Correio braziliense, n. 20804 , 08/05/2020. Política, p.5

 

AGU propõe vídeo editado

Renato Souza

08/05/2020

 

 

PRESSÃO NA PF » Advocacia Geral da União sugere divulgar somente parte da reunião ministerial na qual o presidente Bolsonaro teria tentado, segundo denúncia de Sergio Moro, interferir na Polícia Federal. Defesa do ex-ministro reivindica a íntegra da filmagem

O vídeo de uma reunião, realizada no Palácio do Planalto, no dia 22 do mês passado, tornou-se alvo de uma disputa judicial no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Na quarta-feira, a Advocacia Geral da União (AGU) apresentou um pedido para que o ministro Celso de Mello, relator do caso, reavaliasse a decisão que obriga o governo a entregar as imagens do encontro. O argumento é o de que foram debatidos assuntos “sensíveis ao Estado”, como relações internacionais. Ontem, em uma nova petição, a AGU solicitou que caso o magistrado não aceitasse o pedido anterior, pudesse ser entregue um vídeo editado, apenas com “trechos relacionados ao inquérito”.

Minutos depois da petição da AGU entrar no sistema do Supremo, o ex-ministro Sergio Moro rebateu, por meio de seus advogados, os argumentos do governo, alegando que a integridade do vídeo é importante para garantir as provas necessárias para investigar o caso. As diligências foram abertas para investigar eventuais crimes cometidos pelo presidente ao supostamente tentar interferir na Polícia Federal e tem como base acusações feitas por Moro. O ex-ministro afirmou que, na reunião, Bolsonaro exigiu, em frente aos demais integrantes do governo, ter acesso a relatórios de inteligência e pediu a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Moro contou que tudo foi gravado em vídeo e está em poder da Presidência. O ministro Celso de Mello deve decidir ainda hoje sobre o pedido da AGU.

Estavam presentes no encontro o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Walter Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Todos eles devem prestar depoimento, na condição de testemunha, em local e data previamente agendados entre eles e o poder Judiciário. Caso algum deles falte ao depoimento, pode ser alvo de condução coercitiva e ser obrigado a comparecer a uma unidade policial. Mas o vídeo é considerado essencial para esclarecer o caso. Em depoimento, Moro afirma que por regra, todos os encontros no Planalto são gravados, e com esse não foi diferente. Ao pedir para não enviar, ou remeter parcialmente as imagens, o Planalto confirma a existência do conteúdo.

A tendência é de que o ministro Celso de Mello não atenda aos pedidos da defesa do presidente Jair Bolsonaro. Logo após petição da AGU, o ex-ministro Sergio Moro apresentou o pedido para que o vídeo seja repassado sem qualquer tipo de edição. Ele alega que o fato das imagens revelarem conteúdo sensível não impede o Supremo de analisar todo o material, decretando sigilo sobre determinados trechos, cuja divulgação implique qualquer tipo de risco. “Com todo o respeito aos argumentos utilizados, parece óbvio, em primeiro lugar, que em uma reunião entre autoridades de tão alto escalão, devem ter sido, realmente, tratados assuntos de relevância nacional”, afirma um trecho da peça enviada à Corte. “Contudo, tal circunstância não é suficiente para que o registro do encontro possa ser colocado integralmente a salvo do exame judicial e policial a ser realizado nesta investigação, notadamente em razão de sua importância para o deslinde dos fatos objeto do presente apuratório”, completa a defesa de Moro.

Além dos ministros que presenciaram o encontro do dia 22, Celso de Mello autorizou a oitiva da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que teria tentado fazer Moro aceitar trocas no comando da PF para ser indicado a uma vaga no Supremo; e de seis delegados da PF, entre eles Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da corporação. Devem ser ouvidos também o ex-superintendente da PF no Rio Ricardo Saadi; o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva; o chefe da PF em Minas, Rodrigo Teixeira; o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que havia sido indicado por Bolsonaro para a direção-geral da PF; e o recém indicado diretor-executivo da PF, Carlos Henrique de Oliveira Sousa. As diligências foram solicitadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

Frase

"Tal circunstância não é suficiente para que o registro do encontro possa ser colocado integralmente a salvo do exame judicial”

Trecho da defesa do ex-ministro Sergio Moro ao STF para justificar a entrega do registro completo da reunião ministerial.

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"Debaixo de vara" irrita militares

Jorge Vasconcellos

08/05/2020

 

 

A cúpula das Forças Armadas e o Palácio do Planalto consideraram ofensivos os termos usados pelo decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, no despacho que autorizou o depoimento de três ministros militares no inquérito que investiga supostas interferências do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Mello determinou que os generais Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional; Walter Braga Netto, da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, poderão ser tomados por “condução coercitiva” ou “debaixo de vara” caso eles não compareçam na data e horário que escolheram para serem ouvidos.

Celso de Mello é o relator do inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República depois que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro acusou o presidente da República de interferir politicamente na Polícia Federal para ter acesso a relatórios de inteligência do órgão.

Além dos ministros militares, a decisão do decano atinge testemunhas civis ou integrantes da PF, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e os delegados federais Ricardo Saadi, Carlos Henrique de Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva, Rodrigo Teixeira, Alexandre Ramagem Rodrigues e Maurício Leite Valeixo — a demissão deste último da direção-geral da PF foi estopim para a decisão de Sergio Moro de deixar o governo.

