Valor econômico, v.20, n.4978, 10/04/2020. Política, p. A8

 

Discurso na TV mantém moderação

Fabio Murakawa

Matheus Shuch

Andrea Jubé

10/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro tentou passar ontem à noite a imagem de autoridade, associada a uma mensagem de união e equilíbrio em novo pronunciamento transmitido em rede nacional de rádio e televisão sobre a pandemia do coronavírus.

Aconselhado por ministros e aliados, manteve o tom moderado da manifestação anterior, mas renovou as críticas aos governadores e prefeitos, ressaltando que o governo federal não foi consultado sobre as medidas de isolamento social que levaram ao fechamento do comércio.

Foi o quinto pronunciamento presidencial desde o dia 6 de março, com o agravamento da crise sanitária e econômica. Ontem Bolsonaro sondou auxiliares sobre voltar à televisão para se dirigir aos brasileiros, com o anúncio da adoção ampliada da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Ele foi aconselhado a adotar uma postura a favor do diálogo e do equilíbrio e a exortar a pacificação nacional.

A preocupação nos bastidores era tentar desfazer com essa aparição a imagem de que Bolsonaro está isolado e alijado do comando da crise, sob a tutela do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto.

Por isso, em um trecho de sua fala, ele enfatizou que é dele a "responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla". Salientou que está em campo contra o vírus a equipe de ministros que ele escolheu, e ressaltou que "todos devem estar sintonizados" com ele.

Como havia antecipado o Valor, Bolsonaro citou nominalmente o cardiologista Roberto Kalil, que foi vítima da doença e admitiu que fez uso da hidroxicloroquina no tratamento. "Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos". O presidente comemorou um convênio firmado com a Índia para envio ao Brasil de matéria-prima para ampliar a produção da substância no país.

O uso expandido da hidroxicloroquina na fase inicial do tratamento da covid-19 e as medidas de distanciamento social são as principais diferenças entre Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Mas o auxiliar cedeu em ambos os temas na segunda-feira para prosseguir no cargo.

Em outra frente, Bolsonaro voltou a questionar os decretos de isolamento social. Ele disse respeitar a autonomia dos governadores e prefeitos, mas buscou se descolar das consequências, como o aumento do desemprego e da pobreza. "Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade dos mesmos. O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração. Espero que, brevemente, saiamos juntos e mais fortes, para que possamos melhor desenvolver o nosso país".

Ao fim, o presidente buscou capitalizar o pacote de ações do governo anunciado nos últimos dias para atenuar os efeitos da crise. Anunciou o início do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 a partir de hoje, a isenção da conta de energia elétrica para 9 milhões de famílias beneficiadas com a tarifa social, além de R$ 60 bilhões para o capital de giro das micro, pequenas e médias empresas e o saque de R$ 1.045 das contas do FGTS. Sem falar em reeleição, concluiu afirmando que pretende entregar para o sucessor um Brasil melhor do que aquele que encontrou. (Colaboraram Murillo Camarotto, Carolina Freitas, Cristiane Agostine)