O Estado de São Paulo, n.46207, 21/04/2020. Política, p.A4

 

Aras pede investigação sobre atos pró-ditadura

Rafael Moraes Moura

21/04/2020

 

 

Procurador-geral solicita ao STF inquérito para apurar ‘fatos delituosos’ na organização de protestos antidemocráticos de domingo; Bolsonaro, que discursou em um deles, não é alvo

Manifestantes. Grupos pediram intervenção militar, fechamento do Congresso e do Supremo e deposição de governadores

O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para investigar “fatos em tese delituosos” envolvendo a organização de protestos antidemocráticos realizados no domingo. O pedido não mira o presidente Jair Bolsonaro, que participou de uma manifestação, diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, marcada por faixas e palavras de ordem contra o Congresso e o STF – e a favor de uma intervenção militar.

Na ocasião, Bolsonaro pregou o fim da “patifaria”, atacou a “velha política” e disse que não quer “negociar nada”, o que provocou forte reação dos três Poderes.

Um integrante da cúpula da PGR ouvido reservadamente pela reportagem informou que o inquérito “não tem alvo” e, sim, se trata de uma “investigação para apurar autorias”. A postura de Aras, no entanto, gerou críticas de integrantes do Ministério Público Federal (MPF), que avaliam que o procurador ficou “em cima do muro” ao deixar de lado a participação de Bolsonaro, e focar apenas nos organizadores dos protestos em todo o País, entre eles deputados federais e empresários.

Para um subprocurador, Aras tratou a participação de Bolsonaro como se ela fosse irrelevante ou secundária, quando, na verdade, foi a presença do presidente que fez o protesto ganhar contornos ainda mais dramáticos, amplificando a repercussão negativa do ato. Um outro integrante do MPF define o pedido como um “jogo ensaiado”.

Aras foi indicado ao cargo por Bolsonaro. A exclusão do presidente da República do pedido de investigação levou o Cidadania a acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Bolsonaro seja incluído no inquérito. Segundo o partido, é essencial que a apuração também alcance o presidente para que fique “cabalmente esclarecida” a sua participação nos atos.

Ideologia. Ao encaminhar o pedido ao STF, Aras alegou que o “Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa”. “Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, afirmou o procurador-geral.

Uma das principais bandeiras dos manifestantes era a reedição de um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985), que revogou direitos fundamentais, instalou a censura nos meios de comunicação e delegou ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados.

O procurador pretende apurar se houve nos protestos violação à Lei de Segurança Nacional, que estabelece pena de até 15 anos para quem “tentar mudar, com emprego de violência

ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”. A legislação também prevê 4 anos de reclusão para quem caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou o do STF. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi um dos principais alvos do protesto.

Em nota divulgada na noite do último domingo, Aras reiterou o compromisso do Ministério Público brasileiro de velar “pela ordem jurídica que sustenta o regime democrático, nos termos da Constituição Federal”. O procurador reafirmou discurso proferido na última sexta-feira, em que afirmou que o MP “há de estar atento em defesa da nossa democracia para que se preservem as instituições do Estado brasileiro, pela força normativa da Constituição”.

Análise. O pedido de abertura de inquérito será analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, escolhido pelo sistema eletrônico do STF para ser o relator do caso. O ministro vai examinar os fundamentos apresentados por Aras e se há justificativa para deixar a investigação na Corte – como os indícios de envolvimento de parlamentares na organização dos atos, por exemplo. Deputados federais têm foro perante o STF.

Moraes é relator de outro processo que apura ataques contra instituições. O “inquérito das fake news” investiga ameaças, ofensas e falsas notícias contra integrantes do Supremo e familiares e já levou à realização de operação de busca e apreensão e à censura de reportagem publicada na revista digital Crusoé e no site O Antagonista que mencionava o presidente do STF, ministro Dias Toffoli.