Correio braziliense, n. 20800 , 04/05/2020. Política, p.4

 

Agência a serviço do Planalto

Renato Souza

04/05/2020

 

 

PODER » Com recursos milionários - este ano podem chegar a R$ 674 mi -, a Abin tem trabalhado, principalmente, conforme interesses de presidentes. Nos últimos anos, tornou-se suspeita de espionar autoridades e agentes políticos desafetos de chefes do Executivo

Equipada com mecanismos de ponta e tendo à mão softwares de última geração para monitorar a internet e dispositivos eletrônicos, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) se aproxima cada vez mais de um órgão que funciona a serviço exclusivo do presidente. Nos últimos anos, o órgão tem se envolvido em situações controversas e se tornou alvo de acusações de espionagem contra desafetos políticos do chefe do Executivo. Ao mesmo tempo em que recebe recurso milionário — neste ano, pode chegar a R$ 674 milhões, de acordo com o Orçamento aprovado pelo Congresso —, a Abin adota pouca transparência em seus gastos. No momento, o diretor-geral do órgão, Alexandre Ramagem, está no centro de uma polêmica envolvendo a troca de comando na Polícia Federal. Ele chegou a ser nomeado para o cargo na corporação, mas foi impedido de assumir por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, Bolsonaro deve escolher outro nome para a PF. Ele pretende escolher alguém próximo a Ramagem.

Atualmente, pelo menos três revelações polêmicas têm a agência como personagem principal. No começo do mês passado, a revista Veja apontou que um grupo de espiões da Abin foi utilizado para monitorar o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A intenção seria encontrar falhas para afundar a reputação dele, que ganhava popularidade em meio à pandemia de coronavírus e de embates com o presidente Jair Bolsonaro. O alvo seriam contratos firmados por dois auxiliares de Mandetta, que seriam adicionados a um dossiê contra o então ministro. Em um deles, teria sido identificado um problema na compra de respiradores para Manaus, que estariam com defeito. Mandetta deixou o governo sem que nenhuma revelação do tipo viesse à tona.

Em outra situação, a Carta Capital revelou que um agente foi alocado como segurança na Universidade de Brasília (UnB) para vigiar de perto professores e estudantes. A notícia causou grande preocupação na reitoria da instituição, que afastou o vigilante e abriu investigação interna. De acordo com a lei que a criou, a Abin serve como órgão de assessoramento do presidente da República e integra o Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído em 1999 para preservar a “soberania nacional, a defesa do Estado democrático de direito e a dignidade da pessoa humana” por meio da “análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”.

Espiões

Em 2018, o Correio recebeu a informação, por meio de uma fonte que cuidava da segurança do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que ele era acompanhado de perto por espiões da agência. De acordo com informações obtidas pela reportagem, as suspeitas eram de monitoramento tanto no local de trabalho de Janot quanto na residência. Na ocasião, a Abin chegou a entrar em contato com a reportagem para saber detalhes do caso, mas não quis se manifestar sobre o assunto. Procurada outra vez para comentar os episódios recentes, a Abin não respondeu ao contato. O Planalto também não quis se posicionar.

Caso Alexandre Ramagem deixasse a Abin, quem assumiria no lugar dele seria o atual diretor adjunto da agência, Frank Márcio de Oliveira. De acordo com uma fonte no órgão, a gestão do amigo da família Bolsonaro deixa a desejar. “O Ramagem não é da carreira (da Abin). Todo órgão quer ser dirigido por alguém da carreira, traz mais independência. Existe um desconforto com a interferência do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) nos trabalhos. As orientações e decisões mudam a todo momento, não tem estratégia”, disse. Ainda de acordo com a mesma fonte, Frank de Oliveira teria maior aceitação. “Ele é da carreira, tem mais de 20 anos de casa, é extremamente ético, qualificado.”

Estopim

Alexandre Ramagem, que tem proximidade com a família de Bolsonaro, foi indicado pelo chefe do Executivo para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, no lugar do delegado Maurício Valeixo. A troca foi o estopim para o pedido de demissão do então ministro da Justiça, Sergio Moro.

