Valor econômico, v.21, n.4995, 07/05/2020. Política, p. A6

 

Ajuda a estados passa com concessão a servidores

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

Fabio Graner

07/05/2020

 

 

O Senado reverteu ontem a mudança feita pelos deputados na distribuição dos R$ 60 bilhões que serão destinados a Estados e municípios para ajudar no combate à covid-19 e compensar parte da queda de arrecadação de ICMS e ISS. A volta ao texto aprovado pelos senadores favorece os Estados do Norte e Nordeste, em especial do Amapá, do relator e presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM).

A Casa manteve parcialmente a polêmica permissão de reajustes salariais para os servidores públicos federais, estaduais e municipais até dezembro de 2021. O embate, iniciado com as mudanças na Câmara, gerou novo desgaste na relação do parlamento com o ministro da Economia, Paulo Guedes, reacendendo problemas na relação da Economia com o Planalto.

O líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), orientou a favor da maioria das exceções criadas, que incluíram, por exemplo, os policiais legislativos (que fazem a segurança do Congresso). Diante das críticas pela desidratação das contrapartidas, Hugo primeiro disse ter aval de Guedes. Mas com as fortes reclamações da equipe econômica nos bastidores, ele subiu à tribuna e retificou sua informação, dizendo que falou antes com o presidente Jair Bolsonaro e recebeu o aval. “A exclusão foi uma determinação do presidente, cumprida pelo líder do governo na Câmara, uma vez que sou líder do governo e não o líder de qualquer ministério”, disse.

Com isso, Hugo abriu um novo capítulo de atrito entre a área econômica e o Planalto, pouco mais de uma semana depois de Bolsonaro ter dito que quem mandava na economia era Guedes.

A flexibilização definida pela Câmara terá impacto nas contas públicas, segundo o Ministério da Economia. A proposta inicial, de suspender todos os aumentos, gerava um controle de gastos do funcionalismo de R$ 130 bilhões, na União, Estados e municípios. O texto aprovado pelos senadores no sábado reduziu para R$ 93 bilhões, com a criação de exceções como policiais e Forças Armadas. E as mudanças dos deputados - a maior parte, apoiada pela base aliada - derrubaram para R$ 43 bilhões.

Para um integrante da equipe econômica, as mudanças não foram razoáveis e permitirão que o dinheiro seja “desviado” para conceder aumentos ao funcionalismo público. “Se você controla aumento de funcionalismo, governadores e prefeitos ficariam com margem maior para investir na pandemia. Isso é socialmente injustificável, inaceitável”, disse.

Ainda não havia sido divulgada projeção para a última versão, aprovada ontem e enviada à sanção. Inicialmente, Alcolumbre tentou excluir os professores, tido como maior impacto nos entes federativos, mas vários partidos apresentaram emendas e ele recuou, reclamando da pressão dos servidores. “A proposta era reduzir em 25% o salário dos servidores públicos por três anos. Não fizemos isso. E eu tenho que ouvir algumas injustiças, de que estou prejudicando servidor”, queixou-se.

Por fim, a única exceção aprovada pela Câmara e excluída pelos senadores foram os policiais legislativos. Contudo, o Senado retomou o trecho que impunha uma trava e permitirá reajustes para aqueles “diretamente envolvidos no combate à covid-19”.

Esse aspecto também era considerado importante pela equipe econômica, pois pode ajudar a conter o efeito fiscal negativo das mudanças. O texto pode tornar inócua a permissão para reajuste dos professores, já que não estão no enfrentamento à covid-19. Já alguns técnicos disseram que, como o texto está vago, todos os profissionais enquadrados nas exceções poderão ter aumento.

Entre as categorias excepcionalizadas estão os policiais, Forças Armadas, agentes socioeducativos, profissionais de saúde, trabalhadores do setor de limpeza urbana e coveiros. Todas as demais carreiras do funcionalismo, sejam federais, estaduais ou municipais, ficarão proibidas de receber reajustes até o fim de 2021.

Liderados por Alcolumbre, os senadores também divergiram do modelo de distribuição dos recursos aprovado pela Câmara e que foi um dos principais embates entre os deputados e o governo. Na opinião dos deputados, Guedes trabalhava, a mando de Bolsonaro, para reduzir os repasses para os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e de São Paulo, João Doria (PSDB), que sonham em concorrer ao Planalto.

A Câmara primeiro aprovou que a distribuição levaria em conta a perda de arrecadação de ICMS e ISS dos Estados e municípios em relação ao ano de 2019. O custo, caso a queda nas receitas fosse de 30%, chegaria a R$ 87 bilhões em seis meses, mas poderia ser maior.

Alcolumbre negociou com o Ministério da Economia e estabeleceu um valor fixo para os repasses, de R$ 60 bilhões, que serão distribuídos por um mix de indicadores, mas que, ao fim, favoreceram mais os Estados menos desenvolvidos. Para os mais ricos, o maior benefício foi a suspensão de dívidas até o fim do ano.

