Valor econômico, v.20, n.4972, 01/04/2020. Brasil, p. A3

 

Com maior demanda, luz amarela acendeu no SUS, diz analista

Leila Sousa Lima

01/04/2020

 

 

Relatos de profissionais de saúde já dão conta de falhas no atendimento em postos e hospitais, tanto no setor público quanto privado, no enfrentamento ao coronavírus. Isso vai desde a dificuldade de acesso da população a serviços de atenção primária, passando por emergências, até o adiamento de cirurgias eletivas. Mas é algo insipiente e não muito distante de realidades já enfrentadas em algumas regiões mais precárias do país antes da pandemia, diz Adriano Massuda, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador visitante no Departamento de Saúde Global e Populações da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Apesar disso, alerta ele, a fragilidade na coordenação assistencial no SUS em algumas localidades deve ser vista como sinal amarelo por gestores e pelo próprio Ministério da Saúde.

"A resposta à pandemia no Brasil dependerá da manutenção de medidas mitigatórias, da antecipação aos seus momentos mais críticos e da velocidade na reorganização da rede assistencial para atender pacientes infectados pelo coronavírus", diz o sanitarista. Ele tem conversas frequentes com colegas em países mais atingidos pela pandemia para coletar informações, como Itália e Espanha, e com profissionais brasileiros, de quem tem escutado queixas sobre dificuldade para atendimento de outras emergências que não são de pacientes infectados por covid-19.

"Quem não tem covid-19 já não está conseguindo acessar serviços em algumas cidades. Soube de duas maternidades no Paraná que foram fechadas para casos de coronavírus, e as gestantes tiveram dificuldade para ser atendidas", conta. O sanitarista pondera, contudo, que é preciso uma reorganização assistencial neste momento de crise, mas isso precisa ser bem coordenado e comunicado à população para não promover desassistência e aumentar ainda mais o problema de saúde pública. Essa situação não é exclusiva do Brasil. Em muitos países, os atendimentos mais básicos estão sendo feitos por telefone, para minimizar atendimentos presenciais, conta ele.

Segundo Massuda, a sobrecarga ainda não é um grande problema na chamada "primeira fase da pandemia" no Brasil. Mas pode vir a se tornar em função das fragilidades inter-regiões e dentro das próprias regiões, devido ao modelo brasileiro de gestão descentralizada. Dessa forma, o êxito nas respostas regionais depende de decisões locais acertadas em aumentar a resiliência do sistema.

"As informações disponíveis não indicam sinais de colapso, porém isso pode mudar a qualquer momento. O crescimento da demanda é um processo que não ocorre de uma hora para a outra", diz o especialista. "Verifica-se um esforço importante para ampliação de leitos hospitalares. Mas, além da ampliação da estrutura, é importante ter capacidade de gestão para uso eficaz dos recursos que estão disponíveis."