Correio braziliense, n. 20798 , 02/05/2020. Brasil, p.8

 

Fila única para leitos de UTI

Bruna Lima

Maíra Nunes

02/05/2020

 

 

CORONA VíRUS » Especialistas e entidades veem como alternativa à falta de vagas para pacientes graves na rede pública a formação de uma rede integrada de instalações entre SUS e planos de saúde. Ocupação de terapia intensiva supera 70% em seis estados

Uma proposta começa a ganhar força em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo para atender à demanda de pacientes de Covid-19 diante do esgotamento de vagas nas unidades de terapia intensivas (UTIs) da rede pública de saúde. Trata-se da unificação da fila por leitos entre rede pública e privada ou de uma espécie de empréstimo de leitos privados ao setor público. Na prática, visa ocupar todos os leitos disponíveis, incluindo os particulares, já que pacientes estão morrendo por falta de vaga no país.

No Rio de Janeiro, mais de mil pessoas estão internadas com coronavírus na rede pública da capital. Ontem, a fila de espera por UTI chegou a 372 pacientes com quadro agravado da doença. No mesmo dia, o segundo hospital de campanha da cidade foi inaugurado, mas com apenas 20% do total previsto ativo, por falta de equipamentos. Com 20 novos leitos de emergência, a fila diminuiu 10%. Outros cinco estados já têm taxa de ocupação das UTIs maior que 70%: Espírito Santo, Pará, Ceará, Amazonas, Pernambuco. O Brasil soma 91.589 casos confirmados e 6.329 mortes, segundo último balanço.

Primeiro a ver seu sistema de saúde colapsar e cenário das centenas de enterros em valas coletivas, a Secretaria de Saúde do Amazonas informa não ter dados de leitos de UTI de toda a rede estadual. Em Manaus, 89% dos leitos para Covid-19 estão em uso. O governador Wilson Lima disse que endureceria as regras de isolamento social na tentativa de frear a pandemia. Com 87% de ocupação, o Ceará prevê a criação gradativa de 403 novas vagas, conforme a compra de equipamentos e disponibilidade de profissionais. Na região de Fortaleza, o cenário é ainda mais grave: 97%.

O outro lado da proposta é a possibilidade de as UTIs da rede privada serem ocupadas rapidamente e, caso uma pessoa com plano de saúde necessite, terá de entrar na fila como os demais cidadãos sem plano. É o que defende o Conselho Nacional de Saúde: "A prioridade no atendimento deverá ser de qualquer doente por Covid-19, tenha plano de saúde ou não, obedecendo a ordem de entrada no sistema conforme os diagnósticos e gravidade da doença em cada paciente".

O conselho defende que Ministério da Saúde e as secretarias municipais e estaduais possam inserir recursos, favorecendo a contratação de leitos privados de terapia intensiva para uso do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com as necessidades sanitárias específicas em cada território.

 Desequilíbrio

Enquanto o sistema de saúde público de diversas capitais já não consegue receber grande parte da demanda de pacientes que buscam por atendimento, a rede privada vive realidade mais tranquila. Entre vários fatores, há um grande desequilíbrio entre a proporção de usuários e leitos dos dois sistemas. "A rede privada conta com 55% dos leitos intensivos — para atender a 25% da população — e, em decorrência da redução das internações eletivas, tem registrado baixa ocupação", argumenta Francisco Braga, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

"Sem leitos disponíveis no setor público e havendo no setor privado, a situação de emergência sanitária requer a atuação da autoridade pública para salvar vidas, coordenando todos os leitos disponíveis de modo igualitário, em respeito à dignidade humana e como medida de solidariedade, conforme determina a constituição".

Segundo o pesquisador, a regulação unificada de leitos públicos e privados pelo poder público é uma medida viável juridicamente. "Salvar vidas é o objetivo do Estado e, para isso, deve lançar mão de todos os instrumentos jurídicos existentes, inclusive a requisição de bens e serviços privados prevista na Lei nº 8.080/90 e na Constituição", afirma Francisco Braga.

Entidades do setor privado de saúde acreditam que o governo poderia, primeiro, ativar leitos públicos ociosos e montar hospitais de campanha. "Existem leitos públicos fechados por demora de repasses, insuficiência de recursos humanos e, até, por falta de equipamentos básicos. Leitos que, em muitos lugares, estão montados e disponíveis", defende a Confederação Nacional de Saúde, em conjunto com a Federação Brasileira de Hospitais e a Associação Brasileira de Planos de Saúde.