O globo, n. 31654, 06/04/2020. Especial Coronavírus, p. 12

 

Combate em risco

Raphaela Ribas

Flávio Freire

Elisa Martins

06/04/2020

 

 

O novo coronavírus continua avançando, mas, em muitas regiões do país, o isolamento social, recomendado para evitar a rápida propagação da doença,está regredindo. No Rio, o calçadão da Praia de Copacabana ontem ficou mais uma vez repleto de pessoas se exercitando perto umas das outras. No Leme, para evitar novas aglomerações, a polícia chegou acercara areia com gradis pela manhã, mas, uma hora depois, a proteção foi retirada. Nas ruas, também era possível perceber que a movimentação cresceu.

Levantamento da empresa CyberLabs, que mede a quantidade de gente nas vias por meio de 800 câmeras de videomonitoramento, mostrou que, em Botafogo, na Zona Sul, a redução do movimento foi de 60% em relação à média. Na semana anterior, havia alcançado os 80%. Na Tijuca, na Zona Norte, a quarentena também foi afrouxada. No domingo passado, a região teve uma queda de 95% na movimentação nas ruas. Ontem, segundo os dados da empresa, foi de apenas 80%. Em Copacabana, área que concentra a maior quantidade de idosos da cidade, há muita gente saindo de casa também: a redução é de apenas 75%.

— O índice de isolamento desses bairros é inferior em relação as outros. E, como agravante, eles estão entre os que mais apresentam casos confirmados da Covid-19, segundo os dados reunidos pela prefeitura — alerta Felipe Vignoli, sócio da CyberLabs.

Em São Paulo, a desobediência às recomendações de isolamento social para os que podem ficar em casa também era grande. Durante a manhã, ciclovias ficaram lotadas e era possível até encontrar trânsito intenso em trechos das avenidas Rebouças e Nove de Julho.

Em Brasília, onde o presidente Jair Bolsonaro convocou apoiadores a fazer um jejum contra o novo coronavírus, dezenas de religiosos foram para a frente do Palácio da Alvorada fazer orações.

Em Santa Catarina, o governo voltou a anunciar ontem um abrandamento nas regras dei solamentos oc ial.Emn ova portaria, que será publicada no Diário Oficial hoje, o governo catarinense libera o funcionamento de diversas atividades de autônomos. Serão liberados o trabalho de assistentes sociais, educadores físicos, cabeleireiros, barbeiros, pedicures, manicures, depiladores, massagistas e podólogos. Na portaria também foram liberados para retomar atividades advogados, contadores, administradores, jardineiros, cozinheiros, limpadores de piscina, faxineiros, empregados domésticos, encanadores, entre outros. A proibição de funcionamento segue vigente para shoppings e o comércio em geral.

Para a virologista Clarissa Damaso, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um afrouxamento agora do isolamento dos que podem ficar em casa pode ter impacto negativo direto no achatamento da curva de casos de coronavírus em todo o país. E, ainda, piorar as condições de atendimento em hospitais, além de aumentar os riscos de infecção entre profissionais de saúde.

—Estamos no período crítico da epidemia. O que estamos vendo de pessoas dando entrada em hospitais são 20% dos infectados. Temos outro percentual altíssimo de assintomáticos para esse vírus, 80%, número suficiente para que, se as pessoas saírem de casa, a chance de encontrar alguém assintomático e transmissor do vírus seja muito alta —explica a virologista.

O efeito, diz, pode ser devastador em um momento em que setenta minimizara disseminação da infecção.

—Estamos entrando na semana em que deveríamos começara ver os efeitos do isolamento no achatamento da curva de novos casos. Isso considerando que a janela de incubação dado ençaé de cerca de do isa 14 dias, eque quem está infectado agora teve contato como vírus na primeiras emanado isolamento o upou coantes—detalha Clarissa.—Se as pessoas começarem a sair mais, aquela curva que hoje poderia estar começando a achatar não vai mais se comportar assim. E o que veremos é uma explosão no número de casos, e hospitais mais lotados do que já estão.

Na prática, ela completa, um aumento da curva significará falta de leitos para os que precisam, tanto em casos de coronavírus como para outras doenças, que continuam acontecendo:

—Senão achatarmos a curva, a situação vai ser catastrófica. E não só em leitos de hospital. Vão faltar também médicos e enfermeiros, que estarão cada vez mais expostos e também podem ficar doentes.