Valor econômico, v.20, n.4977, 08/04/2020. Brasil, p. A5

 

Combate à crise do vírus pode entrar em 2021

Fabio Graner

Edna Simão

08/04/2020

 

 

O governo já admite que as medidas para amenizar os efeitos do coronavírus poderão "adentrar" 2021. O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse em entrevista ao Valor que, caso haja necessidade, ações na área de saúde e também para manutenção de empregos continuarão sendo tomadas, inclusive no próximo ano.

Ele já admite que o déficit primário neste ano pode superar os 6% do PIB e, para o ano que vem, confirma que a estimativa anterior para a meta, de R$ 68,5 bilhões, será revista para pior.

"Nossos cálculos, hoje, implicam ações contidas em 2020, associadas à calamidade pública do coronavírus. O que faremos, e há um alto grau de incerteza sobre isso, é que se respingar para 2021, caso haja implicações também em 2021, o governo trará resposta a esses problemas. Se for necessário, se for preciso governo trará soluções para 2021 também", disse Waldery. "Caso o quadro se configure, nossa posição é de manter cuidado e zelo em particular com parcelas mais vulneráveis bem como com manutenção de emprego. Precisamos do dinamismo econômico para buscar equilíbrio fiscal, uma coisa está atrelada a outra", afirmou ele.

Na próxima semana, o governo vai encaminhar ao Congresso Nacional a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021. Como noticiou o Valor, a meta de déficit primário do governo central deve ser mais alta do que o projetado na LDO deste ano para 2021, mas o secretário não quis antecipar números, apenas admitiu a piora ante a estimativa anterior.

"O lado da receita é disparadamente o que nos traz maior dificuldade de estimativa, a variação pode ser muito alta. Pelo lado da despesa tem como fazer melhor a estimativa", afirmou, ao comentar sobre as dificuldades em torno de se fechar a LDO.

Com o envio ao Congresso do documento que orientará a elaboração do Orçamento de 2021 e cujo prazo legal é 15 de abril, Waldery disse pretender criar uma sistemática de atualização quinzenal das estimativas do governo e da atuação na crise. A PLOA de 2021 deve constar um tratamento diferenciado para os chamados restos a pagar (despesas assumidas em um ano, mas paga em anos seguintes).

Os restos a pagar inscritos para 2020 chegaram a R$ 180,7 bilhões. Segundo o secretário, no cenário atual, no qual há um crescimento gigantesco na despesa primária, é preciso ter maior atenção à essa rubrica do Orçamento. Para dificultar um pouco mais a elaboração da PLOA, a equipe econômica, conforme o secretário, ainda está aprendendo como usar as ferramentas para operacionalizar o orçamento impositivo que começou a vigorar neste ano.

Mesmo a estimativa de déficit primário para este ano, que já passa de 5,6% para 6% do PIB, ainda considera muito pouco das perdas de receitas que a atual crise deve ensejar. Waldery explicou que os números comentados ainda levam em conta um PIB zerado, mas que ele próprio admite que ficará negativo.

Ele aponta que, nessa conta, 2,97% do PIB (podendo chegar a 3,4%) é conjuntural e 2,6% são de um déficit que ele chamou de "estrutural" -- que considera a meta original de saldo negativo de R$ 124 bilhões e, entre outras coisas, a perda de R$ 30 bilhões de receitas com a revisão do PIB e do preço de petróleo. "Nossa preocupação é direta de fazer diferença do que é estrutural e que é conjuntural", comentou.

Mas vale lembrar que esses dados estavam calculados com parâmetros ainda anteriores à fase aguda da crise. Hoje, já é certo até para o governo o cenário de contração do PIB (o consenso do mercado aponta para uma queda do PIB de 1,18% na mediana das projeções, havendo quem estime recuo de 5%), além de o petróleo estar bem abaixo dos US$ 40 considerados no relatório de março.

Nesse contexto, o secretário deixa claro que o tamanho do déficit atualmente esperado não representa um limite para o governo. "6% de déficit primário pode ser maior? Sim, sem dúvida pode. Depende da gravidade da crise. Não há um limiar de 6% do PIB", comentou o titular da secretaria de Fazenda. Em 2020, segundo ele, será dada uma pausa na meta da equipe econômica de reduzir o resultado nominal na velocidade máxima possível. Neste ano, a expectativa de déficit nominal é de algo superior a 9% do PIB.

Ele menciona que ainda há pouco conhecimento sobre o coronavírus e suas consequências. "Ainda há incerteza do ponto de vista empírico. Não são tantos casos ainda estudados para saber as consequências trazidas após a cura, tratamento e esses pontos serão abordados e aí serão examinadas as devidas atenções", disse. "A diretriz agora é literalmente não deixar faltar à população atendimento básico à saúde, não deixar faltar ações, bem como buscar a manutenção de emprego. Se for necessário entrar em 2021, assim será feito", acrescentou.

Waldery reconhece que houve mudança no tratamento da política econômica, em especial da política fiscal. Para ele, contudo, isso é plenamente justificável por causa da gravidade da situação e segue uma visão generalizada no mundo. Mas reforça que o governo não desfez sua leitura anterior sobre a necessidade de austeridade fiscal.

"O esforço atual é totalmente justificável, necessário; há forte legitimidade nessas ações... Estamos vivendo crise conjuntural, ainda não temos precisão da extensão dela, mas é conjuntural. Ao sair dessa crise, nós queremos ter finanças públicas robustas, contas equilibradas, déficit primário em queda, melhora no nominal. Nosso discurso se mantém na mesma linha", postulou.

Segundo ele, tão logo se passe essa fase, o cardápio de políticas econômicas anterior à crise será retomada. "A busca de equilíbrio fiscal, de alteração da estrutura da economia, com reformas estruturais, como deve ser feito na questão federativa, na administrativa, o 'fast track' de privatizações, todo esse cardápio de soluções está 'on hold', parado por causa da conjuntura, mas o discurso é o mesmo", disse, apontando que faria esse discurso para a agência de classificação de risco Moody's, com quem se reuniu ontem. Na véspera, a Standard & Poor's (S&P) retirou a perspectiva positiva da nota de risco do Brasil.

Waldery afirmou que a crise o levou a desistir de pedir devolução de recursos adicionais pelo BNDES, que só terá que manter, ainda que sem prioridade, os R$ 17 bilhões que já estavam previstos para este ano. Além disso, o secretário disse que pretende receber os 25% de dividendos mínimos das empresas estatais.