Valor econômico, v.20, n.4974, 03/04/2020. Brasil, p. A5

 

Comprar da China agora requer agilidade

Assis Moreira

03/04/2020

 

 

Se o Brasil quiser comprar produtos de saúde na China, precisa ser ágil, pagar à vista e transportar rapidamente o material de avião. Do contrário, outro país passará na frente, em meio ao desespero global por equipamentos de proteção da saúde.

É o que dizem fontes que acompanham movimentação brasileira tentando comprar na China de máscaras, luvas, respiradores, kit de testes e equipamentos de proteção (roupas, óculos), mas de forma até agora bem pouco organizada.

Não é só o Ministério da Saúde que quer comprar. Várias empresas brasileiras e também Estados têm tomado iniciativa. Está tudo em andamento e poucos negócios foram realmente fechados com os brasileiros, segundo essas fontes.

"É preciso pagar na hora, pega e leva. Do contrário, o país vai ficar recebendo na base do pinga-pinga, com preço e qualidade mudando o tempo todo", diz um especialista.

Alguns comerciantes brasileiros até conseguiram comprar produtos médicos na China, mas não estão em condições de enviá-los para o Brasil por falta de recursos para fretar aviões, por exemplo. De navio, a carga demora muito a chegar.

A expectativa é que o Ministério da Saúde consiga agora melhor resultado nas suas tentativas de compra, depois de um acerto com uma trading que conhece tanto o mercado brasileiro quanto o chinês, para concentrar os negócios.

Não é fácil fazer os negócios atualmente na China. De um lado, há certas fábricas que hesitam em vender a estrangeiros. Também há tentativas de fraudes, leis complicadas e outras dificuldades.

Além disso, comerciantes dos EUA colocam todo seu peso para obter sua encomenda antes dos outros, por exemplo. Nesta semana, o chefe executivo da região Grand Est (onde fica Estrasburgo), Jean Rottner, relatou que uma carga de máscara que a região francesa tinha encomendado foi tomada por um comprador americano na pista do aeroporto.

Segundo o francês, os americanos dobraram o preço e embarcaram as mascaras. Também há rumores de que um carregamento que passou pela Flórida para outro país da América Latina teria sido confiscado pelos EUA.

"Se chega alguém com mais dinheiro, leva a encomenda do outro", diz um conhecedor das práticas atualmente na China. Além disso, tem a questão de qualidade. Kits de testes já causaram problemas ao governo da Espanha, por não ser eficazes. O governo chinês passou a endurecer e exigir credenciamento de seus vendedores.

Às vezes ocorre também de o país comprador dar especificações erradas e, portanto, receber o material de saúde errado na atual pandemia. O item mais demandado é respirador. A China produz mais de 100 milhões de máscaras por dia, e não para de surgir comprador. A França encomendou 600 milhões de máscaras e enviou 12 grandes aviões para transportar a carga. Os EUA também organizaram recentemente 22 voos com material de saúde chinês.

Com a forte demanda global, o preço dos respiradores disparou. Antes da pandemia pagava-se algo entre US$ 7 mil e US$ 8 mil pelo equipamento. Ontem, o valor já era de US$ 25 mil, atingindo até US$ 30 mil. "Há casos de fornecedores rompendo contratos, pagando multa, para vender a mercadoria por um preço maior para outro", disse Franco Pallamolla, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos (Abimo).

De acordo com Pallamolla, a demanda atual no Brasil pelos ventiladores pulmonares é maior do que produção nacional de um ano. A indústria local produz entre 10 mil e 12 mil respiradores, anualmente. "Só essa última demanda do Ministério da Saúde é de 15 mil", afirmou.

Atualmente há no Brasil, 61 mil respiradores pulmonares em operação, segundo Fernando Silveira, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (Abimed). As entidades destacam que há uma dificuldade para aumentar a produção no Brasil porque as peças para fabricação dos respiradores também são importadas e há falta deles no mercado. (Colaborou Beth Koike, de São Paulo)

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FAB vai ajudar a trazer equipamentos da China

Rafael Bitencourt

Fabio Murakawa

Murillo Camarotto

03/04/2020

 

 

O governo contará com o apoio de aviões da Força Aérea Nacional (FAB) na logística de equipamentos hospitalares da China se continuar com dificuldades para trazer os produtos essenciais no enfrentamento do novo coronavírus, informou ontem o ministro da Saúde, Luiz Henrique Madetta. Ele explicou que, só após a quarta tentativa, foi possível fazer uma encomenda volumosa da China.

Para garantir a entrega dos produtos, prevista para 30 dias, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, foi acionado para coordenar a operação logística.

Mandetta comentou que, neste momento, os fornecedores estão exigindo pagamento à vista. Por isso, a União está usando seu poder de compra de forma centralizada. Segundo ele, depois que o mercado se normalizar, as compras voltarão a ser feitas pelos Estados normalmente.

Em entrevista no Palácio do Planalto, Mandetta reafirmou que o combate ao vírus tem exigido a interação com outros países. Ao lado do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ele discutiu estratégias com o novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman. O principal tema da reunião de ontem à tarde foi como garantir a reposição dos estoques de produtos nos hospitais.

O ministro lembrou que os EUA estão com dificuldade em lidar com a doença em Nova York, na Califórnia e em outros Estados. "O Brasil pode colaborar com eles com algumas coisas. A gente deve trabalhar alguma coisa conjunta, vê se a gente organiza uma ampliação, trazendo matéria-prima, para as nossas fábricas poderem produzir, como é o caso das máscaras N-95 que eles têm muita carência."

Durante a entrevista, Mandetta criticou a decisão do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro de entrar com uma ação judicial para impedir que o médicos locais sejam requisitados para atuar em outros Estados. Ele disse que, se for necessário, o governo federal vai chamar profissionais de saúde - entre médicos de diferentes especialidades e enfermeiros - para ajudar no combate da pandemia.

"Se tiver necessidade, nós iremos convocar sim, mas por enquanto não há. Por enquanto é só um cadastro para saber quem tem disponibilidade, quem quer", afirmou Mandetta.

Ontem, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que já conseguiu garantir a destinação de cerca de R$ 2,5 bilhões oriundos de acordos de leniência para enfrentar a pandemia.

Com novo boletim epidemiológico, o governo informou que o número de mortes pela covid-19 subiu de 241 para 299, em 24 horas, com alta de 24%.

A confirmação de casos da doença saltou de 6.836 para 7.910, com acréscimo de 16%.

Até agora, São Paulo registrou 3.506 pessoas com a covid-19. Outros Estados também já contabilizam centenas de pacientes infectados: casos, por exemplo, de Rio de Janeiro (992), Ceará (550), Distrito Federal (370), Minas Gerais (370) e Rio Grande do Sul (334).

Ao todo, 22 unidades da federação têm mortes por covid-19 - 188 foram em São Paulo, e outras, 41 no Rio. (Colaboraram Renan Truffi e Mariana Ribeiro)