Valor econômico, v.20, n.4972, 01/04/2020. Especial, p. A14

 

"Orçamento de guerra" chega a 2,6% do PIB

Mariana Ribeiro

Fabio Murakawa

Isadora Peron

Rafael Bitencourt

01/04/2020

 

 

As medidas econômicas colocadas em prática para fazer frente ao avanço da pandemia de coronavírus no chamado "orçamento de guerra" já somaram 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), disse ontem o ministro da Economia, Paulo Guedes. Em coletiva à imprensa no Palácio do Planalto, o ministro reforçou que a instrução do presidente é para que "nenhum brasileiro fique para trás" e que, por isso, o gasto pode aumentar.

"Já estamos em 5,2% de déficit global e vamos subir, vamos continuar subindo", afirmou, citando que a ações emergenciais já chegam a R$ 750 bilhões, incluindo frentes como a antecipação de benefícios, novos gastos e a liberação de crédito. Guedes afirmou que, do ponto de vista do déficit primário, estamos gastando "bem mais do que qualquer país da América Latina".

O ministro disse também que, considerando a renda per capita, o auxílio de R$ 600 aos informais no país é da mesma magnitude da ajuda dada pelos Estados Unidos a seus trabalhadores. Segundo ele, o auxílio terá impacto de R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões e será a "maior rede de proteção" da história do país. O governo tem sido criticado pela demora na implementação da medida, já aprovada pelo Congresso Nacional. Na Alemanha, o pacote chega a 12% do PIB e na Inglaterra, a 17% do PIB, números bem maiores que os do Brasil.

Guedes, que retornou a Brasília nesta semana após uma temporada no Rio de Janeiro, enumerou uma série de medidas já anunciadas pelo governo para fazer frente à crise e, sem dar detalhes sobre o formato da iniciativa, disse que a complementação salarial para trabalhadores formais "pode sair a qualquer momento". A ação deve custar cerca de R$ 50 bilhões, segundo informou o ministro.

Destacou ainda a importância da decretação do estado de calamidade pública, que libera o governo do cumprimento da meta fiscal para o ano, de déficit de R$ 124,1 bilhões, e disse que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu a flexibilização do cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), dá segurança jurídica para implementação das medidas. Pontuou, no entanto, que ainda há "entraves técnicos" para a liberação de recursos e agradeceu ao Congresso por estar se articulando pela aprovação do "orçamento de guerra", que buscará separar o orçamento de crise.

O ministro elogiou também o trabalho do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem "administrado os impactos sobre a saúde", mas destacou que é "perfeitamente válido" que o presidente Jair Bolsonaro faça um apelo em relação à economia". "Vemos uma onda que também pode ser enorme e desesperadora", afirmou.

Mandetta tem mantido a defesa ao isolamento para combater o avanço do vírus. Segundo Guedes, será preciso encontrar um equilíbrio entre o período necessário de isolamento e "o que economia aguenta". "Essa sensibilidade nós temos que ter, estamos acompanhando", afirmou.

Questionado sobre a alta do desemprego no trimestre encerrado em fevereiro, Guedes minimizou a situação e enfatizou o desempenho da arrecadação antes do agravamento da crise. Segundo ele, os dados mostram que a economia brasileira "estava decolando".

Ele afirmou que a arrecadação de fevereiro foi a segunda maior da história para o mês e que nos primeiros 15 dias de março estávamos com as receitas crescendo "20% acima do previsto". Os dados de fevereiro, que deveriam ter sido divulgados em março, ainda não foram liberados pelo Fisco.

O ministro destacou ainda que são 40 milhões de pessoas sem carteira de trabalho no país e o Brasil "ignorou" isso nas suas estatísticas. Ele exemplificou dizendo que se você perguntar para o informal que vende bala se ele está procurando emprego, ele diz que não, ficando fora das estatísticas. Guedes rebateu a pergunta dizendo ainda que o sistema trabalhista e previdenciário é uma "arma de destruição em massa de empregos" e o país fica "analisando mudanças na margem".

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Hesitação mostra regras descalibradas para crise

Fabio Graner

01/04/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou ontem que, mesmo com decretação de calamidade e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) eliminando algumas exigências fiscais, as ações dele e sua equipe ainda estão sob o temor de futura responsabilização por descumprimento de regras fiscais. Guedes vinculou o pagamento do benefício extraordinário de R$ 600 a encontrar fontes orçamentárias e pediu a aprovação da PEC Emergencial para agilizar isso.

Um interlocutor do governo explicou que a menção do ministro a esse dispositivo é porque ele retiraria a obrigação de se cumprir a "regra de ouro" das contas públicas, que proíbe o país de se endividar para fazer gastos correntes, e desvincularia fontes de recursos para o pagamento de despesas. Isso porque a edição de créditos extraordinários, ainda que drible o teto de gastos, não liberaria de outras obrigações, na visão de pelo menos uma parte da equipe econômica. Na prática, isso deve constar da PEC do "Orçamento de Guerra", que está sendo desenhada entre governo e Congresso.

