O globo, n. 31660, 12/04/2020. Especial Coronavírus, p. 9

 

Corrida contra o tempo

Juliana Castro

Juliana Dal Piva

Marlen Couto

Pedro Capetti

Alice Cravo

12/04/2020

 

 

Estados e municípios preparam 80 hospitais de campanha

JORGE WILLIAMGoiás. A cidade de Águas Lindas vai receber o primeiro hospital de campanha construído pelo governo federal . Autoridades querem ter expertise para levantar unidades como essa em 15 dias de obras

 Na corrida contra o tempo para aumentar a capacidade de atendimento de pacientes com Covid-19, O GLOBO identificou que 19 estados preparam a instalação de, ao menos, 80 hospitais de campanha em todo o país. O levantamento considerou todas as unidades da federação — só Sergipe não respondeu. Em sua maioria, são estruturas provisórias erguidas para ampliar o número de internações. Os hospitais de campanha, terminologia militar para unidades provisórias, devem oferecer ao menos 9.282 leitos de enfermaria e 1.428 Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) ou semi-UTI.

As iniciativas partiram de governos estaduais e prefeituras que, para colocar os projetos de pé, estão usando os mais diversos espaços amplos disponíveis. Há unidades surgindo em estacionamentos, centros de convenções, universidades e estádios, inclusive alguns que receberam jogos da Copa do Mundo, como o Mané Garrincha, em Brasília, e a Arena das Dunas, em Natal (RN). Especialistas alertam, no entanto, que os leitos extras ainda não devem ser suficientes se medidas de isolamento não forem respeitadas. Disputas políticas e problemas da rede existente também atrapalham o tratamento dos infectados. Os números totais podem aumentar porque o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou que a União vai erguer hospitais desse tipo mediante solicitação dos estados.

O primeiro a pedir apoio foi Goiás. O ministério está erguendo seu“hospital de campanha modelo” na cidade de Águas Lindas (GO), ao custo de R$ 10 milhões —o que inclui instalação e manutenção por quatro meses.O estado de Goiás será responsável por oferecer profissionais, máquinas e suprimentos. O segundo será feito em Manaus, atualmente a capital com a rede hospitalar mais saturada. O secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura, Marcello da Costa Vieira, contou ao GLOBO que a ideia é produzir um modelo para erguer hospitais em 15 dias “como nos vídeos chineses”.

— Esse é o grande desafio. Construir um hospital em 15 dias. A gente via isso nos vídeos dos chineses. Bom, a gente está tentando fazer alguma coisa tão ágil quanto. São Paulo é o estado que mais tem casos de Covid-19 até o momento. Até ontem, eram 8.419 infectados e 560 mortes. O estado prevê três unidades na capital, e mais 25 no interior. O governo estadual repassou R$ 218 milhões a 80 cidades de mais de 100 mil habitantes para custear a construção de hospitais de campanha e centros de atendimento — ainda não se sabe quantas vagas serão abertas.

O Rio criou nove espaços provisórios para internação. Serão 2,2 mil novos leitos de enfermaria e 620 para casos graves com semi-UTI ou UTI. No Nordeste,Ceará e Pernambuco também registram casos da doença e investem na criação de espaços provisórios.

Os cearenses terão cinco hospitais de campanha com 324 leitos. As novas vagas de UTI foram criadas, até o momento, dentro das unidades hospitalares,num total de 224. Já os pernambucanos terão seis hospitais de campanha com 306 novas vagas. Dentro deles, até agora, foram previstos oito leitos de UTI ou semi-UTI. Na corrida contra o tempo para levantar as estruturas, há casos de falta de coordenação. Em Minas, o governo do estado montou um hospital de campanha no centro de convenções Expominas para 768 leitos.

A capital ganharia outra unidade provisória, na Esplanada do Mineirão, mas a desavença política entre o governador Romeu Zema (Novo) e o prefeito Alexandre Kalil (PSD) pôs fim ao projeto, diante de um desentendimento entre ambos. Para Adriano Massuda, professor da FGV, o investimento deveria ocorrer principalmente na rede regular.

—O hospital de campanha deveria ser a última opção. Em situação de ter uma absoluta falta de estrutura, ele se justifica, mas é uma estrutura que não é a melhor pra atendimento, é caro, é um investimento que você não incorpora à rede —explica.

 

A REDE QUE JÁ EXISTE

Ainda que, em muitos casos, esses hospitais de campanha tenham UTIs, a ideia é que essas unidades sejam uma espécie de “retaguarda” para os hospitais de referência com espaços para atendimentos com mais complexidade e gravidade.

— É a primeira linha de tratamento. Você fornece oxigênio para os pacientes menos graves, que não precisam ir para um hospital com todos os recursos,mas mantém no hospital de campanha recursos mínimos, como ventilação mecânica — explica o presidente do Comitê de Insuficiência Respiratória e Ventilação Mecânica da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Jorge Valiatti. A médica sanitarista Ligia Bahia, da UFRJ, reitera que a melhor maneira de enfrentar a crise é controlar o aumento de casos por meio do isolamento social para não sobrecarregar o sistema de saúde:

— O problema é que, apesar dos esforços, ainda faltam leitos, respiradores e até testes. Ou seja, os planos de expansão de leitos não estão acompanhando a elevação do número de casos. Muitos estados também estão aumentando sua capacidade dentro da rede já existente, algumas adiantando inaugurações. Além dos hospitais de campanha, O GLOBO identificou que já foram criados pelo país, ao menos, 1.414 leitos, além de 1.624 UTIs ou semiUTIs nos estados.