Correio braziliense, n. 20800 , 04/05/2020. Economia, p.8

 

Fogo amigo ronda o "Posto Ipiranga"

Marina Barbosa

04/05/2020

 

 

Esforço em manter o protagonismo de Paulo Guedes na condução da política econômica esconde o embate entre o ministro e Rogério Marinho. Articulador da reforma da Previdência no Congresso está por trás do programa Pró-Brasil, versão renovada do PAC

Depois que a crise política se impôs sobre a pandemia do novo coronavírus, provocando duas baixas importantes no governo federal, o presidente Jair Bolsonaro procurou afastar os rumores de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, também estaria prestes a deixar o cargo. O chefe de Estado garantiu, na semana passada, que Guedes é o “homem que decide sobre a economia”. O ministro, que andava sumido dos eventos públicos, logo apareceu ao lado dos companheiros de Esplanada que pareciam contrariar a agenda de ajuste fiscal, para reforçar o discurso de que o “Posto Ipiranga” continua no comando.

Nos bastidores, é sabido, porém, que Guedes ainda não engoliu a ideia do Pró-Brasil. Por isso, rompeu com o idealizador da proposta: o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, principal articulador do governo no Congresso na reforma da Previdência. Segundo líderes do Centrão, grupo fisiológico de partidos que está com trânsito livre no Planalto, Marinho continua peça-chave na negociação para aprovar no Congresso a agenda de reformas.

O atrito entre Paulo Guedes e Rogério Marinho veio à tona logo na saída de Sergio Moro do governo. Naquele dia, Bolsonaro reuniu todos os ministros para lançar um discurso de resposta ao ex-titular da pasta de Justiça e Segurança Pública, mas Guedes roubou a atenção. Não apenas por ser o único ministro de máscara, sem terno e de sapato que parecia uma meia, mas porque, antes de entrar em cena, negou-se a conversar com Marinho. Guedes teria chamado o ministro do Desenvolvimento Regional de “desleal” e “despreparado”. O chefe da equipe econômica não concorda com a proposta de investir R$ 30 bilhões em obras públicas em um plano de retomada no pós-coronavírus, como prevê o Plano Pró-Brasil, apresentado pela Casa Civil, mas concebido prioritariamente por Marinho.

Segundo a equipe econômica, o governo não tem dinheiro para executar esse plano. Por isso, seria obrigado a se endividar mais e a estourar o teto de gastos, que é tido como uma âncora de estabilidade fiscal. Guedes considera que essa não é a melhor maneira de superar a crise da Covid-19. O ministro fez questão de deixar isso claro, comparando o Pró-Brasil ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do PT — um programa que, na visão dele, provocou uma cratera nas contas públicas brasileiras e não surtiu efeito, lançando a economia em um “voo de galinha”. “O caminho do investimento público, o PAC, foi trilhado para o buraco. A solução não pode ser cavar mais fundo, repetir a estratégia, fazer um novo PAC”, disse Guedes, em uma live com o setor varejista.

O ministro ainda lembrou que, por conta de todos esses impasses, o Pró-Brasil deixou o mercado financeiro com dúvidas sobre a disposição do governo de manter a agenda de ajuste fiscal depois da pandemia do novo coronavírus, provocando perdas bilionárias nas empresas brasileiras listadas em Bolsa e elevando a curva do risco-Brasil. Esse clima de incertezas sobre qual seria o caminho da retomada econômica no pós-coronavírus — os investimentos públicos do Pró-Brasil, ou as reformas econômicas que Guedes entende serem necessárias para a atração de investimentos privados e o ajuste fiscal — também incomodou os auxiliares de Guedes. Por isso, eles fizeram questão de mostrar a insatisfação com o “PAC do Marinho” e, nos bastidores, admitiram se sentirem traídos pelo ministro do Desenvolvimento Regional.

A decepção tem explicação. Depois de não conseguir a reeleição como deputado federal do Rio Grande do Norte pelo PSDB, Rogério Marinho foi para o governo Bolsonaro graças a Guedes. Marinho era o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia antes de ser conduzido ao Ministério do Desenvolvimento Regional, com o apoio do Centrão. Foi neste cargo, durante a aprovação da reforma da Previdência, que se sagrou como um dos principais articuladores do governo no Congresso.

Cientes do papel de Marinho junto aos parlamentares — uma vez que Guedes não dispõe da mesma habilidade política — os líderes do governo no Congresso têm tentado minimizar esse desconforto. O presidente Bolsonaro e o ministro da Casa Civil, Braga Netto, fizeram o mesmo movimento, acenando ao mercado que apoiem a agenda liberal de Guedes, de reformas e ajuste fiscal. “Isso está superado. Eles sabem do seu papel e vão buscar a convergência”, disse o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), sobre o atrito entre os dois ministros, que convocaram uma coletiva de imprensa para jurar solidariedade mútua.

Frases

“Haverá pressão pelo aumento dos gastos públicos, que vai na contramão do que o ministro Guedes defende. O governo precisará se posicionar em algum momento”

Fernando Bergallo, diretor de câmbio da FB Capital

“Se depender do Marinho, as coisas vão se acalmar. Não é momento de criar crise ou confusões. Ele vai ter bom senso de não avançar em uma coisa que desestabilize o governo, sobretudo na área econômica”

Samuel Moreira,deputado federal (PSDB-SP)