Correio braziliense, n. 20802 , 06/05/2020. Brasil, p.7

 

País tem recorde de mortes e PA impõe lockdown

Maria Eduarda Cardim

Maíra Nunes

06/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Brasil registrou ontem 600 mortes pelo novo coronavírus em 24 horas, chegando a 7.921. Pelo país, governadores e prefeitos endurecem regras de isolamento social: Belém decretou bloqueio total e Ceará estendeu quarentena, com normas mais rígidas em Fortaleza

A cada dia o Brasil bate novo recorde da pandemia do novo coronavírus. Após superar a China, onde a doença se originou, o país apresentou, ontem, 600 mortes, o maior número registrado em um só dia. Segundo o último levantamento, o país chegou a 7.921 óbitos. Outros 6.935 casos confirmados da Covid-19 foram acrescentados em 24 horas, somando 114.715 registros. O ministro da Saúde, Nelson Teich, não esteve presente na coletiva do Ministério da Saúde. Coube ao secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, esclarecer as informações.

Nove estados, em especial, são os mais afetados pela doença, com mais de 100 mortes cada um: São Paulo (34.053), Rio de Janeiro (12.391), Ceará (11.470), Pernambuco (9.325), Amazonas (8.109), Maranhão (4.530), Pará (4.472), Bahia (4.040) e Espírito Santo (3.402). Em todas essas unidades federativas, as capitais são o epicentro da doença até o momento. O município de São Paulo registra 20.848 casos confirmados. A capital também soma 65% das 2.851 mortes em todo o território paulista, com 2.627.

Pouco antes da divulgação dos dados, o presidente Jair Bolsonaro disse que não sabia se tinha sido registrada queda de mortes e, se confirmada uma redução, seria “sinal de que o pior já passou”. Crítico do isolamento social, Bolsonaro tem defendido reabrir o comércio e diz temer colapso econômico. Os estados, porém, foram em sentido oposto ontem.

No dia em que a Ilha de São Luís, no Maranhão, primeiro estado a adotar bloqueio total para tentar frear a pandemia do novo coronavírus, começou a vivenciar o lockdown, mais cidades anunciaram que adotarão o modelo de distanciamento social mais rígido. Ontem, a capital do Ceará, Fortaleza, anunciou que a medida valerá a partir de sexta-feira. No Pará, 10 municípios passarão a viver a realidade de quarentena mais severa nesta quinta-feira.

As medidas tentam impedir que o número de óbitos e infectados cresçam ainda mais. Ambos os estados estão na lista das unidades federativas que já registraram mais de 100 mortes pela doença. No Pará, 4.756 pessoas testaram positivo para a Covid-19, que deixou 375 vítimas fatais na região. Já o Ceará tem 11.470 casos confirmados e 795 óbitos, sendo 8.509 infectados e 609 mortes em Fortaleza.

As novas regras foram anunciadas pelo governador Camilo Santana, que explicou que a decisão foi tomada após uma série de estudos e pesquisas. “Nós temos os números que comprovam que o nível de isolamento social reduziu muito, refletindo no aumento no número de casos e óbitos no Ceará, principalmente em Fortaleza. Mesmo com todo o esforço de abrir mais de mil novos leitos, o nosso sistema de saúde está chegando ao limite”, justificou.

No Pará, o lockdown engloba a maioria da região metropolitana de Belém, que soma sozinha quase metade do número de casos da doença e 198 óbitos, além de Vigia de Nazaré, Santo Antônio do Tauá e Breves. Os municípios apresentam média igual ou maior que 75 casos para cada 100 mil habitantes. Eles entraram no regimento mais severo por terem índice de contaminação 50% maior que a média do estado, que é de 51 casos confirmados para cada 100 mil habitantes.

“Sei que é uma medida difícil, mas temos, neste momento, que salvar a vida da população”, disse o governador Helder Barbalho. Nos primeiros dias, os habitantes das cidades submetidas ao bloqueio serão monitorados em caráter educativo. A partir de domingo, o descumprimento das novas regras poderá resultar em punições.

Frase

“Desses 600 óbitos, 25 (pessoas) evoluíram para o óbito no dia de hoje (terça-feira), ou seja, morreram hoje; 51 morreram ontem. Não são 600 óbitos que aconteceram nas últimas 24 horas. Algumas já tinham falecido, lamentavelmente”

Wanderson de Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde

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Militares treinam linha de frente

Bruna Lima

6/05/2020

 

 

O técnico de enfermagem Alan Patrick do Nascimento, de 38 anos, contraiu o novo coronavírus em meio à rotina de trabalho no Hospital Carlos Chagas, Penha, Rio de Janeiro. Sem leitos de UTI disponíveis, ele precisou ser transferido para o Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda, e não resistiu às complicações. Morreu no último dia 22. De acordo com a mãe, Regina Leonora, não havia equipamento de proteção individual (EPI) adequado para o filho. Após a perda, ela passou a distribuir EPIs nos hospitais do Rio. Ontem, usou as redes sociais para buscar reforço na empreitada: “Nossos guerreiros de frente estão morrendo, não tem equipamento e estão morrendo de cara limpa. Em breve não teremos esses guerreiros para trabalhar, nos ajudar, se ficarem doentes”.