Para os generais que assessoram Bolsonaro, embora os termos utilizados por Celso de Mello sejam jurídicos, a redação foi “desrespeitosa” e “desnecessária” e desconsiderou a trajetória dos três ministros até o mais alto posto do Exército. O trecho do despacho do decano que desagradou os militares diz que, “se as testemunhas que dispõem da prerrogativa fundada no art. 221 do CPP, deixarem de comparecer, sem justa causa, na data por elas previamente ajustada com a autoridade policial federal, perderão tal prerrogativa e, redesignada nova data para seu comparecimento em até 05 (cinco) dias úteis, estarão sujeitas, como qualquer cidadão, não importando o grau hierárquico que ostentem no âmbito da República, à condução coercitiva ou 'debaixo de vara'”.

O artigo 221 do Código de Processo Penal, citado pelo decano, prevê que, em inquéritos criminais, autoridades como o presidente da República, ministros de Estado e parlamentares, por terem prerrogativas, devem ser ouvidas em local, dia e hora previamente ajustados entre elas e o juiz.

Militares que despacham no Palácio do Planalto e os da cúpula das Forças Armadas reclamaram que foram tratados como “bandidos” pelo ministro do STF. Alguns chegaram a propor uma resposta formal, mas foram demovidos da ideia por argumentos de que não se tratava de um caso do Ministério da Defesa e dos comandos militares, mas de “ministros da Presidência”.

O despacho de Celso de Mello deixou Bolsonaro e os militares ainda mais irritados com o STF. Eles já estavam descontentes com a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família do presidente da República, para a direção-geral da PF. No último domingo, o chefe do governo participou, em frente ao Palácio do Planalto, de uma manifestação que pedia uma intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF.

Advertência

Para o advogado Paulo Palhares, professor de direito constitucional do Ibmec Brasília, não houve excesso por parte do ministro Celso de Mello nem motivo justificado para as reclamações dos militares. “A decisão do ministro Celso de Mello traz, na verdade, advertência sobre eventual não comparecimento das testemunhas ao ato. Esse tipo de advertência é da praxe judiciária”, disse o docente.

O advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do Boaventura Turbay Advogados, tem uma opinião diferente sobre a ordem do ministro do STF. “Não cabe ao Supremo Tribunal Federal exercer poder coercitivo ou realizar ameaças sem ter havido, concretamente, o descumprimento da ordem exarada. A mensagem emitida foi dotada, aparentemente, de coloração autoritária, o que não se pode permitir. Creio, todavia, que não tenha sido essa a intenção do Ministro Celso de Mello, que tem a seu favor uma atuação forte em defesa da Constituição”, afirmou Turbay.

Para o advogado criminalista David Metzker, sócio da Metzker Advocacia, a redação do despacho de Celso de Mello seguiu a praxe dos processos criminais. “Não houve excesso”, resumiu.

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Noronha reprova divulgação de exame

08/05/2020

 

 

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, disse ontem que o presidente Jair Bolsonaro não deve ser obrigado a entregar os laudos de todos os exames de coronavírus. Em entrevista concedida ao site JOTA, Noronha afirmou que “não é republicano” exigir a divulgação dos documentos e alegou que “não é porque o cidadão se elege presidente que não tem direito a um mínimo de privacidade”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) deve recorrer nesta semana da decisão que garantiu ao jornal O Estado de S.Paulo ter acesso aos laudos de todos os exames realizados pelo presidente Jair Bolsonaro para detectar se foi infectado ou não pelo novo coronavírus. Para o Ministério Público Federal, a informação é de interesse público.

Uma das possibilidades discutidas pelo governo é de entrar com recurso no STJ, o que pode levar o caso diretamente para o gabinete de Noronha — admitiu, na entrevista, que o processo pode parar com ele. “Essa decisão poderá chegar a mim com um pedido de suspensão de segurança, então eu vou permitir para não responder. Mas é o seguinte, eu não acho que eu, João Otávio, tenha que mostrar meu exame para todo mundo, eu até fiz, deu negativo. Mas vem cá, o presidente tem que dizer o que ele alimenta, se é A+, B , O-? Há um mínimo de intimidade a ser preservada”, disse Noronha.

Na avaliação do presidente do STJ, o cargo público “não pode querer entrar nas entranhas da pessoa que o exerce”. “Não é nada republicano querer exigir que o presidente dê os seus exames. Outra coisa, já perdeu até a atualidade, se olhar, não sei como está lá, o que adianta saber se o presidente teve ou não coronavírus se foram lá atrás os exames?”, questionou o ministro. “Ele (Bolsonaro) está andando pra lá e pra cá e está imunizado, é uma questão a ser discutida com calma, mas acho que haja um limite em interferir na vida do cidadão, não é porque ele é presidente da República, que ele é presidente do Supremo, do STJ, que ele tem que estar publicando seu exame de sangue todo dia.”

Transparência

Juristas avaliam que a informação é de interesse público. “O país tem o direito de saber da saúde do seu presidente, até porque se trata de doença transmissível e, ao que se sabe, o presidente não se submeteu a nenhum isolamento físico”, afirmou o ex-presidente do STF Ayres Britto. “No momento em que vivemos planetariamente, a matéria não se inscreve no âmbito da intimidade, nem mesmo da vida privada do presidente. O próprio presidente antecipou o interesse coletivo no resultado do exame a que se submeteu ao tornar pública a realização desse mesmo exame”, completou.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, é “injustificável” Bolsonaro ainda não ter divulgado os exames. “Em especial em uma situação de epidemia, torna-se relevante que o presidente seja transparente e divulgue o resultado oficial do seu exame, a exemplo do que fizeram vários líderes de países democráticos.”

Frase

"Não é nada republicano querer exigir que o presidente dê os seus exames”

João Otávio de Noronha, presidente do STJ