O globo, n. 31655, 07/04/2020. Especial Coronavírus, p. 10

 

Apenas 23% das cidades têm leitos de UTI por meio do SUS

Cleide Carvalho

Natália Portinari

Paula Ferreira

Suzana Correa

07/04/2020

 

 

Pacientes de 47% dos municípios terão que se deslocar se forem infectados

 

EDILSON DANTASEsquecidos. Municípios menores sofrem com a falta de leitos em UTIs

 Moradores de 2.608 municípios terão de deixar o lugar onde moram se tiverem de ser internados para tratamento da Covid-19 na rede pública de saúde. Isso acontece porque apenas 53,1% das 5.571 cidades brasileiras abrigam hospitais com leitos de internação pelo SUS. Além disso, menos de um quarto — 23,2% (1.295) — tem leitos de UTI que atendem pelo SUS.

Os dados são do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que teme superlotação dos hospitais das grandes cidades e falta de leitos para moradores de municípios menores.

Rayssa Araújo, de 20 anos, cursa Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal. Coma suspensão das aulas, viajo upara a casa da família, no município de Luís Gomes, a 450 km da capital, onde chegou na sexta feira, dia 20. Dois dias depois, passou a sentir cansaço, dor de cabeça e febre. Procurou o serviço de saúde e foi encaminhada para fazer o teste em Pau dos Ferros, a 50 km dali, no único hospital da região que tem leitos disponíveis para pacientes do SUS. No domingo, já sem sintomas, recebeu o resultado positivo.

Segundo a prefeita, Mariana Fernandes, Luís Gomes e outras 36 cidades da região dependem desse hospital:

—A preocupação dos governos é com as cidades maiores, mas os municípios pequenos não estão isolados e intocáveis.

Mauro Junqueira, secretário executivo do Conasems, explica que o SUS concentra o atendi mentonas grandes cidades por considerar quen ã ose justifica a pulverização de hospitais,uma vez que cer cade 80% dos municípios têm menos de 20 mil habitantes.

O modelo, porém, obriga que boa parte da população tenha dese deslocarem busca de atendimento. Coma expectativa de aumento decas o sem abril e maio, os municípios temem a superlotação desses hospitais e a falta de vagas para quem precisar ser deslocado. Não é raro que a transferência demore 36 horas ou mais, dependendo da distância e da dificuldade de trajeto.

— Não estamos preparados para uma pandemia dessa gravidade — afirma Januário Cunha Neto, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Amazonas, que enfrenta uma das maiores dificuldades logísticas para implementar o SUS, já que muitos municípios dependem do transporte fluvial.

A infectologista Laura Crivellari, que atua na organização do sistema para atendimento a pacientes de Covid-19 em Tefé, a 500 km de Manaus, afirma que, embora o hospital seja o único que dispõe de leitos de internação pelo SUS, tem apenas três respiradores:

—Se for um pouco mais crítica a situação, temos de acionara U TI aérea para levara Manaus. É desafiador.

Com um número cada vez maior de casos em todo o país, cidades pequenas têm encontrado dificuldade de ter acesso aos dados de seus pacientes.

Na Paraíba, por exemplo, os gestores precisam aguardar o resultado de exames encaminhados para o Instituto Evandro Chagas, no Pará. Soraya Galdino, secretária municipal de Saúde de Itabaiana, a 80 km da capital, diz que os resultados têm levado cerca de 12 dias, o que atrapalha na tomada de medidas. No Ceará, secretários relatam demora de até 20 dias para receber resultado de testes enviados ao laboratório em Fortaleza.