Correio braziliense, n. 20807 , 11/05/2020. Cidades, p.14

 

Comunicação afetiva na pandemia

Roberta Pinheiro

11/05/2020

 

 

Como nomear aquele aperto no peito? Como entender as noites maldormidas? Como explicar o choro fora de hora? Como encaixar esse quebra-cabeça de emoções? Diante da desconhecida covid-19 e dos impactos e desdobramentos da doença que surgem a cada dia, identificar e lidar com os sentimentos tornaram-se demandas coletivas. A preocupação com a saúde mental está entre os principais reflexos da pandemia do novo coronavírus e a escuta dessas vozes se faz ainda mais relevante.

Criado há mais de 50 anos, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta um serviço, voluntário e gratuito, de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar sob total sigilo e anonimato. Ao todo, são 3 milhões de atendimentos por ano no Brasil.

Porta-voz nacional do centro e voluntária em Brasília há nove anos, Leila Herédia relata que o número de ligações, neste período de distanciamento social, não variou. “Mas as pessoas estão falando mais de temas ligados à pandemia, como a angústia, a solidão, o medo da morte, a preocupação com pessoas que queria estar perto, mas não se pode estar em contato, o fato de estar privado de determinadas atividades, a própria tensão que vive no dia a dia, a incerteza com o futuro”, detalha.

Na percepção de Leila, as conversas ficaram mais longas. “Minha impressão é de que as pessoas sentem mais vontade de falar”, pontua. Apesar de ser uma situação coletiva e um problema comum, que o mundo todo enfrenta, o foco do CVV está no sentimento individual. “Cada pessoa vai sentir de uma forma. Nosso foco é no que a pessoa está vivendo. Está sendo mais difícil, por que ela está sentindo medo? O CVV permite o desabafo para que a pessoa consiga lidar melhor com os sentimentos”, afirma.

A porta-voz destaca que os atendimentos do centro em momento algum substituem a terapia ou o acompanhamento médico. “Não existe nenhum tipo de aconselhamento. É uma espécie de pronto-socorro emocional. Não vamos substituir médico ou terapeuta, vamos agir no aqui e no agora”, esclarece. Ao falar e conversar, é possível reorientar as ideias e perceber, dentro de cada um, como enfrentar as situações. “À medida que a pessoa vai falando, ela busca recursos internos para passar por uma determinada situação, dá nome aos sentimentos, ajuda a esvaziar e a liberar aquele efeito de panela de pressão”, comenta Leila.

Angústia, insegurança, medo e solidão não são palavras ou emoções novas no vocabulário humano. Contudo, a partir do momento que a pessoa está passando por uma situação diferente e tendo que lidar com esses sentimentos, é tudo novidade. “Conversamos do momento atual, do que estamos vivendo. Cada dor é única”, afirma a voluntária.

Adaptação

Em todo o Brasil, o CVV atua com mais de 4 mil voluntários distribuídos em mais de 100 postos. Neste período de enfrentamento ao novo coronavírus, o serviço se organizou também para atender aos voluntários e viabilizar outras formas de atendimento, como o remoto, seguindo todas as orientações das autoridades internacionais. As palestras presenciais, bem como as capacitações, foram suspensas.

A equipe de voluntários do Distrito Federal promove reuniões semanais, agora mantidas de forma virtual, para manter um contato mais próximo e conseguir sustentar essa forma de cuidado coletivo.

Frase

"As pessoas estão falando mais de temas ligados à pandemia, como a angústia, a solidão, o medo da morte, a preocupação com pessoas que queria estar perto, mas não se pode estar em contato”

Leila Herédia, porta-voz nacional do CVV

Como ligar

Chamada gratuita, 24 horas, pelo número 188

Informações no site www.cvv.org.br