O globo, n. 31660, 12/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

O vírus da solidariedade

Janaína Figueiredo

Maiá Menezes

12/04/2020

 

 

A reação à covid-19 que não depende do governo

A pandemia de Covid-19 gerou no Brasil uma reação de solidariedade que não espera por ações governamentais. Iniciativas da sociedade civil se espalharam por vários estados, levando aos mais necessitados comida, produtos de higiene, máscaras, recursos econômicos e informação numa linguagem familiar, que enfatiza a necessidade de distanciamento social e de prevenção contra a doença. Uma gigantesca rede de ajuda social que não depende do Estado está em marcha a todo vapor e representa, hoje, o único salva-vidas para milhões de pessoas.

É uma força-tarefa nacional de voluntários e ONGs que vem combatendo o coronavírus de diversas maneiras. Nas últimas semanas, a distribuição de alimentos em comunidades como o Jacarezinho, no Rio, e o Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, se intensificou. O fantasma da fome começa a rondar os mais humildes, e ONGs como Rio da Paz, liderada pelo pastor Antônio Costa e criada para combater a violência, concentraram esforços em campanhas de doações de comida. Antônio Carlos diz que sua meta é que “ninguém fique sem comer” nas favelas onde atua. — Estamos tentando acumular um estoque para o momento mais crítico. Até mesmo pessoas de cidades distantes, como Natal, nos procuram. Há pais que perderam seus filhos por balas perdidas e que hoje temem passar fome — afirma o pastor, conhecido por seu trabalho no Jacarezinho, no Mandela e no Complexo da Maré, entre outras comunidades.

Os gestos de solidariedade também nascem a partir de dramas individuais que servem de exemplo das dificuldades enfrentadas por um número maior de pessoas. Na Bahia, a história do pipoqueiro de uma escola particular que viralizou nas redes sociais foi o início de uma ação que hoje alcança 18 bairros de Salvador e os municípios de Lauro de Freitas e Vitória da Conquista. Um áudio de José dos Santos, aflito porque perderia a única fonte de renda, levou os pais dos alunos a fazerem uma vaquinha que garantiu seu salário. O Zé Pipoqueiro, como é conhecido há mais de 40 anos no bairro do Horto Florestal, na capital baiana, foi inspiração para ajudar outros ambulantes. A advogada Juliana Penedo Beringer e as amigas Mariana Lisboa, Sandy Najar e Renata Rangel replicaram o modelo usado para ajudar Santos e assim nasceu o projeto

Semeando Amor. — Quando a escola fechou, eu não tinha perspectiva de nada. Hoje, consigo até ajudar, indicando amigos para incluírem na lista de beneficiários — conta Zé Pipoqueiro. A campanha já arrecadou R$ 180 mil. Cada ambulante recebe, em média, R$ 1 mil. — A gente não consegue atingir a todos, mas está vendo uma cadeia de solidariedade absurda — diz Juliana, que, com sua campanha, está ajudando vendedores de barraquinha de fruta, picolé e acarajé, entre outros.

AÇÃO EM 24 ESTADOS

Em Belo Horizonte (BH), o Sindicato dos Músicos, em parceria com o movimento Nos Bares da Vida, está recebendo doações para comprar cestas básicas para seus filiados, e também para os não filiados, que estejam passando necessidade. Alguns artistas, como o cantor e compositor Paulinho Pedra Azul, doaram CDs para serem leiloados. O fundador do movimento, Zeca Magrão, conta que recebe mensagens todos os dias de colegas pedindo ajuda. — Não podemos esperar a ação do poder público — resume Zeca.

Na segunda maior favela de BH, o Morro do Papagaio, o líder comunitário Julio Fessô trabalha com voluntários para ações de prevenção para os 16 mil moradores.