O globo, n. 31662, 14/04/2020. Economia, p. 23

 

Alertas de desmatamento na Amazônia batem recorde

Renato Grandelle

14/04/2020

 

 

Índice visto no primeiro trimestre é o maior já detectado neste período desde o início da série histórica, em 2016; ambientalistas temem invasão de terras

AMANDA PEROBELLI/REUTERSDevastação. Bombeiro tenta conter incêndio de terras em União do Sul, no Mato Grosso

 O ano de 2020 começou mal na Amazônia. Análise do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que, entre janeiro e março, o número de alertas de desmatamento na floresta aumentou 51,4% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. A área que estaria sujeita a alguma ameaça é de 796 km² — foram 525,63 km² no mesmo período em 2019.

O índice divulgado em 2020 é o maior desde 2016, quando o Inpe começou a desenvolver alertas de desmatamento pela série Deter-B. Naquele ano, os alertas medidos no primeiro trimestre abrangeram uma área de 643,83 km². O registro em 2017 foi de 233,64 km², e, em 2018, de 685,48 km².

Os alertas de devastação municiam operações de órgãos de fiscalização, como o Ibama. A taxa de desmatamento é calculada por outro índice, o Prodes, divulgado anualmente.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, atribui o aumento recorde dos alertas às “políticas do atual governo”.

— Mesmo ciente do avanço do desmatamento, o governo estimula uma medida provisória que favorece a grilagem e o Congresso estuda um projeto de lei que viabiliza a mineração em terras indígenas — critica Astrini.

— A floresta está abandonada e não há um efetivo para protegê-la. Só conseguiremos evitar um aumento radical na devastação com medidas extremas, como enviar o Exército para a Amazônia ou esperar que os grileiros peguem coronavírus e sejam internados, já que eles continuam em atividade.

‘ÚLTIMA DAS PREOCUPAÇÕES’

Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, o alto número de alertas mostra que o desflorestamento da Amazônia “é a última das preocupações” do governo federal:

—A estratégia é entregar o máximo possível de terras da Amazônia, inclusive dando anistia para os quem desmatou e título de posse para os invasores.

Artaxo, porém, acrescenta uma preocupação na agenda ambientalista: a chegada da Covid-19 às terras indígenas. Semana passada, um ianomâmi de 15 anos morreu em decorrência da doença. Pode ser o início de uma dizimação, avalia ele.

Em março, primeiro mês do coronavírus em território nacional, o desmatamento aumentou 29,9% em relação ao índice registrado no mesmo período no ano passado.

— Madeireiros e invasores de terra são infectados pelo coronavírus em áreas urbanas, como Manaus e Belém, e depois viajam para as aldeias indígenas. É um genocídio programado —protesta Artaxo.