Correio braziliense, n. 20807 , 11/05/2020. Artigos, p.9

 

Regularização fundiária: avanço ambiental e social

Geraldo Melo Filho

11/05/2020

 

 

Desde que foi assinada, em dezembro do ano passado, a Medida Provisória nº 910, que altera a legislação sobre a regularização das áreas rurais da União (Lei nº 11.952/2009), tem sido alvo de críticas. A complexidade do tema, aliada ao fato de envolver interesses diversos, tem gerado falsas polêmicas. Informações imprecisas e distorcidas, quando não mentirosas, são divulgadas constantemente, dificultando o bom debate no Congresso, que deve votar o projeto agora em maio.

A questão ambiental tem sido usada pelos que são contrários à aprovação da MP. Os críticos alegam que as mudanças na lei incentivariam a grilagem e o desflorestamento de terras na Amazônia. Balela, a nova lei vai na direção contrária: pretende justamente inibir o crime de grilagem, que tem como sua primeira e principal ação o desmatamento ilegal.

A regularização é a forma mais eficaz de impedir o avanço dos desmatamentos. Antes de mais nada, os que reivindicam a titulação terão de aderir obrigatoriamente ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência inédita. Áreas onde se constate dano ambiental perderão o direito ao programa. Os que conseguirem a regularização das terras serão obrigados a cumprir, durante anos, cláusulas resolutivas que exigem o respeito ao Código Florestal.

Finalmente, as autoridades conhecerão a malha fundiária do país dispondo de um CPF para investigar e punir em caso de irregularidades. Essa foi uma demanda unânime apresentada pelos governadores da Amazônia Legal em agosto passado, quando eclodiram queimadas e incêndios criminosos na região.

A importância da regularização fundiária na preservação do meio ambiente é realidade que pode ser comprovada. Estudo realizado por técnicos do Incra em assentamentos no Pará em 2017 demonstrou que o desmatamento em áreas não tituladas foi 134% maior do que nas áreas regularizadas. Portanto, a MP não vai beneficiar os grileiros de áreas públicas e tampouco aumentar os riscos para o meio ambiente.

A alocação correta de terras públicas ainda não destinadas é outro ponto positivo da medida. Técnicos do Incra estimam que dos 88,9 milhões de hectares de glebas públicas federais na Amazônia, pelo menos 44 milhões ainda não foram destinados. Sem política pública correta e ágil, aí, sim, boa parte das terras correrá o risco de grilagem, invasões e ilegalidades num futuro próximo.

É fundamental a elaboração de estratégia para o uso dessas glebas públicas a partir de estudos científicos feitos por universidades e órgãos de pesquisa como a Embrapa. Assim, a União, em conjunto com estados e municípios, poderá destinar muitas dessas áreas sem ocupação à conservação, produção sustentável, áreas militares e outros, de forma correta, visando o aproveitamento mais racional, produtivo e sustentável para o país. Dessa forma, acreditamos resolver de modo definitivo o problema crônico de avanço da grilagem de terras públicas.

Para garantir maior agilidade, segurança e economia ao processo de regularização fundiária das terras públicas, temos de usar a tecnologia do século 21, as imagens de satélite com resolução de até 30 centímetros do solo com alta qualidade. Sempre é bom lembrar que terras indígenas, quilombolas e de unidades de conservação estão fora da regularização fundiária. Grilagem nessas áreas não é assunto de regularização fundiária, mas caso de polícia e assim continuará a ser tratado.

Por meio do sensoriamento remoto, o Incra poderá verificar se existe sobreposição de glebas a ser regularizada com áreas da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Funai, além das terras sob gestão do próprio Incra, como assentamentos da reforma agrária. E poderá ainda comprovar se há desmatamento irregular, queimadas e até mesmo conferir se está sendo praticado o cultivo efetivo.

Se a tecnologia de sensoriamento remoto, já admitida por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), não for utilizada para a regularização dessas áreas, muitas delas ocupadas desde os anos 1970 e 1980, o processo continuará paralisado por décadas sem solução concreta. Desperdiçar essas tecnologias é retroceder no tempo.

Além da questão ambiental, a MP deve ser analisada pela ótica social. Ao contrário do que se afirma, o tamanho médio das propriedades para regularização é de 148,1 hectares, inferior a quatro módulos fiscais, o que representa menos de 30 hectares cultiváveis em grande parte da Amazônia Legal.

» GERALDO MELO FILHO

Economista, é presidente do Incra