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Alcolumbre torna-se o interlocutor de Guedes

Andrea Jubé

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

Fabio Murakawa

07/05/2020

 

 

Em meio às desavenças do Palácio do Planalto com Rodrigo Maia (DEM-RJ), o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), despontou como interlocutor preferencial do governo com o Congresso, e como relator do projeto de socorro aos Estados, ainda estreitou os laços com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

A desenvoltura de Alcolumbre gerou apreensão entre os militares devido ao projeto que reduziu a faixa de fronteira que depende do aval do Conselho de Defesa Nacional para assentamentos no Amapá, sua base eleitoral, e Roraima.

O governo ensaiou tentar retirar esse trecho da proposta, mas recuou para evitar atrito com o Presidente do Senado. Agora o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) estuda pedir o veto a dispositivos do projeto.

No papel de relator da proposta de ajuda aos Estados, Alcolumbre centralizou as negociações com Guedes, com o Planalto e os governadores. Uma estratégia para tentar se cacifar junto ao governo à reeleição ao comando do Senado. Para isso, será preciso redobrar o seu capital político para aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) permitindo a recondução ao comando da Casa no meio da legislatura.

Em contraponto a Rodrigo Maia, que travou embates públicos com Guedes, a interlocução de Alcolumbre com o ministro da Economia foi pavimentada sem turbulências. Em setembro do ano passado, a nomeação de José Tostes para a Secretaria da Receita Federal - um amapaense que fez carreira no Pará - contou com o estratégico aval de Alcolumbre.

Um líder de bancada no Senado evoca a máxima de que em política não existe espaço vazio para explicar o movimento de Alcolumbre de aproximação do governo. No ano passado, o protagonismo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na reforma da Previdência ofuscou o papel de Alcolumbre, que depois disputou com o correligionário a condução das mudanças no sistema tributário.

Meses depois, enquanto Maia foi a público defender a democracia e o respeito às instituições, ampliando o desgaste com Bolsonaro, Alcolumbre no primeiro momento optou pelo silêncio. Somente ontem, na abertura da sessão remota do Senado, afirmou que não vai tolerar ataques às instituições ou à imprensa. “A agressão às instituições é agressão à democracia”, declarou.

No entanto, foi a primeira manifestação do Presidente do Senado após vários atos de apoiadores do presidente reivindicando o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Na última segunda-feira - um dia após os novos ataques ao Congresso, ao STF e aos jornalistas - Alcolumbre e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), reuniram-se com Bolsonaro.

Na terça-feira, Alcolumbre relatou aos líderes do Senado que naquela reunião, Bolsonaro teria lhe reafirmado o compromisso com a democracia e as instituições. Alcolumbre ainda advertiu os colegas que pretende manter a postura de conciliador. “Não esperem que eu vá apagar fogo com gasolina”, alertou.

O desafio de Alcolumbre é equilibrar os papéis de moderador e representante dos parlamentares. Ontem ele desfez acordo com Guedes em relação ao congelamento da maior parte dos salários dos servidores públicos até dezembro de 2021, como contrapartida ao repasse de recursos para Estados e municípios. Depois de apresentar um primeiro parecer com as vedações, cedeu ao apelo dos senadores e incluiu os professores da rede pública no rol das exceções. Aproveitando-se do momento favorável na relação com o Planalto, Alcolumbre liderou a aprovação do projeto que facilita a transferência de terras da União para Amapá e Roraima e dispensa o aval do Conselho de Segurança Nacional para o assentamento em parte das áreas de fronteira.

O projeto preocupa os militares, em especial o GSI, que teme risco à segurança nacional. Deixa Bolsonaro em saia-justa, porque o presidente se fia nas Forças Armadas, mas tem em Alcolumbre hoje seu principal aliado no Congresso.

Hoje assentamentos em áreas de até 150 km das fronteiras só podem ocorrer com aval do Conselho de Segurança Nacional, composto por vários ministros e comandado pelo presidente da República, mas o projeto diminui essa restrição para apenas 25 km nos casos do Amapá e de Roraima. As únicas exceções seriam aquisição de terras por estrangeiros ou para grandes latifúndios, com propriedades superiores a 15 km².

Os ministros do GSI, Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, devem recomendar a Bolsonaro o veto a esse ponto. Dentro do Palácio, há até acusações de que o Presidente do Senado usou a força do cargo para empurrar o projeto e votá-lo pelo plenário virtual, mesmo que esse tipo de votação fosse específico para casos urgentes.

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Concluída votação da PEC do Orçamento de guerra

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

07/05/2020

 

 

A Câmara concluiu ontem a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que segrega o Orçamento, também conhecida como PEC do Orçamento de guerra. O texto segue agora para promulgação, o que deve acontecer hoje em sessão do Congresso Nacional.

