Valor econômico, v.21, n.4996, 08/05/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaro promete vetar reajuste salarial de servidores públicos

Lu Aiko Otta

Fabio Murakawa

Luisa Martins

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

08/05/2020

 

 

Um dia depois de ter dado o sinal verde à aprovação de um dispositivo que permite reajustar salários de várias categorias do funcionalismo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que vetará o dispositivo.

O dispositivo foi incluído no projeto de lei que regula a ajuda financeira federal de R$ 60 bilhões a Estados e municípios, após longo debate entre os parlamentares, e aprovado nesta semana. O recuo atende a um apelo da equipe econômica, mas pode criar novo desgaste ao governo no Congresso.

"O que nós decidimos? Eu sigo a cartilha de Paulo Guedes na economia. E não é de maneira cega, não. É de maneira consciente e com razão. E se ele acha que deve ser vetado, esse dispositivo, assim será feito", afirmou, após haver levado os integrantes da Coalizão da Indústria para uma reunião no Supremo Tribunal Federal (STF).

Articulada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), na noite de quarta-feira, a inclusão de novas categorias de funcionários entre as que ficarão fora do congelamento salarial até 2021 ocorreu sob protestos da equipe econômica e alimentou especulações sobre um novo enfraquecimento de Guedes. O deputado afirmou, primeiro, que agia com a concordância do ministro. Depois, retificou: agia sob orientação de Bolsonaro. Acrescentou que era líder do governo, não de "qualquer ministério".

Ontem, ao lado de Bolsonaro e dos empresários, Guedes defendeu o veto. "Renovo meu pedido ao funcionalismo: são só dois anos sem aumento", disse. "Podemos usar R$ 130 bilhões para salvar vidas." A cifra se refere à economia estimada na hipótese de não haver qualquer reajuste salarial.

Bolsonaro concordou com o ministro e disse que perto de 10 milhões de empregos formais deixaram de existir. "Servidor público tem estabilidade e salário.".

O congelamento salarial é a contrapartida pedida pelo governo pela ajuda financeira a Estados e municípios. A ideia era que fosse aplicada a todo o funcionalismo, sem exceção, o que proporcionaria os R$ 130 bilhões em economia. No Senado, foram autorizados aumentos e contratações na área de saúde, para os militares e policiais.

A Câmara ampliou a lista, com outros tipos de policiais, técnicos e peritos criminais, agentes socioeducativos, profissionais de limpeza urbana e trabalhadores da educação pública. O Senado aprovou a mudança, com a restrição de que só terão direito a aumento "os diretamente envolvidos no combate" à covid-19 e, com isso, a economia estimada caiu para R$ 43 bilhões.

Da forma como o texto está redigido, Bolsonaro não terá escolha. Se vetar, atingirá todas as categorias listadas, inclusive militares.

"Na prática, Estados e municípios não têm como conceder reajustes com uma crise econômica dessa magnitude", disse o presidente do Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles. Ele acrescentou que os R$ 60 bilhões são importantes, mas insuficientes. No funcionalismo federal, o congelamento já estava dado desde a aprovação da regra do teto de gastos, segundo avaliou o presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.

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Presidente faz pressão sobre STF

Fabio Murakawa

Luisa Martins

Lu Aiko Otta

08/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro atravessou ontem a Praça dos Três Poderes a pé com uma comitiva de ministros e empresários para pressionar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, pela redução das medidas de isolamento social que estão travando a atividade da indústria e a economia como um todo.

A "visita de cortesia", como Bolsonaro e alguns ministros classificaram, gerou irritação e desconforto entre membros do Supremo.

A visita ocorreu após decisões do Supremo que reafirmaram que o controle de Estados e municípios sobre medidas restritivas, em detrimento do governo federal.

Bolsonaro, que havia se reunido com os empresários em seu gabinete momentos antes, levou para o Supremo os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), André Mendonça (Justiça) e Fernando Azevedo (Defesa).

Ministros do tribunal ouvidos pelo Valor consideraram que Bolsonaro, ao criticar perante Toffoli os governadores que resistem à abertura total do comércio, tentou jogar no colo do Judiciário uma parcela da responsabilidade sobre a recessão econômica. Isso porque o próprio plenário do STF fixou a legitimidade dos Estados para agir no combate ao coronavírus.

Além disso, ficou entre eles a impressão de que o presidente expôs Toffoli duplamente. Primeiro porque, mesmo nas dependências de outro Poder, transmitiu a reunião ao vivo em suas redes sociais. Na publicação, escreveu que levaria ao Supremo os "anseios da população" - saúde e emprego.

Em segundo lugar, ao decidir levar consigo uma comitiva formada por mais de uma dezena de pessoas, e sabendo que Toffoli não iria recusar-se a recebê-los, Bolsonaro não levou em conta as recomendações das autoridades sanitárias para evitar aglomerações e conter a propagação do vírus.

O presidente anunciou, na presença de Toffoli, que incluiria a construção civil no rol de atividades essenciais, o que na prática retira de Estados e municípios a prerrogativa de restringir essas atividades. A medida foi publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU).

Ao deixar o Supremo, prometeu ainda que "nas próximas horas ou dias" decretaria outras atividades como essenciais, a fim de acelerar a retomada econômica.

No encontro, o presidente discursou afirmando que o efeito colateral do combate à pandemia de covid-19 "não pode ser mais danoso do que a própria doença" causada pelo coronavírus.

