Valor econômico, v.20, n.4973, 02/04/2020. Política, p. A9

 

Discursos afetam apoio do centro a Bolsonaro

Cristian Klein

02/04/2020

 

 

Duas análises sobre o impacto da crise do coronavírus na popularidade de Jair Bolsonaro nas redes sociais mostram que o presidente perdeu apoio do centro do espectro político, reforçando o isolamento até mesmo no território que sempre foi um alicerce de sua sustentação. A pedido do Valor, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (Dapp/FGV) e a consultoria Quaest fizeram levantamentos que tiveram como ponto de partida a repercussão do pronunciamento de Bolsonaro, em cadeia de rádio e TV, na terça-feira, mas consideram o comportamento de usuários do Twitter, desde o início da crise da covid-19.

Mais conhecido pelas divulgações mensais do Índice de Popularidade Digital (IPD), o cientista político Felipe Nunes, da Quaest, utilizou um novo indicador, chamado de Pulso Digital, que calcula o sentimento de postagens sobre um determinado ator político, num curto espaço de tempo. De acordo com o levantamento - que analisou 1,3 milhão de publicações feitas por 450 mil perfis do Twitter - cerca de 25% do conteúdo político nesta rede social era positivo para Bolsonaro pouco antes de o presidente começar seu pronunciamento. O percentual foi ao pico de 34%, durante e logo após a fala, e teve uma queda acentuada nas horas seguintes, caindo para o patamar de 19%, 20%. "É como se o apoio tivesse que pegar no tranco, e parece que de forma robotizada, na hora do pronunciamento para depois cair a níveis mais baixos", diz Nunes.

Para o professor da UFMG, o grupo com sentimento anti-Bolsonaro nas redes sociais é hoje de 80%, o que por seus cálculos seria o equivalente à soma daqueles que avaliam o governo como regular, ruim e péssimo nas pesquisas de opinião tradicionais. "Nas redes sociais, o regular se soma às opiniões negativas", afirma.

Tal movimento, de perda do centro político, também é observado pela Dapp/FGV. Segundo seu diretor, Marco Aurélio Ruediger, a crise do coronavírus representa um momento em que o centro teve um adensamento e "se agigantou". Análises das interações de perfis do Twitter vêm mostrando não mais uma divisão de grupos entre bolsonaristas e a oposição tradicional, com figuras ligadas a PT e Psol, por exemplo, mas de um grande campo que junta esquerda, centro-direita - com a ascensão de figuras como os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), do Rio, Wilson Witzel (PSC), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) - até a direita histórica do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).

"O grupo hardcore do bolsonarismo ficou imprensado depois dessa crise. A aposta do presidente em minimizar o coronavírus foi um desastre. Bolsonaro cometeu um erro brutal, como um cerco a Stalingrado. Fez troça da doença. Mas os fatos e a ciência vieram a desmenti-lo numa velocidade muito rápida", afirma Ruediger. As análises da Dapp sobre o pronunciamento de terça-feira mostram que o tom moderado de Bolsonaro acalmou os ânimos nas redes, de ambos os lados, mas a crise o coloca diante de um dilema. Sem o radicalismo de hábito, o presidente não consegue mobilizar sua base, que está murchando. "Ele dobrou a aposta na crise e teve que recuar. Mas isso passa a desconstruir a imagem de 'mito'. Pois o mito não pode errar. E o preço a ser pago ainda será gigantesco, com o caudal de morte e dor que se seguirá pelos próximos dias", afirma.