O globo, n. 31650, 02/04/2020. Economia, p. 17

 

Pacote para manter empregos

Manoel Ventura

Marcello Corrêa

Naira Trindade

Gustavo Maia

02/04/2020

 

 

Governo permite suspensão e corte de até 70% do salário, mas prevê contrapartidas 

Ações. Os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania), Braga Netto (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia, à direita) junto com o presidente Jair Bolsonaro no anúncio de medidas para mercado de trabalho

 Dez dias depois de recuar numa proposta que previa a suspensão do contrato de trabalho durante acrise do coronavírus sem qualquer contrapartida do governo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem uma nova medida provisória (MP). Dessa vez, o texto autoriza a redução salarial de até 70% ou a suspensão total dos contratos( ou seja, redução de 100% dos salários pagos pela empresa ). Agora, em qualquer cenário haverá complementação de parte da renda do trabalhador pelo governo. Além disso, a medida prevê um período em que o funcionário não poderá ser demitido.

Se uma empresa reduzir jornada e salário por dois meses, por exemplo, o funcionário terá o emprego garantido por quatro meses (incluindo o período com remuneração reduzida). A proteção na vaga corresponde ao dobro do tempo no qual o governo pagará parte dos salários. Não foi especificado, porém, como será feita a fiscalização.

IRRITAÇÃO COM GUEDES

A estimativa da equipe econômica é que 24,5 milhões de trabalhadores terão o salário reduzido ou o contrato suspenso. Isso, segundo o governo, vai evitar a demissão de 8,5 milhões.

Criticados por especialistas e parlamentares pela demora na adoção das medidas para reduzir os impactos da Covid-19, Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmaram ontem que o pacote de ações contra a crise soma R$ 200 bilhões. As ações já haviam sido anunciadas, mas precisam ser efetivadas pelo governo.

Serão R$ 98 bilhões para o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 por três meses para trabalhadores informais, sancionado ontem por Bolsonaro. Mais R$ 51,2 bilhões para bancar o programa que vai permitira redução do salário com contrapartida do governo. Outros R $36 bilhões vão compor um financiamento para pequenas e médias empresas pagarem suas folhas salariais por dois meses—bancos privados vão entrar com R$ 6 bilhões. Há ainda R$ 16 bilhões de transferência para estados e municípios.

— O total é de R$ 200 bilhões, 2,6% do PIB, para manutenção da saúde, a preservação de vidas e a manutenção do emprego —disse Guedes.

A demora de Guedes para liberar o auxílio emergencial de R$ 600 a informais incomodou o presidente Jair Bolsonaro, segundo fontes. Antes acostumado a lidar em tom brincalhão com o “PG”, Bolsonaro engrossou a voz ontem, segundo interlocutores do Palácio do Planalto, para pressionar o ministro a destravar a ajuda. Quem acompanhou a conversa percebeu a alteração. Segundo fontes, o presidente não “queria ouvir mais desculpas”.

 

RISCO DE DEPRESSÃO

Em entrevista à Band,Bolsonaro disseque o país correr isco de entrarem depressão econômica por causada Covid-19.

— No prazo de dois, três meses, no máximo, anova ponte de concreto tem que ser feita. Se não for feita, essa ponte virtual com recurso público, que nós estamos fazendo agora, não vai se sustentar. E daí o Brasil entra em depressão. É pior do que recessão.

A medida trabalhista, por se tratar de MP, valerá imediatamente após a publicação e poderá ser adotada pelos empregadores. Caberá ao Congresso validar ou alterar o texto.

Segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, anova legislação prevê três faixas de cortes salarial por três meses, com redução proporcional da carga horária: 25%, 50% e 70%. O governo complementará a renda de trabalhadores afetados, usando como base o valor do seguro-desemprego.

Assim, se o corte salarial for de 70%, o governo entrará com 70% do valor do seguro desemprego ao qual o trabalhador teria direito, caso fosse demitido. O mesmo ocorre com as outras faixas de cortes.

 

SEM ANTECIPAR SEGURO

Na suspensão do contrato de trabalho ou corte de 100% do salário em empresas com receita bruta menor que R$ 4,8 milhões, o trabalhador receberá 100% do valor do seguro desemprego ao qual teria direito em caso de uma demissão. Empresas com receita bruta anual maior do que isso deverão manter o pagamento de 30% da remuneração do funcionário, que receberá 70% do seguro-desemprego.

O governo voltou atrás em um trecho da regra que chegou a ser anunciada há duas semanas, que previa que o valor representaria uma antecipação do seguro-desemprego, a ser descontada em caso de demissão no futuro. Agora, o benefício será bancado inteiramente pelo governo. Caso o funcionário seja demitido após acrise, continuará ater acesso ao seguro-desemprego normalmente.

—Estamos nos comprometendo com todos. Literalmente, todos. E com isso estamos evitando mais de 12 milhões de desempregados no Brasil. Esseéo compromisso do governo de tutelar mais de 25 milhões de pessoas—disse Bianco, citando outras medidas, como o auxílio emergencial: — Estamos focando em mais de 150 milhões de brasileiros. Isso é muito relevante.

Segundo o secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo, os benefícios não precisarão ser solicitados pelos trabalhadores. Em caso de redução, os valores serão depositados diretamente na conta. Dalcolmo afirmou que a medida abrange mais de 70% de todos os funcionários formais.

Quem recebe salário mínimo terá reposição integral da remuneração. Segundo aMP, para os trabalhadores com remuneração até R$ 3.135 será possível reduzir os salários por intermédio de acordos individuais entre patrões e empregados, independentemente dos percentuais aplicados.

No caso de salários entre R$ 3.135 e R $12.202, será necessária a intermediação das entidades sindicais se a redução for superior a 25%. Acima de R$ 12.202 (duas vezes o teto do INSS), a CLT já permite acordo individual. Para reduzir o salário fora dos percentuais determinados pelo governo,de 70%,50% e 25%, as empresas terão que negociar com sindicatos das categorias.