Correio braziliense, n. 20794 , 28/04/2020. Política, p.4

 

Impeachment não é prioridade, diz Maia

Luiz Calcagno

28/04/2020

 

 

Presidente da Câmara afirma que pedidos de impedimento de Bolsonaro, protocolados na Casa, têm de ser avaliados com muito cuidado e que foco precisa ser o combate ao vírus

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), questionado ontem sobre pedidos de impeachment e de abertura de comissão parlamentar de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro, afirmou que a prioridade da Casa, neste momento, é o combate à pandemia. “O papel da Câmara, neste momento, é que a gente volte a debater, de forma específica, o combate ao coronavírus. Temos tratado de conflitos políticos, conflitos nas redes sociais, mas não podemos tirar do debate e da pauta os projetos e projeções em relação ao enfrentamento do vírus. É nossa prioridade.”

Para Maia, a saída dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e da Justiça Sergio Moro colaboraram para o clima ruim. “O ex-ministro da Saúde e o da Justiça são homens públicos com muita credibilidade, o que gera muita pressão da sociedade, muitas críticas ao governo, mas todos esses processos, de CPI, impeachment, tem de ser pensados e refletidos com muito cuidado”, ponderou.

Maia defendeu, porém, a postura de parlamentares de debaterem a criação de CPI e a viabilidade de um impeachment contra Bolsonaro. Ele destacou que não pode fazer declarações sobre processos. “Eu sou o juiz. Não posso comentar temas em que a decisão é minha e independente. Passei por isso no governo do presidente Michel Temer. Superamos esse equilíbrio, e muitos olham aquele governo com saudades de coisas que a gente fez junto”, afirmou. “Passamos por duas denúncias, muitos pedidos de impeachment, e não podemos ter açodamento. A pressa faz com que a crise do coronavírus tenha contornos ainda mais graves no impacto da vida da sociedade. Mas a Câmara deve ter paciência e equilíbrio para tratar do mais importante, que é a vida, o emprego e a renda dos brasileiros.”

De acordo com Maia, por causa da pandemia, a previsão é de uma queda no Produto Interno Bruto que, se comparada à projeções de crescimento para o fim de 2020 antes do coronavírus, equivaleriam a 10%. “Isso vai gerar aumento do desemprego no Brasil. Já se projeta aumento na taxa de desemprego de 16%, um aumento da economia informal chegando a 50% dos empregos no país. São números dramáticos em relação à vida, ao desemprego e à renda dos brasileiros”, enfatizou.

Aprovação

Temer tinha 5% de aprovação quando terminou seu mandato, em 2018, e também sofria recorrentes pedidos de impedimento. Bolsonaro busca apoio no Congresso por meio do Centrão e tem perdido respaldo entre eleitores mais fiéis.

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Apuração sobre interferência no Exército

Alessandra Azevedo

28/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentar interferir nas atividades da Polícia Federal, também pode ser investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por invadir as competências do Exército ao flexibilizar o monitoramento de armas de fogo. Ao determinar que o Comando do Exército revogasse três portarias que tratam do assunto, o chefe do Executivo agiu contra a Constituição, alega a procuradora regional da República Raquel Branquinho, que assina o procedimento de investigação.

As três portarias, publicadas pelo Comando Logístico (Colog) do Exército entre março e abril, tratavam do rastreamento, da identificação e da marcação de armas de fogo e munições. Em 17 de abril, Bolsonaro determinou que o comandante do Colog, general Laerte de Souza Santos, revogasse as medidas. No mesmo dia, o presidente afirmou, no Twitter, que elas não se adequavam “às minhas diretrizes definidas em decretos”.

Três dias depois, em 20 de abril, Branquinho pediu ao chefe da Procuradoria da República no Distrito Federal, Claudio Drewes José de Siqueira, a apuração do caso. A depender dos resultados da investigação, Bolsonaro pode ter de responder a uma ação de improbidade na Justiça Federal ou, ainda, ser alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).

No pedido encaminhado ao chefe da Procuradoria, Branquinho afirmou que a ação de Bolsonaro pode incentivar a prática de contrabando de armas e munições e abastecer milícias e outras facções criminosas. “Esse episódio representa uma situação extremamente grave e que coloca em risco e tem o potencial de agravar a crise de segurança pública vivenciada no país”, alertou.

Segundo Branquinho, o argumento de que a flexibilização das exigências não afeta a comercialização ilegal, por valer apenas para atividades esportivas e de colecionadores, não se sustenta. A ausência de condições de controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições importadas, mesmo que apenas nesses casos, “em determinadas situações, escondem verdadeiras organizações criminosas que praticam o contrabando de armamentos e munições”, disse.

O Ministério Público Federal abriu procedimento de investigações para apurar a revogação das portarias. O pedido de Branquinho ainda está em fase preliminar, explicou, em nota, o MPF. “Estão sendo levantadas informações para subsidiar o MPF na continuidade ou não das investigações”, destacou.

As portarias

A primeira portaria revogada, a 46, tratava de procedimentos operacionais para acompanhamento e rastreamento de produtos controlados pelo Exército. A segunda, 60, regulamentava dispositivos de segurança, identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou importadas. O assunto da terceira, 61, era a marcação de embalagens e cartuchos de munição.

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Gilmar: não se pode brincar com ditadura

Sarah Teófilo

28/04/2020

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ontem que o Brasil não está em um “sistema de presidencialismo imperial”. Ele foi questionado, em entrevista à Folha de S. Paulo, se enxergava os ataques de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional e ao STF, além dos elogios à ditadura militar, como “retórica ou teste” às instituições brasileiras.

No último dia 19, Bolsonaro esteve presente em uma manifestação a favor de uma intervenção militar. Sobre o assunto, Gilmar Mendes comentou sobre as ações de outras instituições no país, citando que o Congresso e o STF têm atuado de maneira responsável, mas que isso significa funcionar também no sistema “checks and balances” (freios e contrapesos).

“Sabemos que o Congresso tem suspendido medidas que o presidente baixou, por exemplo, alguns decretos que aparentemente exorbitavam das leis, e também o Supremo repudiou determinadas medidas provisórias, mas isso faz parte do sistema democrático, e isso tem que ser assim entendido. Não estamos num modelo de presidencialismo imperial”, ressaltou.

Questionado se via que o pilar democrático brasileiro está ameaçado, o ministro afirmou que o discurso em torno do presidente e que pede um novo AI-5 e o retorno da ditadura militar é impróprio com as próprias Forças Armadas. O Ato Institucional nº 5 é considerado o mais duro decreto da ditadura militar no Brasil, por meio do qual o Congresso acabou fechado e foram suspensos direitos individuais, como o habeas corpus.

“Não se pode brincar com as instituições. Não se pode brincar com a ditadura. Eu acho até que essa reivindicação do artigo 142 (da Constituição Federal) é ofensiva, injuriosa para com as Forças Armadas. Quem diz ‘ah, vamos usar as Forças Armadas para fechar o Supremo e o Congresso’, está usando as Forças Armadas, que são instituições do Estado, como se fossem suas milícias. Isso é absolutamente impróprio e injurioso para com as próprias Forças Armadas”, destacou. O artigo em questão dá diretrizes quanto ao funcionamento das FAs.