Correio braziliense, n. 20809 , 13/05/2020. Política, p.4

 

Troca na corporação para proteger filhos

Vicente Nunes

Sarah Teófilo

13/05/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Fontes que assistiram ao vídeo da reunião ministerial, citada por Moro contra Bolsonaro, dizem ter ficado claro que presidente queria mudar chefia da Superintendência no Rio de Janeiro para preservar família. Na avaliação delas, gravação é impactante

Pessoas que tiveram acesso ao vídeo exibido, ontem, na Polícia Federal, dentro do processo que investiga denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro, afirmam que o que foi dito na reunião ministerial de 22 de abril é impactante para o chefe do Executivo. Ficou claro que a grande preocupação dele, ao mudar a chefia da Superintendência da corporação no Rio de Janeiro é proteger os filhos. Ele também estava apreensivo com as repercussões de investigações sobre aliados.

“Todos que assistiram ao vídeo ficaram atônitos. Explicitou-se o que, até então, eram suposições: o presidente Jair Bolsonaro só está preocupado em livrar seus filhos do cerco da PF. Por isso, ele quer tanto ter o controle do órgão e acesso às investigações”, contou um dos presentes. Em uma das partes do vídeo, Bolsonaro diz: “Querem f. minha família”. A corporação está próxima de pegar Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), os filhos 02 e 03 do presidente, por disseminação de fake news com o intuito de destruir reputações e defender a volta da ditadura.

A avaliação de duas pessoas que participaram da exibição do vídeo, no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, em Brasília, é de que a situação é muito ruim para o governo. “Como Bolsonaro vai rebater o que disse e está gravado? Vai dizer que fizeram montagem?”, indagou uma das fontes.

O vídeo foi exibido por determinação do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Assistiram à gravação, além de Moro, integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e procuradores e investigadores que acompanham o caso. Advogado do ex-juiz, Rodrigo Sánchez Rios ressaltou que o material confirma todas as denúncias feitas pelo cliente.

Ao deixar o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro afirmou que Bolsonaro queria interferir no comando e nas ações da PF. Logo depois, o presidente da República tentou desqualificar as declarações do ex-juiz. Com o vídeo da reunião em que o chefe do Executivo disse que demitiria o ex-magistrado se ele não mudasse a chefia da PF, o clima no Palácio do Planalto é de alerta máximo. Tudo indica que será liberada a parte da gravação que envolve Moro.

“Segurança”

Bolsonaro disse, ontem, que não mencionou a PF na reunião. “Não existe no vídeo todo as palavras Polícia Federal nem superintendência”, frisou. Ele afirmou que falou sobre preocupação relativa a sua segurança. “Não tem nada demais. Estou tranquilíssimo.”

Questionado se havia comentado algo relacionado aos filhos, respondeu que após ter sido esfaqueado durante a campanha eleitoral de 2018 esteve preocupado com a segurança da família. Segundo ele, no entanto, quem cuida da segurança dele e da família é o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).  “Em Juiz de Fora, o Adélio (Bispo) cercou o meu filho no vídeo. Talvez quisesse assassiná-lo ali. A segurança da família é uma coisa. Não estou e nunca estive preocupado com a Polícia Federal. A Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família, isso não existe no vídeo”, reforçou. “O vídeo é meu. Não é oficial, mas é meu. Eu poderia não entregar o vídeo.”

Ele disse ter entregado a gravação para impedir especulações sobre o conteúdo. “Para evitar falarem que eu sumi com o vídeo porque ele era comprometedor”, afirmou.

Cadeia

O vídeo da reunião também registra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, dizendo “que todos tinham que ir para a cadeia, começando pelos ministros do STF”, e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, defendendo a prisão de governadores e prefeitos.

Por meio da assessoria, a ministra Damares Alves disse que pediu “a punição de prefeitos e governadores no contexto de desvios de insumos durante a pandemia e violação de direitos, citando como exemplo atos truculentos contra idosos que não respeitarem as regras de isolamento e distanciamento social”. Já a assessoria do Ministério da Educação informou que Weintraub não vai se manifestar.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Ministros mantêm versão do chefe

13/05/2020

 

 

O ministro Walter Braga Netto (Casa Civil) afirmou à PF, em depoimento prestado ontem, no Planalto, que não ouviu o presidente Jair Bolsonaro mencionar a possível troca de superintendente da corporação no Rio de Janeiro, durante reunião ministerial em 22 de abril.

