Correio braziliense, n. 20801 , 05/05/2020. Política, p.4

 

Posse relâmpago na direção da PF

Ingrid Soares

Augusto Fernandes

05/05/2020

 

 

GOVERNO » Bolsonaro oficilializa novo chefe da corporação em cerimônia fechada no Planalto. Delegado é braço direito de Alexandre Ramagem, vetado pelo Supremo

Em tempo recorde, o presidente Jair Bolsonaro oficializou a escolha do delegado Rolando Alexandre de Souza para ser o novo diretor-geral da Polícia Federal. Após a tentativa frustrada de nomear Alexandre Ramagem para o posto, barrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o mandatário recorreu ao braço direito do diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, para estender a influência do primeiro indicado, amigo da família Bolsonaro.

A posse do novo chefe da Polícia Federal aconteceu sem a solenidade no Palácio do Planalto, com nomeação publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). Bolsonaro assinou o termo de posse em uma cerimônia fechada no gabinete presidencial, cerca de 20 minutos após a publicação do nome de Rolando Alexandre de Souza no cargo. Para tentar impedir um desgaste ainda maior na corporação, que estava há quase duas semanas sem um chefe efetivo, o presidente dispensou uma cerimônia na qual declarações contundentes poderiam contaminar ainda mais o ambiente envolvendo a PF. O presidente queria que o novo diretor-geral iniciasse logo os trabalhos.

E a ordem foi cumprida com rapidez. No seu primeiro ato, Rolando trocou o comando da superintendência da PF no Rio de Janeiro, foco da família Bolsonaro. O presidente nunca escondeu o interesse em escolher o superintendente da corporação no estado fluminense, que investiga se o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) cometeu os crimes de lavagem de dinheiro e de falsidade ideológica eleitoral em negociações de imóveis e nas suas declarações de bens nas eleições de 2014, 2016 e 2018. Foi essa atitude de Bolsonaro, inclusive, um dos motivos para a saída de Sergio Moro do governo federal. No dia da demissão, o ex-ministro revelou que o presidente quis interferir politicamente na PF ao pedir a troca na chefia da superintendência do Rio de Janeiro, mesmo sem motivos plausíveis.

Promoção suspeita

Em uma manobra para não causar tanto tumulto na PF, Rolando convidou o então superintendente Carlos Henrique Oliveira para ser diretor-executivo da corporação, em Brasília. O cargo é o segundo mais importante da Polícia Federal. No entanto, mesmo em se tratando de uma promoção, a mudança despertou dúvidas sobre os reais interesses por trás da decisão do novo diretor-geral. Isso porque um dos cotados para substituir Oliveira é o delegado Alexandre Silva Saraiva, superintendente da PF do Amazonas e amigo dos filhos de Bolsonaro.

No ano passado, Bolsonaro havia cogitado o nome de Saraiva para substituir Ricardo Saad na superintendência do Rio de Janeiro, mas não teve apoio nem de Moro nem do ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo. Agora, sem Saad e Moro pelo caminho, é provável que consiga a alteração. Apesar de ainda não ter sido confirmada oficialmente, ela já é tratada como certa nos bastidores da corporação – e questionada por integrantes da corporação.

Momento atribulado

Fontes ouvidas pelo Correio mostram preocupação com os movimentos que corroboram a vontade do presidente. Chama a atenção particularmente a chegada de um ex-integrante da Abin, agência subordinada à Presidência da República , em uma instituição de Estado como a Polícia Federal. “Pela primeira vez temos um alinhamento completo de uma agência de inteligência, que é ligada ao Executivo, com uma entidade de Estado. Havia o temor de que isso acontecesse”, disse uma fonte na PF. “Se o presidente da República tiver o entendimento de qual é o papel da Polícia Federal nessas investigações, não vai ter problema nenhum. Agora, qualquer coisa fora disso está errado. Se ele entender que o diretor tem que interferir, aí vamos ter todos os problemas do mundo”, comentou outro integrante da corporação.

A interferência política era o que mais temiam integrantes da corporação, em especial quando há uma grave crise de credibilidade rondando a instituição. Neste momento, o principal interesse de membros da PF é o de que o novo diretor-geral deixe claro que o órgão não faz nenhum tipo de assessoramento do Executivo federal e mostre que a Polícia Federal é um organismo de controle do Estado, e muitas vezes, de controle do governo.

“A Polícia Federal passa por uma crise grande. Há questionamentos sobre como será a PF daqui para a frente. Então, ele (Rolando) vai entrar em um momento muito atribulado e terá de proteger uma instituição de Estado, além de rechaçar qualquer pedido que não seja compatível com as funções da corporação”, comentou o presidente da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva. “Só com muito trabalho e com demonstrações muito claras do diretor-geral de que a Polícia Federal seguirá o caminho que tomou até aqui é que vamos acalmar todo mundo e superar a crise que se instalou”, acrescentou.

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Especialista em crime financeiro 

Ingrid Soares

Augusto Fernandes

05/05/2020

 

 

Antes de ocupar o cargo de secretário de Planejamento na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a convite de Alexandre Ramagem, entre 2018 e 2019, Rolando Alexandre de Souza foi superintendente da Polícia Federal em Alagoas. Ele também foi chefe do Serviço de Repressão a Desvio de Recursos Públicos e ocupou cargos de chefia na Divisão de Combate a Crimes Financeiros e na superintendência da PF em Rondônia. Considerado como o número 02 de Alexandre Ramagem na Abin, em 2007, ele chefiou a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) em Rondônia. Rolando também fez parte da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e é especialista em crimes financeiros.

Em nota, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) afirmou que ele possui “um nome técnico e preparado para assumir a missão em um momento de muitos desafios”. A nota acrescenta que “a Federação não se furtará à defesa intransigente dos trabalhos de investigação da Polícia Federal e de todos os policiais federais, buscando sempre a melhoria e independência das investigações criminais em nosso país”.

Depois de retirar Valeixo do cargo no último dia 24, Bolsonaro nomeou Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). No entanto, após o ex-juiz federal dizer que o presidente queria alguém do seu contato pessoal, para quem ele pudesse ligar e colher informações de relatórios de inteligência, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação na última quarta-feira, falando de princípios de impessoalidade, moralidade e interesse público em sua justificativa. Bolsonaro, no entanto, disse que “não engoliu” a decisão, chamando-a de “política”.

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Bolsonaro chama notícia de fofoca

Ingrid Soares

05/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) caracterizou como “fofoca” as acusações realizadas pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, de que tenha tentado interferir politicamente na Polícia Federal. Pela manhã, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro cumprimentou eleitores e, segurando uma folha de papel sulfite, mostrou a mensagem do print da tela do WhatsApp da conversa entre ele e Moro. Logo abaixo, Bolsonaro escreveu em vermelho, em letras maiúsculas, a frase: “Isso é fofoca”.

No print citado por Bolsonaro e revelado por Moro ao Jornal Nacional como prova para demonstrar interferência na corporação, o chefe do Executivo envia ao ex-ministro uma notícia do site O Antagonista que diz: “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”, e emenda: “Mais um motivo para a troca”, referindo-se ao ex-diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.

“Essa é a acusação mais grave contra a minha pessoa”, disse Bolsonaro, apontando para a folha de papel. “Aqui tem o print de uma matéria do 'O Antagonista'. Embaixo está escrito, eu escrevi embaixo. “Mais um motivo para troca”. Estão me acusando por causa disso, dizendo que estou interferindo na PF. Não é isso? E estou dizendo que é fofoca embaixo, tá ok?”, ironizou.