Correio braziliense, n. 20803 , 07/05/2020. Saúde, p.14

 

Vacina experimental protege macacos

Vilhena Soares

07/05/2020

 

 

Cientistas chineses desenvolvem fórmula capaz de neutralizar 11 cepas do Sars-CoV-2 em cobaias. Em roedores, a PiCoVacc aumenta 10 vezes a estimulação de anticorpos em comparação com pessoas curadas da covid-19. Testes clínicos devem ser realizados ainda este ano

A busca de uma vacina para a covid-19 segue a todo vapor, e mais uma das candidatas à imunização para a doença, que acomete mais de 3,7 milhões de pessoas em todo o mundo, foi apresentada, ontem, por cientistas chineses. Chamada de PiCoVacc, a fórmula foi aplicada em ratos e macacos infectados com Sars-CoV-2, com sucesso: provocou uma estimulação de anticorpos 10 vezes maior do que em pacientes já curados. Com os resultados descritos na última edição da revista americana Science, a vacina deve ser testada em pessoas ainda este ano.

Uma das estratégias mais exploradas em estudos de imunização é o uso do vírus inativado e purificado, ou seja, sem poder de transmissão. Isso faz com que o patógeno possa ser usado com segurança. “Esse tipo de método tem sido muito usado no desenvolvimento de vacinas, e com muito sucesso, como no caso da influenza (gripe) e o poliovírus (poliomelite). Por isso, resolvemos explorar a mesma estratégia para a covid-19”, destacaram os autores do estudo, que foram liderados por Qiang Gao, pesquisador do laboratório Sinovac Biotech, na China.

Os cientistas isolaram 11 cepas do vírus Sars-CoV-2 de 11 pacientes hospitalizados na China, na Itália, na Suíça, na Reino Unido e na Espanha. Os pesquisadores selecionaram uma delas, que foi usada como candidata à vacina, batizada de PiCoVacc. Em testes com ratos, o fármaco experimental aumentou em 10 vezes a quantidade de anticorpos que agem contra a proteína de pico do vírus (a molécula responsável pela replicação do patógeno no organismo), em comparação com pacientes já recuperados da covid-19.

A vacina foi capaz de gerar o mesmo nível de proteção nas cobaias infectadas com as 10 cepas restantes do vírus. “Todos esses resultados nos mostraram que a PiCoVacc é capaz de obter respostas extremamente efetivas na estimulação do sistema imune”, frisaram os pesquisadores.

Dosagem

Na segunda etapa do estudo, os cientistas testaram a PiCoVacc em macacos, em quantidades distintas: doses de 1,5 micrograma ou 6 microgramas, todas aplicadas três vezes ao longo de duas semanas. Como resultado, os pesquisadores observaram que todos os primatas não humanos, em quaisquer das cepas testadas, mostraram uma ação maior do sistema imune.

Os pesquisadores constataram, porém, que o grupo que recebeu as dosagens maiores do fármaco se mostrou totalmente protegido do novo coronavírus. “Vimos que o resultado de 6 microgramas foi maior e totalmente efetivo. Outro ponto positivo é que, por meio do monitoramento de sinais clínicos, do índice hematológico e análise microscópica de tecidos feitos nos macacos, conseguimos observar que a vacina é segura”, ressaltaram os cientistas.

Como o estudo ainda é inicial, os cientistas destacam que mais análises são necessárias para entender melhor o comportamento da vacina no organismo. “Coletivamente, esses resultados sugerem um caminho a seguir para o desenvolvimento das vacinas para Sars-CoV-2 que possam ser usadas em seres humanos. Os ensaios clínicos com PiCoVacc devem começar ainda este ano”, anunciaram os autores do estudo.

Ana Karolina Barreto Marinho, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), destaca que os dados obtidos no estudo científico chinês são extremamente positivos e animadores. “Esse é um grande avanço, pois os resultados dos experimentos com animais foram muito satisfatórios, e obtidos com segurança. Outro ponto muito positivo é que os ganhos foram os mesmos em todas as 10 cepas testadas, algo que mostra como a vacina pode ser eficaz em diferentes tipos de mutação do vírus”, detalhou a especialista brasileira.

A médica ressalta que o uso do vírus desativado é algo muito benéfico pois faz com que a fórmula possa ser usada por pessoas que tenham problemas imunes, sem riscos. “Nesse tipo de estratégia, o uso de apenas partes do patógeno, todas ‘desativadas’, impede que indivíduos que sofrem com um problema autoimune, e que já possuem um sistema de defesa comprometido, reajam de forma negativa à vacina, o que reforça o nível de segurança”, opinou, acrescentando. “Acredito que um próximo passo importante é testá-la em um número reduzido de pacientes, e tendo resultado positivo, expandir para mais pessoas.”

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As lhamas como aliadas

07/05/2020

 

 

Um grupo de pesquisadores internacionais anunciou, ontem, a descoberta de um anticorpo presente em lhamas, que consegue combater o vírus Sars-CoV-2. Apresentada na última edição da revista Cell, a molécula pode ajudar futuramente no desenvolvimento de um medicamento para a doença.

No estudo, os pesquisadores explicam que, desde o início da pandemia de covid-19, especialistas buscam incessantemente moléculas que possam ajudar no desenvolvimento de medicamentos. Nessa procura contínua, a equipe encontrou um anticorpo derivado de lhamas que se mostrou promissor em testes laboratoriais.

Os cientistas observaram que a molécula se ligou facilmente às proteínas do vírus, que são de vital importância para o patógeno. Esse vínculo é importante, pois permite que o anticorpo consiga entrar nas células hospedeiras. “Ao ter acesso a essas proteínas, o anticorpo pode neutralizar o vírus. Este é um passo importante na busca de um medicamento antiviral contra a covid-19”, detalhou, em um comunicado à imprensa, Xavier Saelens, líder do estudo e chefe do Centro de Biotecnologia Médica VIB-UGent, na Bélgica.

“Esse é um passo muito importante na luta contra essa enfermidade”, ressaltou Saelens, que contou com a ajuda de cientistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.  Os pesquisadores destacam que, embora os primeiros resultados sejam altamente promissores, mais pesquisas são necessárias para confirmar o potencial do anticorpo, e confirmar se ele pode ser usado como um fármaco de combate à Covid-19.

“Buscamos resultados ainda mais positivos, e acredito que iremos conseguir, pois temos um bom trabalho em equipe, algo crucial. A chave para o progresso que fizemos é a colaboração de longa data com esses parceiros. O momento em que observamos a neutralização do vírus nessas experiências iniciais foi um sentimento de vitória coletiva”, frisou Saelens.