“Na reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020, quando apresentado o Pró-Brasil, o presidente Jair Bolsonaro não chegou a se expressar sobre a substituição do superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, reservando-se a expressar a sua inquietude, como já dito, sobre os dados de inteligência do Sisbin, mais precisamente, dos dados que deveriam ser fornecidos pela Defesa Nacional e pela Abin”, aponta o depoimento.

“Com relação ao conselho de ministros, quando o presidente revelou sua intenção de ‘trocar a segurança do Rio de Janeiro’, (Braga Netto) entende que se tratava de segurança pessoal do presidente, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), não tendo referência à Polícia Federal”, relata o depoimento.

Ao ser questionado especificamente sobre eventuais investigações da PF do Rio que incomodavam o presidente, Braga Netto afirmou que se recorda apenas que Bolsonaro “se queixava” de não terem sido esclarecidos por completo os fatos relacionados ao porteiro do condomínio Vivendas da Barra. O porteiro implicou Bolsonaro no caso Marielle Franco ao dizer que o presidente teria permitido a entrada de Ronnie Lessa, preso por suspeita de matar a parlamentar. Ele se retratou depois.

Também foram ouvidos, ontem, os ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ao se referir à reunião ministerial, Heleno disse que Bolsonaro reclamou da escassez de informações de inteligência para subsidiar suas decisões, “fazendo citações específicas sobre sua segurança pessoal, sobre a Abin, sobre a PF e sobre o Ministério da Defesa”. Também de acordo com o general, os relatórios desejados pelo presidente “não envolviam matéria de polícia judiciária”.

Depoimentos

Veja quem são os próximos das oitivas

Hoje

15h — Ed. sede da PF

Carlos Henrique de Oliveira Souza, delegado da PF

Alexandre da Silva Saraiva, delegado da PF

Carla Zambelli, deputada

Amanhã

15h — local a ser definido

Rodrigo de Melo Teixeira, delegado da PF

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Ramagem nega "intimidade"

13/05/2020

 

 

O diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, afirmou que sabe do “apreço e respeito’ que tem com a família Bolsonaro, mas negou “intimidade pessoal” com os filhos do presidente.

O depoimento de Ramagem foi colhido pela PF no âmbito do inquérito que apura suposta tentativa de interferência política de Bolsonaro no comando da corporação. O nome do diretor da Abin foi indicado pelo presidente para o cargo, mas a nomeação acabou suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, o número dois de Ramagem, Rolando Alexandre de Souza, assumiu a chefia da PF.

Logo no começo da oitiva, Ramagem afirmou que frequentou a casa de Bolsonaro “apenas para fins profissionais”. Ao mencionar a foto em que aparece ao lado do vereado Carlos Bolsonaro, filho do presidente, numa festa de réveillon, disse que se tratou de uma confraternização dos agentes responsáveis pela segurança do então presidente eleito na véspera da posse. Segundo Ramagem, Carlos Bolsonaro apareceu apenas para “saudar os policiais pelo trabalho executado, pois, no dia seguinte, se encerraria a segurança provida pela Polícia Federal com a transmissão do trabalho para o Gabinete de Segurança Institucional”.

Ao ser questionado sobre quais as razões para Bolsonaro tê-lo indicado para a direção da PF, Ramagem disse acreditar que seja por seu “histórico funcional na PF”. Ele afirmou também que o então ministro da Justiça, Sergio Moro, teria tentado desqualificá-lo para o cargo pelo fato de ele não integrar o “núcleo restrito de delegados” próximos ao ex-juiz.

Em relação à indicação de Rolando de Souza, seu número dois na Abin, para a direção da PF, informou que foi consultado por Bolsonaro e pelo ministro da Justiça, André Mendonça, mas que não teve influência na troca de comando da PF do Rio.