Nesse quadro, a postura titubeante de Guedes indica que as regras fiscais brasileiras não estão adequadamente desenhadas para fazer frente a uma emergência como a atual. Em especial em um país com a memória ainda fresca de um impedimento de uma presidente da República por questões fiscais.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, no entanto, aponta que o problema não estaria nas regras fiscais. "É falta de saber como usar", disse. No seu entendimento, o decreto de calamidade pública, ao permitir que não se cumpra a meta fiscal, na prática já coloca o endividamento como fonte para as despesas feitas nesse período.

Ele também defende que o governo explicite o quanto precisará para agir e reforça necessidade de se garantir a transparência da ação governamental na crise.

Salto lembra que o governo ainda dispõe do instrumento de edição de créditos extraordinários para não ter que cumprir o teto de gastos e garantir a inclusão dessa despesa no orçamento. "Não precisa de nenhum mudança legislativa. A fonte orçamentária é dívida. É preciso deixar de lado o liberalismo. Agora é melhor ter atuação eficiente do Estado".

Outros analistas apontam que bastaria ao governo pedir ao Congresso para descumprir a regra de ouro, o que poderia já ter ocorrido há um mês, e executar a despesa.

Seja qual for a razão, a demora custa caro para quem mais está precisando do dinheiro.

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Cenário se dissolve e acerela revisões do PIB para baixo

Arícia Martins

Ana Conceição

Victor Rezende

01/04/2020

 

 

As perspectivas de redução maior do nível de atividade global e doméstico em razão do coronavírus seguem desencadeando revisões pessimistas para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil. Ontem, quatro instituições divulgaram seus novos números para 2020, que vão de recuo de 2,5% até retração de 1%.

Em sua primeira atualização de cenário desde o começo de março, quando ainda trabalhava com expansão de 2% da economia brasileira, o Bradesco passou a projetar queda de 1% do PIB na média anual. O banco espera contração de igual magnitude do PIB global.

"O país vinha exibindo uma recuperação econômica gradual e esperava-se aceleração do crescimento com a eventual aprovação de novas reformas econômicas, mas o processo foi interrompido", diz o departamento econômico chefiado por Fernando Honorato, em relatório.

A nova estimativa considera que a duração do período de confinamento e as medidas econômicas para atenuar a crise vão evitar tombo maior do PIB no ano. Mesmo assim, as simulações do Bradesco indicam que a economia pode recuar 1% no primeiro trimestre ante os três meses anteriores, feitos os ajustes sazonais. No segundo trimestre, a queda poderia chegar a 4,5%.

Pela ótica da demanda, o consumo das famílias deve diminuir 1,2% em 2020, calcula o banco, enquanto a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das Contas Nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação) deve ficar 2% menor em relação a 2019.

Do lado da oferta, os economistas do Bradesco apontam que o setor mais atingido será o de serviços, cujo PIB deve encolher 1,2% no ano. Já a indústria deve ter contração de 0,8% e o setor agropecuário, alta de 1%. "Nesse cenário, a taxa de desemprego se elevará de 12,1% em 2019 para 13,3% em 2020", estimam eles.

Também em revisão publicada ontem, o Banco Inter projeta que o PIB vai cair 1,7% em 2020 por causa do impacto da pandemia sobre a produção e o consumo. A estimativa anterior era de crescimento de 2,1%.

A instituição espera que o efeito mais significativo ocorra no segundo trimestre, período em que a produção industrial deve recuar 15% sobre o mesmo período de 2019, com redução de 20% no varejo e nos serviços. De abril a junho, o PIB deve encolher 9% na mesma comparação.

"Baseamos nossas estimativas no impacto observado na economia chinesa entre janeiro e fevereiro. Essa queda pode ser maior caso a quarentena, principalmente o fechamento do comércio, se prolongue além do mês de maio", diz a economista-chefe Rafaela Vitória, em relatório.

Para Dev Ashish, economista para América Latina do Société Générale, o mais provável é que a economia brasileira enfrente todo o impacto do vírus em março e no segundo trimestre de 2020. Os efeitos negativos, no entanto, podem se estender pelo terceiro trimestre, período de inverno no país, alerta Ashish em relatório, no qual estima contração de 2% do PIB brasileiro no ano.

Em bases anualizadas, o banco francês projeta redução de 4,9% e 11% do PIB no primeiro e segundo trimestres, respectivamente, com volta ao campo positivo já no terceiro trimestre (alta de 2,1%).

Na ponta mais pessimista, Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, estima que apenas o último trimestre de 2020 deve registrar crescimento, de 2,5% sobre o terceiro na comparação com ajuste sazonal. Na média anual, Oliveira espera queda de 2,5% do PIB, projeção que era de alta de 0,8% antes.

A atualização levou em conta recuo mais expressivo do PIB global do que o previsto anteriormente, assim como efeito maior das necessárias medidas de distanciamento social no Brasil sobre a economia doméstica, explica o economista-chefe do Fibra.

"Mesmo levando em conta o efeito positivo de parte das medidas [do governo para mitigar os impactos da crise], estamos revisando para baixo novamente a estimativa de crescimento para o PIB em 2020", aponta Oliveira.

Segundo ele, o PIB do setor de serviços deve recuar 2,1% neste ano, enquanto o industrial deve cair 2,6%. Já o setor agropecuário deve crescer 3% por causa da safra recorde no país. Com a retração da atividade, a taxa de desemprego média em 2020 deve aumentar para 13,3%, ante 11,9% no ano passado, prevê.