O globo, n. 31638, 21/03/2020. Especial Coronavírus, p. 8

 

Colapso do sistema

Daniel Gullino

Gustavo Maia

Leandro Prazeres

21/03/2020

 

 

Casos devem disparar em abril, maio e junho Bolsonaro chama Covid-19 de 'gripezinha' São Paulo registra mais quatro mortes
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, previu que os casos de Covid-19 devem disparar em abril, maio e junho, estabilizar em julho, começar a cair em agosto e ter uma queda "profunda" em setembro. No pico, ele disse que o sistema sofrerá um colapso, com atendimento insuficiente. Depois, amenizou e usou o termo "estresse". O governo informou que já ocorre em todo o país a transmissão comunitária do novo coronavírus, quando não é possível rastrear o contágio. Com mais quatro vítimas em São 
Paulo, já são 11 mortes pela doença no Brasil. O presidente Bolsonaro voltou a desdenhar da gravidade da Covid-19, que chamou de "gripezinha". Irritado com medidas adotadas por governadores, ele os acusou de usurpar poderes.

Coma acelerada disseminação do novo coronavírus no Brasil —que teve 904 casos confirmados e 11 mortes em 24 dias, até ontem—, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, decretou estado de transmissão comunitária em todo o território nacional e estimou como se dará a multiplicação de casos da Covid-19. —Agente imagina que ela vai pegar velocidade e subir na próxima semana ou 10 dias. Essa subida rápida vai durar o mês de abril, o de maio e ode junho, quando e lavai começa rate ruma tendência de desaceleração de subida —disse Mandetta, durante reunião com empresários, realizada por videoconferência. Segundo o ministro, os casos se estabilizariam em julho, começaria maca irem agosto e teriam "queda profunda, tal qual ada China ", em setembro.

Nesse cenário, o sistema de saúde brasileiro deve entrar em "colapso" já no próximo mês, afirmou Mandetta, chegando ao cenário atual da Itália, que superou a China em número de mortos. —Claramente, no final de abril, nosso sistema entra em colapso. O que é um colapso? É quando você pode ter o dinheiro, você pode ter o plano de saúde, pode ter a ordem judicial, mas simplesmente não há um sistema para você entrar. É o que está vivenciando a Itália, um dos países de primeiro mundo. Atualmente, não tem aonde entrar.

No final da reunião, no entanto, o ministro mudou de discurso, afirmando que não haverá colapso. —Teremos problema? Sei que teremos. Aqueles que eventualmente aplaudem hoje vão jogar pedra daqui a um mês, dois meses. Mas nós não vamos deixar ninguém para trás e vamos trabalhar muito duro. Talvez no final a gente saia muito orgulhoso do nosso SUS. Vamos ter estresse, mas vamos passar por essa sem colapso.

 'FORA DE CONTROLE'

Durante a reunião, o superintendente do Hospital do Rim, José Medina, afirmou que a situação vai ficar "fora do controle" em breve, quando a o vírus chegar com mais força nos mais pobres. Medina ressaltou que essas pessoas têm dificuldade de fazer isolamento e necessitam mais do Sistema Único de Saúde (SUS).

— Até agora, os que estão internados são pessoas de classe média ou classe média alta. Então, essas pessoas estão quase lotando os hospitais privados.Já começou a disseminação nos pacientes mais da periferia, que têm menos recursos e que são pacientes do SUS. Vão lotar, como o ministro falou, vai ficar fora de controle, como está na Itália. O momento agora é de ver como nós vamos poder atender a esses pacientes.

Medina sugeriu utilizar escolas e outros prédios para realizar o isolamento dessas pessoas, uma vez que elas não teriam condições de fazê-lo em suas casas. — O número de pacientes que vai aparecer na semana que vem e nos próximos 15 dias é muito grande. Quando eu pego um paciente do SUS e falo: "Você precisa ficar isolado dentro da sua casa", onde ele mora com um número muito grande de pessoas, não tem (lugar) para fazer esse isolamento. Em resposta, Mandetta afirmou que o Brasil teve mais tempo para se preparar do que a Itália e afirmou que o SUS tem "capilaridade". — Nós tivemos uma vantagem, pequena, de saber 60 dias antes quais eram algumas das características desse inimigo. A Itália foi o primeiro país ocidental a descobrir isso — disse o ministro, enumerando outros pontos positivos. —O sistema tem capilaridade, em todas as cidades nós temos unidade de saúde. Temos

46 mil equipes de saúde da família, 85% dos casos que têm sintomas são leves. Nossa população é muito mais jovem (do que a italiana).

 'GRIPEZINHA'

Mais tarde, em uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto, Mandetta viu o presidente Jair Bolsonaro minimizar a Covid-19 ao ser indagado sobre seu estado de saúde. — Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar — afirmou Bolsonaro, referindo-se ao ataque que sofreu em 2018. A saúde de Bolsonaro vem sendo alvo de especulação depois que ao menos 22 pessoas que tiveram contato com ele durante uma viagem aos EUA testaram positivo para a doença. Nos últimos dias, Bolsonaro anunciou que se submeteu a dois exames e que ambos deram negativo para a Covid-19. Ainda ontem, quando saía do Palácio da Alvorada, o presidente disse que poderia fazer um terceiro exame. — Eu estou bem. Fiz dois testes. Talvez faça mais um até. Recebo orientação médica — disse Bolsonaro. — Aqui em casa, toda a família deu negativo. Talvez, eu tenha sido infectado lá atrás e nem fiquei sabendo. Talvez. E estou com anticorpo.

 MORTALIDADE ESTÁ EM 1,2%

O Ministério da Saúde informou ontem que o número de casos do novo coronavírus no país subiu mais de 45% em 24 horas — eram 621 anteontem e passaram a 904. Como 11 destes casos terminaram em mortes, a taxa de mortalidade do Sars-CoV-2 no Brasil está em 1,2%.

O estado mais afetado é São Paulo, com 396 casos e nove mortes. Em seguida, aparecem o Rio de Janeiro, com 109 casos e dois óbitos, e o Distrito Federal, com 87 casos e nenhuma morte. Os estados de Roraima e do Maranhão são os únicos sem nenhum caso confirmado.