Correio braziliense, n. 20803 , 07/05/2020. Economia, p.7

 

Desigualdade cai, mas continua vergonhosa

Renata Rios

Jailson R. Sena*

07/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » PNAD Contínua divulgada ontem constata que Índice de Gini teve discreta melhoria, de 2018 para 2019, mas outros dados sobre a população ainda mostram uma imensa distância entre ricos e pobres, que vão pagar a pesada conta a ser trazida pela pandemia

Em um país marcado pela desigualdade social, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram uma ligeira queda nesse cenário. O Índice de Gini do rendimento domiciliar per capita variou nos anos de 2018 e 2019, entre 0,545 e 0,543. Apesar da melhora sutil, a renda média da população, de 2018 para 2019, caiu de R$ 2.317 para R$ 2.308.

“Temos uma boa e uma má notícia. A má é que a recuperação da economia, em termos de renda, perdeu força. Caiu um terço em 2019 comparada a 2018. A boa é que a desigualdade, que vinha aumentando, começou a cair”, analisa o professor Marcelo Neri, diretor do FGV Social. Mesmo assim, ele destaca que a desigualdade no Brasil é imensa. “Tem efeito sobre saúde e escolaridade. Temos uma série de custos sociais causados por ela. A própria pandemia ilustra isso: grupos mais pobres podem ser ainda mais afetados”, aponta.

Alessandra Brito, analista do IBGE responsável pela pesquisa, salienta que o Brasil é um dos países com o Índice de Gini mais alto do mundo. Ela explica que “acima de 0,5 o índice é considerado alto. Tivemos um movimento de redução, de 2012 até 2015. Em 2016 voltou a subir e, agora, em 2019, tem uma tendência de queda”.

A pesquisadora complementa que, apesar da melhora, o Índice sempre foi alto no Brasil. Ela observa que o processo para diminuir as distorções é longo e que esse cenário é resultado de um país historicamente desigual. “Escravidão, não inserção no mercado de trabalho, diferenças de rendimento por cor ou por sexo... Isso tudo vai se somando e formando esse número”, descreve.

Problemas crônicos

O distanciamento entre as camadas sociais pode ser percebido em outra discrepância: enquanto metade da população recebia, em média, R$ 850, 1% dos brasileiros tem rendimento médio mensal de R$ 28.659.

Marcelo Neri destaca que a falta de infraestrutura e a má distribuição de renda são coisas que agravam a situação atual. “A PNADC permite olhar isso no universo do Brasil como um todo. Os problemas mudam de acordo com a região. Brasília, por exemplo, tem a maior renda, mas também a maior desigualdade. Ou seja, poucas pessoas se beneficiam e isso gera um certo desperdício social”, explica.

Mas não é apenas entre as regiões que as diferenças ficam gritantes. Outro dado que chama a atenção no levantamento é a discrepância entre o rendimento médio de brancos e pretos: enquanto o primeiro grupo tem uma média de rendimento mensal de R$ 2.999, no segundo o número despenca para R$ 1.673 –– e R$ 1.719 entre os pardos.

“Os grupos tradicionalmente excluídos, como negros, mulheres, trabalhadores da área rural, tendem a perder mais do que a média”, explica Marcelo Neri. “O Brasil desaprendeu, nos últimos anos, a cuidar dos muitos pobres. Isso é muito preocupante”, lamenta.

Barreiras

Os números também mostram que diferença de salários entre homens e mulheres parece ser intransponível. A mão de obra masculina, que tem média de rendimento de todos os trabalhos em R$ 2.555, recebe 28,7% a mais que as mulheres, que ganham em média de R$ 1.985.

Para Marcelo Neri, apesar do cenário desfavorável, as mulheres estão conseguindo, aos poucos, diminuir a diferença. “As mulheres fizeram o dever de casa no ponto de vista escolar. E elas estão relativamente bem posicionadas”, diz, creditando tal melhoria à educação.

“Apesar de se achar que a educação não faz muita diferença, seu retorno para o Brasil faz, sim, uma diferença gigantesca”, confirma Neri.

Em números, é gritante a diferença: enquanto uma pessoa sem instrução recebe cerca de R$ 920, um profissional com ensino superior completo tem média de rendimento de R$ 5.108. “Nos últimos cinco anos, a renda dos analfabetos caiu e a de quem tem superior completo passou a crescer”, detalha o professor.