Na tentativa de evitar que médicos, enfermeiros e técnicos acabem sendo os mais expostos ao vírus, migrando de esforço para demanda no combate à pandemia, o treinamento e fornecimento de EPIs têm papel fundamental. Pensando nisso, hospitais militares começaram a treinar, ontem, profissionais de saúde das Forças Armadas, para atuar em emergências clínicas e cuidados intensivos com pacientes infectados.

A médica neurologista e militar de carreira Rebeca Bizzotto se voluntariou para um treinamento oferecido pelo Hospital das Forças Armadas (HFA), a fim de estar apta a atender pacientes infectados. “É uma situação que nunca presenciamos e temos que estar preparados, independentemente da situação da sua cidade, porque não sabemos a velocidade de agravamento. Faz parte do senso de responsabilidade da nossa profissão”, destacou.

A médica faz parte do primeiro grupo de profissionais da saúde a receber o treinamento oferecido por hospitais militares. Até o fim de maio, 480 profissionais da saúde deverão passar pela formação. Por semanas, são treinados 40 médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem. Entre os assuntos abordados estão protocolos de intubação, tratamento, uso de ventilação de arritmias mecânica e procedimentos de segurança para proteção individual e coletiva.

No Rio, as aulas acontecem na Escola de Saúde do Exército (EsSEx), no Rio Grande do Sul, são ministradas no Hospital de Aeronáutica de Canoas (HACO), em Canoas. São dois dias de aula, com carga horária de 16 horas de curso. “O melhor do mundo, para nós, é a troca de informações. Muitos dos profissionais que vêm aqui já tem expertise na atuação do combate ao coronavírus. Quando trazem esses conhecimentos, nós também modificamos os processos. Então, é uma questão dinâmica. Não acreditamos em outra solução para essa pandemia senão uma união dos objetivos comuns”, afirma o diretor técnico de ensino e pesquisa, brigadeiro Geraldo José Rodrigues.

Higiene

As condutas de higiene ao deixar o ambiente hospitalar também são fundamentais para evitar a infecção. “O profissional precisa seguir toda uma sequência de desparamentação, seguida pela higienização. Em um momento de cansaço, de pressa, um mínimo deslize pode expor. Há uma linha muito tênue em fazer isso com segurança e acabar se infectando”, explicou a enfermeira especializada em doenças infecciosas tenente Dalva Ghilardi.

Há 16 anos atuando na área, Dalva treina profissionais da saúde para atuarem no combate à Covid-19. O foco do módulo é o aprimoramento das condutas de paramentação e desparamentação. “Em um momento de pandemia, mesmo em países de primeiro mundo, temos uma média de 25% dos profissionais infectados.”

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Jovens são os mais infectados por Covid

Maria Eduarda Cardim

Maíra Nunes

06/05/2020

 

 

Apesar de a maioria das vítimas da Covid-19 ser idosa, a realidade é outra quando se fala da quantidade de pessoas infectadas no país. Das 96 mil notificações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), 58% têm menos de 60 anos. Considerando apenas os casos de SRAG com confirmação de coronavírus, 54% são jovens. Em compensação, 69% das mortes são de idosos, segundo dados do Ministério da Saúde. 

“Inicialmente, parecia que a Covid-19 era uma ameaça apenas aos idosos e aqueles com outros problemas de saúde. À medida que a quantidade de testes foi sendo disponibilizada e o conhecimento da doença vem se ampliando, vimos que jovens e pessoas com menos de 60 anos também podem ser afetados”, relata o Secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, ao ser questionado pelo Correio.

Segundo Wanderson, citando relatório de 16 de março do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, das 508 pessoas hospitalizadas no país à época, 38% tinham entre 20 e 54 anos. O secretário também lembrou dos relatos de autoridades da França e da Holanda, onde metade dos casos graves acometeriam pessoas com menos de 50 anos.

Levantamento de casos estimados pelo portal Covid-19 Brasil mostra que a doença no Brasil está concentrada na faixa etária que vai de 20 a 49 anos.

Especialistas explicam que a tendência vista na pesquisa não pode ser relacionada como um fator biológico, mas, sim, socioeconômico. “Desde o início da pandemia, os jovens têm mais dificuldade de se manter no isolamento social. Normalmente, saem para trabalhar nas áreas que mantiveram o funcionamento. Por não ser do grupo de risco, eles sempre tiveram que sair para trabalhar e acabavam sendo mais expostos”, explicou a médica infectologista Heloísa Ravagnani, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal.

Virologista do Laboratório Exame que integra a Dasa, José Eduardo Levi reforça que o dado não mostra um fator biológico do vírus. “Esta população mais infectada é uma população mais ativa economicamente, que circula mais e que se expõe mais”, afirma.

Levi reforça que o diagnóstico está sendo feito em pessoas com sintomas das doenças, destacando a ausência dos assintomáticos na análise. “O dado de incidência do vírus é enviesado e reflete quem você está testando. Quando fizermos sorologia, teremos mais informações”, explica.