"Temos um problema que vem cada vez mais nos preocupando: os empresários trouxeram essas aflições, a questão do desemprego, a questão da economia não mais funcionar", disse Bolsonaro. "O efeito colateral do combate ao vírus não pode ser mais danoso que a própria doença", afirmou.

Bolsonaro disse também que os empresários levados por ele estão preocupados com o colapso da economia. E instou Toffoli a "decidir", mesmo que sujeito a críticas.

"Chegou a um ponto que a economia fica muito difícil de recuperar. Nós, chefe de Poderes, temos que decidir", afirmou. "O Toffoli sabe que, ao tomar decisão, de um lado ou de outro, vai sofrer critica."

Guedes complementou dizendo que, embora a economia venha mantendo "sinais vitais", o país corre o risco de, caso não haja uma retomada em breve, "virar uma Venezuela" ou "uma Argentina, que entrou em desorganização, inflação subindo, todo esse pesadelo de volta".

Toffoli, por sua vez, defendeu as decisões tomadas pelo Supremo, afirmando que a Constituição define as prerrogativas de União, Estados e municípios.

"Temos uma Constituição que garante competência especificas para entes, e foi isso que STF decidiu, mas sempre respeitando competência da União, nacionais, de orientação nas atividades essenciais, de transporte, produção", disse o presidente do STF.

Ele sugeriu a criação de um comitê de crise com a participação dos Três Poderes, empresários e trabalhadores com o intuito de buscar saídas para a retomada da economia diante da pandemia de coronavírus que avança pelo país.

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Dirigente empresarial prevê "morte de CNPJs"

Lu Aiko Otta

Luísa Martins

Fabio Murakawa

Ana Conceição

08/05/2020

 

 

Com o diagnóstico de que a "indústria está na UTI" e de que haverá "morte de CNPJs", o grupo de empresários que se reuniu ontem com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes se queixou da forte queda na demanda causada pelo isolamento necessário para conter a pandemia de covid-19.

"Enfrentamos uma profunda crise de demanda por causa do fechamento das atividades", afirmou Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil e coordenador da Coalizão Indústria, que reúne 15 entidades setoriais. "A indústria está na UTI e ela precisa sair porque senão as consequências serão gravíssimas", disse.

Segundo Marco Polo, a agenda da reunião tratou dos problemas que as empresas enfrentam para ter acesso ao crédito, além do temor de que o mercado interno seja invadido por produtos da Ásia, entre outros temas. Uma flexibilização do isolamento social não foi discutida, segundo ele. "A questão não depende do presidente". Mas empresários da Coalizão defendem a medida.

"Não defendemos uma abertura geral. Ninguém está falando que precisa acabar com o isolamento", afirmou José Velloso, presidente da Abimaq, que reúne a indústria de máquinas e equipamentos. Ele participou da reunião de forma virtual. "Defendemos a adoção de uma estratégia que leve em consideração número de casos da doença, perfil da economia da região, leitos de UTI. Há lugares no país que podem ser reabertos. É preciso sentar à mesa e levantar quais são".

O presidente da Abit, do setor têxtil e confecção, Fernando Pimentel, afirmou que algumas cidades que apresentam poucos casos poderiam retomar suas atividades. "A indústria têxtil e de confecções está parada há 40 dias", afirmou. "Tudo tem limite". O setor emprega 1,5 milhão de pessoas e está com uma capacidade ociosa de 75%, porque o varejo está parado e não há vazão para a produção, explicou.

Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, que reúne os fabricantes de brinquedos, disse que haverá "morte de CNPJ" se a indústria não conseguir voltar plenamente. "O que a gente não queria era por conta de ter estado junto no combate da pandemia, o meu coração está batendo a 40 eu não consigo retomar. Eu tenho um inimigo lá fora, que é meu adversário comercial prontinho para suprir o mercado inteiro e então haverá morte de CNPJ - disse. Segundo o empresário, a indústria estará fragilizada e não sabe o que fazer quando os funcionários voltarem para a folha de pagamento das empresas.

Na reunião com Guedes e Bolsonaro, Marco Polo fez um diagnóstico do setor industrial. Segundo ele, o setor automotivo está com 25 fabricantes parados, o de máquinas e equipamentos tem 47% das empresas fechadas e o setor de aço teve, em abril, o pior mês de vendas desde 1995.

O empresário defendeu que chegou a hora de colocar "a roda para rodar".

Segundo Marco Polo, os setores essenciais não pararam e os trabalhadores continuam operando com protocolos de segurança e saúde. "Nossa percepção é que essa flexibilização já poderia ter ocorrido, evidentemente com todo o regramento necessário, de forma que a gente conseguisse voltar a ter atividade".

Depois da reunião, oito representantes da Coalizão, o presidente e Paulo Guedes foram visitar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. No início de abril, o ministro da Corte Alexandre de Moraes decidiu que o governo federal não pode derrubar decisões de Estados e municípios sobre isolamento social, quarentena, restrições ao comércio e à circulação de pessoas. A visita ao STF não estava na agenda. Segundo relatos, a ideia de procurar o Supremo foi do próprio Bolsonaro e surpreendeu os participantes da reunião. Bolsonaro afirmou que eles precisavam falar o mesmo "para mais gente", virou-se e pediu ao ajudante de ordens que telefonasse para Toffoli.