*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi

Uma balança social desequilibrada

»  Metade dos brasileiros sobrevivia, em 2019, com apenas R$ 438 mensais. Ou seja, quase 105 milhões de pessoas tinham menos de R$ 15 por dia para satisfazer todas as suas necessidades básicas;

»  Os 10% mais pobres –– equivalente a 20,95 milhões de pessoas ––, sobreviviam com apenas R$ 112 por mês, ou R$ 3,73 por dia. Em relação a 2018, houve uma melhoria de 0,9% na renda média dessa parcela da população, mas inexpressiva em termos financeiros, pois trata-se de apenas R$ 1 real a mais;

»  No estrato mais rico da sociedade, apenas 1% dos brasileiros mais abastados vivia com R$ 17.373 mensais. Significou um aumento de renda de 2,7% para um grupo de pessoas que, em 2019, era de pouco mais de dois milhões de pessoas;

»  Na média nacional, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita foi de R$ 1.406. No Norte (R$ 872) e no Nordeste (R$ 884) ficou abaixo do salário mínimo (R$ 998), mas, no Sudeste, alcançou os R$ 1.720;

»  A massa de renda domiciliar obtida de todas as fontes totalizou R$ 294,396 bilhões, em 2019, mas também distribuída de forma desigual. A parcela dos 10% dos brasileiros com os menores rendimentos detinha 0,8% dessa riqueza, enquanto os 10% mais ricos concentravam 42,9% dela;

»  Em 2019, a concentração de riqueza aumentou na região Nordeste, mas, na região Norte, houve melhora na desigualdade. A renda per capita no Nordeste teve o maior crescimento entre as regiões brasileiras (4,5%), mas puxada pelos ganhos dos mais ricos;

»  Na passagem de 2018 para 2019, o Norte teve redução de 5,3% no rendimento médio domiciliar per capita. Houve perda de poder aquisitivo em todas as faixas de rendimentos, especialmente entre os mais ricos. Ainda assim, a fatia 1% mais rica recebia R$ 9.937 mensais, contra apenas R$ 73 obtidos pelos 10% mais pobres. Metade dos moradores do Norte sobrevivia com R$ 273 mensais no ano passado;

»  Um em cada cinco trabalhadores brasileiros recebia menos da metade do salário mínimo em 2019. A renda média entre os 20% com menores rendimentos do trabalho era de apenas R$ 471 no ano passado. Se considerados os 50% com menores salários, ou seja, metade de todos os trabalhadores em atividade, a renda média subia a R$ 850, ainda aquém do piso de R$ 998, determinado por lei, em 2019.

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Recebimento do BPC será antecipado

Marina Barbosa

07/05/2020

 

 

Os brasileiros de baixa renda que estão na fila de espera do Benefício de Prestação Continuada (BPC) poderão receber uma antecipação de R$ 600 do auxílio nos próximos três meses. De acordo com o governo, até 177,5 mil idosos e pessoas com deficiência que deram entrada no pedido devem ser beneficiadas. E, desses, 127,7 mil já têm condições de sacar nas agências do Banco do Brasil, que “aguarda orientações do INSS para verificar o escopo e a abrangência desses pagamentos” e, assim, evitar a formação de filas nas agências.

A antecipação do BPC, regulamentada por portaria conjunta do Ministério da Cidadania e da Previdência Social, ontem, tenta ajudar essas pessoas durante a crise do novo coronavírus, pois as agências do INSS, que fazem a análise e a concessão do benefício, estão fechadas devido à pandemia. Porém, a regulamentação veio mais de uma mês depois de a antecipação ter sido autorizada pela Lei 13.982. O governo não explicou o motivo do atraso, mas ressaltou que a medida vai garantir que as pessoas que estão aguardando a conclusão da análise do pedido do BPC tenham acesso a uma provisão mínima durante.

Mais 20,2 mil pessoas receberão os R$ 600 na próxima folha de pagamento de benefícios assistenciais do INSS, que vai de 25 de maio a 5 de junho. Mas outros 30 mil requerentes não receberão a antecipação porque ainda estão pendentes de alguma regularização cadastral. O INSS garantiu que esses casos estão sendo tratados de forma célere para que possam ser incluídos no rol de beneficiados o mais rápido possível.

Para saber se tem direito à antecipação e o local de saque do benefício, as pessoas de baixa renda que estão na fila de espera devem procurar o INSS pela central telefônica 135 ou pelo aplicativo “Meu INSS”, que pode ser acessado pelo computador ou pelo celular.

O INSS lembra que o BPC destina-se aos idosos e às pessoas de baixa renda com deficiência. Para receber a antecipação, o requerente deve enquadrar-se nas regras de renda familiar do benefício –– não pode receber mais de um quarto do salário mínimo. Essa informação, bem como o registro da deficiência, quando for o caso, deve estar registrada no CadÚnico.

Prazo

A antecipação do BPC será paga por até três meses ou até que o INSS realize a avaliação médica e social necessária à concessão. “A antecipação do valor acima mencionado se encerrará tão logo seja feita a avaliação definitiva do requerimento de BPC”, informou o INSS, que está trabalhando de forma remota até pelo menos o próximo dia 22.

Os valores que forem antecipados nesse período serão descontados do pagamento do benefício se, mais à frente, o governo reconhecer o direito do requerente ao BPC. Quem tiver a concessão negada, não vai precisar devolver as três parcelas de R$ 600 para o governo.