O globo, n. 31654, 06/04/2020. Economia, p. 13

 

Ajuda que vem de fora

Leo Branco

Rennan Setti

Gabriel Martins

Manoel Ventura

06/04/2020

 

 

Estados negociam empréstimos com instituições internacionais

Com quedas bruscas na arrecadação devido ao avanço do coronavírus, ao menos seis estados negociam com organismos multilaterais, como o Banco Mundial, novos empréstimos ou o remanejamento de crédito tomado no passado para ampliar gastos com saúde e fortalecer o caixa. No caso de novos financiamentos, o gargalo é a exigência de aval do Tesouro Nacional, que não pode ser concedido hoje por causa da fragilidade fiscal de muitos governo estaduais. A expectativa é que a aprovação do chamado Plano Mansueto, que flexibiliza essas regras e deve ser votado na Câmara nesta semana, permita um reforço nos recursos para fazer frente à pandemia.

São Paulo montou projeto para obter US$ 100 milhões junto ao Banco Mundial para o combate ao vírus. O dinheiro será usado na abertura de 500 leitos de UTI. O governo aguarda análise da União.

Em Santa Catarina, deputados estaduais autorizaram o governo de Carlos Moisés (PS L) a transferi rum alinha de crédito de US$ 344 milhões junto ao Bank of America por outra do mesmo valor no Banco Mundial, que cobra juros menores. A operação deve liberar cerca de R$ 1 bilhão para o custeio da máquina pública. Para o combate ao coronavírus, o governo catarinense pede R $500 milhões ao BNDES.

REMANEJAMENTO

É uma estratégia semelhante à do Pará, onde a queda de arrecadação do ICMS deve chegar a 40% em 2020. Segundo o secretário de Fazenda, René Sousa, o estado vem pleiteando ao Banco Mundial e à Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) a mudança em crédito solicitado antes da crise, destinado ao saneamento. A ideia é ter fôlego para comprar mais estruturas de combate à doença.

No Ceará, o governo de Camilo Santana (PT) transferiu para esses fins 25% dos recursos de empréstimo de R$ 1,1 bilhão para obras obtido junto ao Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) em 2018. Asim, o governo comprou 700 respiradores e outros insumos médicos de fornecedores da China, que devem chegar até 15 de abril, disse a secretária de Fazenda, Fernanda Pacobahyba.

O Rio Grande do Norte também está remanejando para a saúde R$ 22 milhões de um empréstimo de US$ 360 milhões tomado há cinco anos com o Banco Mundial. Segundo o secretário de Planejamento,

Aldemir Freire, o remanejamento é necessário porque novo financiamento de R$ 1,1 bilhão, que o estado negocia com o Banco Mundial e com a AFD, depende da aprovação do Plano Mansueto e levará tempo. Pelas regras atuais, a fragilidade financeira do estado impede que ele receba garantia da União para esse tipo de operação.

— Como enfrentamos uma urgência nos próximos 60 dias, estamos concentrando as adaptações no empréstimo antigo. Não teremos tempo hábil para utilizar o dinheiro novo no combate à pandemia —ponderou Freire.

Em Pernambuco, a expectativa também é que o Plano Mansueto permita a obtenção de recursos para o combate ao coronavírus junto ao Banco Mundial, mas o valor de eventual empréstimo ainda não foi fechado.

O chamado Plano Mansueto — em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida — pretende facilitar R$ 40 bilhões em operações de crédito dos estados com garantias da União. Empréstimos com esse aval têm juros mais baixos. Hoje, apenas estados com nota “A” e “B” podem acessar esses empréstimos. O Plano Mansueto estende essa possibilidade a estados com nota “C” em troca de medidas de ajuste fiscal. O plano também permite a suspensão, neste ano, do pagamento de empréstimos junto ao sistema financeiro, a instituições multilaterais e de dívidas junto à União.

CAUTELA FISCAL

Ana Carla Abrão, economista e sócia da Oliver Wyman, avalia que, por se tratar de um momento de calamidade, a flexibilização de algumas normas fiscais pode ser feita. Mas diz que isso não deve abrir precedentes para desmonte dos controles:

—Uma coisa é agir deforma pontual, a outra é abrir possibilidades para que todos se endividem, e sabemos onde isso vai dar. É preciso manter as instituições fiscais de pé para que sejam abertos caminhos emergenciais.

Ana Carla indica que o mais urgente neste momento é a coordenação entre todos os níveis de governo para que os empréstimos, caso autorizados, sejam bem executados.

Em estados em má condição fiscal, a dificuldade de obter aval do Tesouro é um desafio para obter recursos internacionais no momento de crise.

—Não temos capacidade de pagamento para contratar novos empréstimos neste momento. Não temos aval do Tesouro para financiamentos novos — afirmou o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB), que vem pleiteando ao governo federal a entrada do estado no regime de recuperação fiscal.

— Para os efeitos do coronavírus precisaremos de algo novo, imediato e robusto do governo federal.

Para Regina Esteves, presidente da ONG Comunitas, dedicada à inovação na gestão pública, mais importante do que obter mais recursos é garantir um bom uso deles:

—Estamos discutindo endividamento para tratar os doentes. Haverá recursos também para a prevenção da população?

O que está em negociação

> São Paulo. Busca US$ 100 milhões junto ao Banco Mundial para criação de de 500 leitos de UTI. Aguarda análise do governo federal.

> Ceará. Destinou R$ 250 milhões de uma linha de

crédito com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a compra de 700 respiradores e insumos médicos.

> Santa Catarina. Vai trocar uma linha de crédito do Bank of America por outra com o Banco Mundial, de juros mais baixos. A ideia com a operação é economizar R$ 1 bilhão e fazer frente à queda na arrecadação.

> Pará. Pede ao Banco Mundial e à Agência Francesa de Desenvolvimento para usar no combate ao Covid-19 recursos que iriam para obras de saneamento.

> Rio Grande do Norte. Remanejou para a saúde R$ 22 milhões de crédito com o Banco Mundial. Vai

adaptar parte de um empréstimo de R$ 1,1 bilhão que negocia com a instituição e com a AFD, mas depende do Plano Mansueto.

> Pernambuco.Quer usar no combate ao coronavírus parte dos recursos de novo empréstimo com o Banco Mundial, mas também depende do Plano Mansueto.