Ontem, os deputados federais rejeitaram três destaques em uma sessão de mais de seis horas de duração, a qual foi encerrada a pedido de lideranças partidárias. O texto base da proposta havia sido aprovado mais cedo por 477 deputados, enquanto apenas um deputado votou contra a PEC - Glauber Braga (Psol-RJ).

O projeto dá suporte às despesas do governo federal durante a calamidade pública decretada em decorrência da pandemia de covid-19, com a simplificação de contratações e permissão para descumprimento de regras fiscais. A PEC também concede poderes extraordinários para o Banco Central (BC) atuar na crise econômica neste momento.

Um acordo costurado entre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), determinou que, mesmo com mudanças feitas em relação ao texto aprovado no Senado, a PEC iria direto à promulgação, sem precisar de uma nova votação pelos senadores. De acordo com esse entendimento, por se tratarem de supressões na redação, o texto de consenso pode passar a vigorar imediatamente.

A Câmara ampliou os ativos que o Banco Central poderá comprar nos mercados secundários financeiros, de capitais e de pagamentos. O Senado permitiu essas operações durante a pandemia, mas restringiu a seis tipos de ativos. Os deputados excluíram do texto essa lista, o que, na prática, libera a compra de qualquer ativo, como debêntures conversíveis em ações (o que poderia tornar o Banco Central a ser sócio de empresas).

Também está liberada a compra e venda de títulos do Tesouro pelo BC, mas só no mercado secundário. Foi mantida a exigência de que o BC só possa comprar ativos com “rating” BB- ou superior, conferido por pelo menos uma das três maiores agências internacionais de classificação de risco, e com preço de referência publicado por entidade do mercado financeiro.

Com a proposta, será possível a injeção de recursos em empresas que estejam enfrentando dificuldades financeiras em função da crise do coronavírus, já que o Banco Central terá a autorização para comprar títulos das empresas e para emprestar os ativos a estas companhias sem precisar passar pelo crivo do sistema bancário.

De acordo com dados do BC, com a autorização, a instituição poderá comprar até R$ 972 bilhões em ativos de empresas.

Mesmo com o argumento de que o critério do rating prejudicaria pequenas empresas, parlamentares rejeitaram na segunda-feira emenda do partido Cidadania que pretendia retirar a exigência de classificação de risco.

Após a promulgação da PEC, os deputados retomam os trabalhos na sexta-feira para analisar destaques de projeto que facilita venda de imóveis da União e para votar proposta que trata da obrigatoriedade do uso de máscaras em função do coronavírus.

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Custo fiscal da MP 936 pode subir entre 48% e 71%

Fabio Graner

07/05/2020

 

 

O ministério da Economia encaminhou para a Câmara nota técnica com diversas simulações sobre mudanças na possibilidade de auxílio do governo para os trabalhadores que tiverem redução de salário e jornada.

O documento, obtido pelo Valor, aponta que a ideia de elevar o valor de referência, atualmente definido como o teto do seguro-desemprego (R$ 1,8 mil) para a concessão do benefício emergencial poderia tornar a MP 936 mais regressiva, beneficiando trabalhadores com maior renda.

Nas contas dos técnicos do Ministério, a elevação da referência atual, teto do seguro-desemprego, pode ampliar o custo fiscal da medida, de R$ 51,2 bilhões, entre 48% e 71%, a depender da nova referência.

A hipótese de elevar o auxílio está sendo considerada pelo relator da matéria, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Assim, se fosse adotado o teto de três salários mínimos como referência, o custo do programa iria para R$ 75,9 bilhões. O maior crescimento proporcional do custo fiscal seria em relação aos empregados de empresas de médio e grande porte.

A simulação com pior resultado fiscal foi a que considera o teto do INSS (R$ 6,1 mil): R$ 87,6 bilhões, 71% acima do custo original da medida.

"Um exercício com o patamar mais baixo dessas propostas prevê aumento de mais 70% no custo do programa para aqueles que ganham acima de 3 salários mínimos quando comparados com o custo que teriam nos termos da redação original da MP 936", diz a nota. "É pouco razoável gastar substancialmente mais com trabalhadores que já estão em situações mais protegidas pela própria empresa".

O documento, assinado pelo secretário-especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal, salienta que "a perda salarial é menor quanto menor a renda, atestando a progressividade da política".

Ele salienta que está relativamente garantida a proteção dos rendimentos e dos vínculos empregatícios de alguns trabalhadores, entre eles os que ganham abaixo de 3 salários mínimos, situação em que preserva-se de 100 a 70% do salário em qualquer modalidade de acordo.

Anteontem, a secretaria divulgou nota destacando que o benefício médio a ser pago para compensar as perdas salariais está em R$ 752,44 reais, acima inclusive do auxílio emergencial, de R$ 600, pagos a trabalhadores mais vulneráveis. Nesse sentido, a visão da área é que elevar o apoio na MP 936 será ainda mais regressivo.