já foi escolhido para ocupar o cargo.

Também ontem, depôs o delegado Alexandre da Silva Saraiva, ex-superintendente da PF na Amazônia. Ele disse ter recebido, em agosto de 2019, uma ligação do chefe da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, perguntando se ele aceitaria assumir a Superintendência da PF no Rio e que disse que “sim”. “Que não se recorda qual cargo o Dr. Ramagem ocupava à época desse telefonema, porém recorda-se de ele ter afirmado que o presidente da República, Jair Bolsonaro, tinha alguns nomes para sugerir ao ex-ministro Sergio Moro para ocupar a função”, diz .

Durante a oitiva, Saraiva colocou em dúvida os dados de produtividade da Superintendência do Rio. Ele relatou, também, que chegou a ser questionado por Moro sobre eventual ida para a unidade da PF no Rio. “Que algum tempo após o telefonema, ora relatado, teve um encontro com o então ministro Sergio Moro, no aeroporto de Manaus, oportunidade em que o depoente foi inquirido pelo ministro nos seguintes termos: ‘Saraiva, que história é essa de você no Rio de Janeiro’,  ao que o depoente respondeu ter recebido a ligação acima relatada do Dr Ramagem.”