O globo, n. 31636, 19/03/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Dia de protesto e reação do governo

19/03/2020

 

 

Bolsonaro admite gravidade da crise e amplia pacote economico

 Uma mesa formada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e mais oito ministros, todos com máscaras, simbolizou a entrada do governo como um todo no combate ao coronavírus no país. Depois de dias minimizando a crise, Bolsonaro pela primeira vez reconheceu a gravidade do avanço da pandemia no Brasil, o que não impediu uma série de protestos contra o presidente, em forma de panelaços em diversas cidades durante suas aparições ao vivo na TV ao longo do dia (leia mais na página 7). Na reunião ministerial, as principais medidas vieram da área econômica, com o anúncio de R$ 15 bilhões para trabalhadores informais e de um pacote de ajuda para empresas do setor aéreo.

O presidente também fez acenos por um diálogo melhor com o Congresso para o combate à crise e se reuniu, no fim do dia, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. À noite, a Câmara dos Deputados aprovou o pedido do governo de decretação de estado de calamidade pública, que ainda precisa ser votado pelo Senado.

Os protestos não foram o único motivo a levar Bolsonaro a mudar de tom. A ação ocorreu depois de dois ministros terem sido diagnosticados com a doença, Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Bento Albuquerque (Minas e Energia), o que, nas palavras de um auxiliar, fez “cair a ficha” do presidente para a gravidade do problema. Pesou ainda na sua avaliação a informação levada a ele por assessores de que o número de casos e de mortes seguirá crescendo.

Bolsonaro ficou sabendo do teste positivo de Heleno na noite de anteontem, ao mesmo tempo que recebeu a informação de um novo negativo no exame dele próprio. A confirmação deixou o presidente preocupado tanto pela idade do ministro, que tem 72 anos e por isso integra o chamado grupo de risco, quanto por conta do seu papel central no governo. O chefe do GSI é um dos principais conselheiros do presidente, com quem ele se encontra assiduamente no Planalto. Na terça, por exemplo, foram três reuniões, sendo uma delas com 16 pessoas.

“DIAS DUROS”

Ministro-chefe da Casa Civil e escalado para coordenar o grupo interministerial, Braga Netto teve uma conversa com o presidente para alertá-lo que os números de pessoas infectadas e de mortes deve crescer nos próximos dias. Até então, o presidente vinha minimizando a pandemia de forma recorrente, utilizando por diversas vezes a palavra “histeria”. Na coletiva, o presidente voltou a usar a palavra, mas ressaltando o reconhecimento da gravidade do problema.

—É uma questão grave, mas não podemos entrar no campo da histeria, esse sempre foi meu pensamento como chefe de estado, levar paz e tranquilidade a todos, mas sem deixar de me preocupar com as consequências do que está acontecendo — disse o presidente.

Bolsonaro disse que o país terá “dias duros pela frente” e defendeu que sejam seguidos os protocolos defendidos pelo Ministério da Saúde.

—O problema está aí, está batendo à nossa porta. Teremos dias difíceis, dias duros pela frente. Agora serão menos difíceis se cada um de vocês se preocupar consigo, com seus parentes e com os seus amigos.

No fim do dia, Bolsonaro e Toffoli assinaram juntos um projeto de lei emergencial que será enviado ao Congresso que cria um comitê de órgãos de Justiça e de controle para solucionar litígios relacionados a medidas de enfrentamento ao novo coronavírus.

Em pronunciamento, Bolsonaro afirmou que a matéria dá segurança jurídica ao gestor das ações de emergência e teve o aval dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Alcolumbre não compareceu após ter recebido resultado positivo para a doença. Maia comandava votação na Câmara do decreto de calamidade pública, mas antes havia avisado que não iria ao Planalto apenas para tirar uma foto, apesar de ter elogiado a mudança de tom no Planalto.

— Acho que hoje pela primeira vez a gente tenha visto uma foto na qual a sociedade pode falar: “Agora sim começaram a se preocupar com a vida das pessoas”, e essa deve ser a preocupação de todos nós no Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário —afirmou Maia.

MEDIDAS ECONÔMICAS

As medidas mais concretas anunciadas vieram da equipe econômica. O ministro Paulo Guedes informou que haverá a distribuição de um voucher no valor de R$ 200 a trabalhadores informais de baixa renda tem um custo estimado de R$ 15 bilhões, equivalente à metade do que é gasto anualmente com o Bolsa Família, programa que, como anunciado, terá o caixa reforçado. Sem dar detalhes, Guedes também revelou haver um estudo para que o governo assuma parte do salário de funcionários de micro e pequenas empresas.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, tratou das questões relativas ao setor aéreo. Uma Medida Provisória vai permitir às empresas adiar em um ano o reembolso devido a passageiros que cancelarem as viagens. Os clientes, por sua vez, ficarão livres de multas contratuais por desistir da viagem. As empresas também poderão mudar o prazo de pagamento de tarifas, enquanto as concessionárias poderão deixar para dezembro o pagamento de outorgas, sem multas.