Atribuições da agência

» Planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de Inteligência do país

» Executar a Política Nacional de Inteligência e as ações dela decorrentes

» Avaliar as ameaças internas e externas à ordem constitucional

» Assessorar o presidente da República nos assuntos de inteligência

» Desenvolver suas atividades com observância dos direitos e das garantias individuais, e com fidelidade às instituições

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Ajuda a estados: tempo curto joga a favor de PL

Luiz Calcagno

04/05/2020

 

 

Tempo curto para socorrer estados e municípios e garantir a manutenção de serviços públicos essenciais durante o combate ao coronavírus, esse é o argumento que convencerá deputados a aceitarem o Projeto de Lei Complementar 39/2020 do Senado. O texto chega à Câmara após três semanas de debates e substitui o que já havia sido aprovado na Casa. O governo e a equipe econômica de Paulo Guedes trabalharam para minar a iniciativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, segundo eles, provocaria um rombo de R$ 100 bilhões aos cofres da União, mas aceitaram um que custará R$ 130 bilhões. Por fim, substituir o texto da Câmara em vez de trabalhar em cima do que já havia sido dialogado com governadores e prefeitos foi uma forma de senadores tomarem para si o projeto.

Até mesmo os governadores já abriram mão do texto que construíram com Maia e esperam, agora, brigar por aditivos, que também terão de passar pelos plenários da Câmara e do Senado. A expectativa dos chefes de Executivo estaduais é de que a matéria seja aprovada por deputados como está, ainda hoje, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na amanhã, e que a verba chegue às regiões até 15 de maio.

Um levantamento do Comitê Nacional de Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz) aponta que, com a necessidade de distanciamento social e desaceleração da economia, a arrecadação nas unidades federais caiu cerca de 30% em abril. Esse número pode chegar a 40% em maio. O perigo é que os governadores não consigam pagar os funcionários. Em especial os da saúde, serviço social e segurança pública, que estão na linha de frente de combate à pandemia.

Crítica

O deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), vice-líder do bloco PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante, entende que o texto do Senado é “razoável”. “Primeiro, é importante repor justiça em relação à Câmara, que apresentou um projeto com impacto de R$ 100 bilhões e foi duramente atacada pelo ministro Paulo Guedes, sob argumento que seria uma pauta-bomba. Agora, o governo faz acordo com o Senado de R$ 130 bilhões, o que mostra um debate contaminado”, criticou. “Dito isso, a proposta de R$ 60 bi de ajuda e R$ 60 bi de pagamento de adiamento de dívidas é razoável, equilibrada.” Ramos destacou que não vale a pena “ficar na queda de braço por protagonismo”. “O mais importante é aprovar, e o texto do Senado, que é razoável.

O senador Paulo Paim (PT-RS), que foi favorável ao projeto da Câmara, lembrou que, durante a votação, no sábado, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), destacou, mais de uma vez, que conversou com Maia sobre o texto. No entanto, não havia como o presidente da Câmara dialogar com os líderes partidários e de bancadas até que o texto ficasse pronto. E, por se tratar de um substitutivo que envolve um cabo de guerra com o governo, a possibilidade de criação de um consenso, em tempos normais, seria muito baixa. “O que vai acontecer depende dos deputados. Os governadores têm pressa. O receio é porque a morte e o coronavírus não esperam. Por isso fica um ponto de interrogação. O projeto original era melhor, mas a pressa pode fazer com que seja aprovado. Se for modificado tem que ser na segunda (hoje), para terça (amanhã) ir ao Senado”, comentou.

Pressa

Líder do Cidadania, o deputado federal Arnaldo Jardim (SP) tem posição próxima à de Marcelo Ramos. “A nossa posição é que o montante está parecido. Os critérios, eu não gosto e preferia mudar, mas vou optar por manter o texto do Senado, por conta da urgência. É melhor ganhar o tempo, e esse raciocínio deve se impor na Câmara”, destacou. Já o líder do Novo, Paulo Ganime (RJ), apontou que o partido via problemas no texto da Câmara, mas votou assim mesmo, por conta da pressa. Ainda assim, ele ponderou que a demora no Senado e a substituição da matéria ajudaram a construir um consenso na Casa.

Fernanda Melchionna (RS), líder do PSol, criticou o texto, que prevê recuperação dos investimentos congelando salários de servidores por dois anos. “O Senado sentou no projeto (da Câmara) e construiu negociação com o governo Bolsonaro, um PL que reduz o valor nominal dos estados”, afirmou. “A Câmara aprovou um texto há três semanas e, graças à política nefasta de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, os estados ainda não receberam essa ajuda.”