Correio braziliense, n. 20800 , 06/05/2020. Política, p.4

 

Visões diferentes sobre depoimento

Jorge Vasconcellos

06/05/2020

 

 

PODER » Políticos e especialistas têm opiniões divergentes sobre declarações de Moro à Polícia Federal. Uns consideram que ele fez acusações graves; outros, que foi superficial  

Políticos e especialistas expressaram opiniões diferentes sobre o depoimento prestado à Polícia Federal pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as denúncias que o ex-juiz fez contra o presidente Jair Bolsonaro. A íntegra do depoimento foi tornada pública ontem, a pedido da defesa do ex-magistrado. Até mesmo entre representantes da oposição há divergências quanto à capacidade de Moro de comprovar a acusação de que Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal para ter acesso a investigações sigilosas do órgão.

No depoimento, Moro foi ouvido como investigado. Nessa condição, ele poderá ser responsabilizado criminalmente caso não consiga apresentar provas sobre as acusações. O procurador-geral da República, Augusto Aras, ao requerer a abertura do inquérito ao STF, inclui entre os crimes a serem investigados o de denunciação caluniosa.

“Mas será que nem contra o notório Jair Bolsonaro o Sergio Moro consegue apresentar uma prova do que afirmou? Só convicções e atos indeterminados. Os dois se merecem. O Brasil é que não merece esses dois farsantes”, tuitou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR). A mensagem da parlamentar associa o depoimento de Moro à atuação dele quando era juiz federal e condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá (SP).

Já o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ) considerou que o depoimento de Moro reforçou os indícios de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. “Das 27 superintendências da PF no Brasil, o único comando que entrou na mira de Bolsonaro foi a do RJ. Será que isso tem a ver com as relações da família com milícia e matador profissional?”, escreveu o parlamentar no Twitter. Ele citou um trecho do depoimento em que Moro relata o interesse do presidente da República em trocar a chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro. A mudança foi oficializada na segunda-feira, logo após a posse do novo diretor-geral da corporação, Rolando Alexandre de Souza.

O deputado Bibo Nunes (PSL-RS) destacou que, logo no início do depoimento, Moro disse que não acusou Bolsonaro de ter cometido crimes. “Ele já começa o depoimento isentando o presidente do cometimento de crimes. Na minha opinião, o depoimento do ex-ministro, apesar de ter durado mais de oito horas, não trouxe nenhuma novidade em relação às declarações feitas anteriormente”, disse o aliado de Bolsonaro.

Para o advogado criminalista David Metzker, da Metzker Advogados, o depoimento traz novidades em relação a declarações anteriores do ex-ministro. “Todavia, importante esperar a conclusão das investigações para se ter acesso a todo o material. Contudo, o conteúdo do depoimento traz pressões que, a meu ver, fogem da normalidade”, afirmou. “Caso as acusações sejam confirmadas no inquérito, poderão ser imputados ao presidente diversos crimes comuns e de responsabilidade. Por outro lado, se não foram confirmadas as acusações, podem ser imputados ao ex-ministro Moro crimes contra a honra do presidente.”

Cuidado

Na opinião de Thiago Sorrentino, professor de direito do Estado, do Ibmec Brasília, Moro teve um cuidado estratégico, no depoimento, de não imputar a Bolsonaro o cometimento de crimes. “Pelo que foi divulgado pela imprensa até o momento, o depoimento do ex-ministro foi bastante cauteloso, o que pode sugerir uma postura mais defensiva, estratégica, e se trata de uma resposta muito inteligente”, elogiou. “Tomou-se o cuidado de não imputar diretamente ao presidente da República práticas criminosas, mas apenas de oferecer elementos indiciários que poderão, eventualmente, levar à interpretação dos fatos como ilícitos.”

De acordo com Sorrentino, a postura de Moro transfere para o procurador-geral da República, Augusto Aras, um peso e uma responsabilidade muito maiores na formação do convencimento sobre a existência ou não de crimes. “Ainda é cedo para se falar em responsabilidade e consequências políticas, cíveis e penais, quer para o presidente, quer para o ex-ministro, mas, falando em tese e hipoteticamente, elas seriam graves.”

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"Abandonamos qualquer dignidade?"

06/05/2020

 

 

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro se manifestou, mais uma vez, em sua conta no Twitter sobre ser alvo de fake news após a saída do governo Jair Bolsonaro. “Será que abandonamos toda e qualquer dignidade?”, questionou o ex-juiz ao compartilhar uma notícia que desmente o boato de que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto publicou carta pública dizendo que Moro foi infiltrado no governo. O próprio Ayres Britto apontou que a carta é falsa.

No último dia 26, Moro havia dito que tem visto “uma campanha de fake news nas redes sociais e em grupos de whatsapp para desqualifica-lo”. “Não me preocupo; já passei por isso durante e depois da Lava-Jato. Verdade acima de tudo. Fazer a coisa certa acima de todos”, afirmou o ex-juiz na ocasião, em clara referência ao lema do governo Jair Bolsonaro.

Moro tem sido ativo nas redes sociais desde que deixou o governo, e reiterado acusações e críticas a Bolsonaro. No fim de semana seguinte à saída dele do governo, compartilhou uma campanha do Ministério da Justiça. “Faça a coisa certa, pelos motivos certos e do jeito certo, foi o lema de campanha de integridade que fizemos logo no início no MJSP”, afirmou.

A campanha foi citada no pronunciamento em que Moro anunciou sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública e acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente no comando da Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência.

No último fim de semana, o ex-ministro afirmou em seu Twitter que “há lealdades maiores do que as pessoais”, após ter sido chamado de “Judas” pelo chefe do Executivo e por apoiadores do governo.

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Justiça do DF questiona governo

06/05/2020

 

 

O juiz Francisco Alexandre Ribeiro, do Distrito Federal, deu um prazo de 72h para que o Palácio do Planalto apresente informações sobre a troca no comando da Polícia Federal. O coordenador nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubens Alberto Gatti Nunes, entrou, nesta semana, com ação popular na Justiça Federal pedindo a suspensão imediata da nomeação do delegado Rolando Alexandre de Souza para a diretoria-geral da PF.

Um dos pontos levantados na ação é que o presidente Jair Bolsonaro escolheu um nome “alinhado a seus interesses escusos, como ficou evidenciado em seu primeiro ato após empossado” — a troca no comando da Polícia Federal do Rio, área de interesse de Bolsonaro e seus filhos.

Nunes classifica ainda a escolha por Rolando como uma patente burla à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que barrou a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, à chefia da PF. Isso porque Rolando Alexandre é pessoa de confiança de Ramagem, aponta o coordenador do MBL.