O globo, n. 31662, 14/04/2020. Economia, p. 17

 

Socorro a estados com dobro do gasto

Marcello Corrêa

Bruno Goés

14/04/2020

 

 

Câmara aprova ajuda de R$ 89,6 bi, mas Guedes avalia pedir veto a projeto

 Depois de um impasse de duas semanas sobre como auxiliar estados e municípios a atravessar a crise do coronavírus, o governo sofreu ontem uma derrota ao ver a Câmara aprovar um plano de socorro de R$ 89,6 bilhões para governadores e prefeitos. O tamanho do pacote é mais que o dobro do que a equipe econômica queria gastar, e o texto não trouxe a contrapartida de congelamento de salários de servidores, sugerida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que já avalia sugerir que o presidente Jair Bolsonaro vete a proposta. A aprovação de ontem piora o desgaste entre Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O texto ainda precisa ser analisado pelo Senado. Na Câmara, recebeu amplo apoio, com 431 votos a favor e 70 contrários. Todos os partidos foram favoráveis à proposta. Só o líder do governo, Major Vitor Hugo (PSL-GO), recomentou voto contra e confirmou que Bolsonaro avalia vetar trechos do texto.

— Não há qualquer intenção do governo de não ajudar estados e municípios, pelo contrário. Havia até uma possibilidade sinalizada pelo Ministério da Economia de aumentar o valor que o governo falou inicialmente. Mas, infelizmente, a forma como vai ser distribuída, como foi colocada no substitutivo, recompondo ICMS e ISS, vai nos impedir neste momento de votar junto no mérito. Vamos orientar não — disse o deputado, antes da votação.

O custo total do programa ficou menor do que aversão que chegou a ser analisada semana passada, que poderia ter impacto de até R$ 222 bilhões, segundo o Ministério da Economia. A redução foi fruto de um acordo parcial, que retirou da proposta alguns pontos, inclusive a permissão para que estados tomassem empréstimos com garantia da União e a suspensão das dívidas com o Tesouro.

A desidratação do projeto, porém, ficou longe do que o ministro da Economia queria. Guedes defendia que a ajuda aos governos locais fosse feita por meio de um valor fixo, de R$ 32 bilhões. Parte desse dinheiro seria destinada à Saúde e Assistência Social, e o restante ficaria livre, para que os entes arcassem com o pagamento de outros serviços, mesmo com a queda da arrecadação.

A versão aprovada ontem se concentra em duas medidas. A de maior impacto é a previsão de que a União compense, entre abril e setembro, estados e municípios pela queda na arrecadação de ICMS e ISS. Considerando retração de 30% nas receitas com esses tributos em todos os seis meses,o custo aos cofres federais seria de R$ 80 bilhões, segundo cálculo do relator da proposta, deputado Pedro Paulo (DEMRJ). O valor é o dobro do limite máximo de R$ 40 bilhões que o Tesouro admitia custear.

Os R$ 9,6 bilhões restantes são referentes à suspensão da dívida dos entes federados com a Caixa Econômica Federal e o BNDES. A equipe econômica já havia concordado com esse ponto.

Mais do que o tamanho do repasse, são as regras do auxílio que preocupam Guedes. A compensação de arrecadação de impostos dá previsibilidade para os governantes locais, mas, para o ministro, abre espaço para que o que for pago neste ano seja contestado no futuro na Justiça.

‘IRRESPONSABILIDADE FISCAL’

Ontem, antes da votação, Guedes afirmou que a medida é uma“irresponsabilidade fiscal ”, porque cria um incentivo para que governantes sejam descuidados com as finanças públicas, já que teriam uma garantia integral da União:

—Seria uma irresponsabilidade fiscal e incentivo perverso. Um cheque embranco para governadores de estados mais ricos, pois não sabemos quanto tempo vai durar esta crise da saúde.

Ao avançar coma proposta a despeito das críticas de Guedes, Maia aumentou o desgaste com o ministro. A relação entre os dois vem piorando desde a disputa sobre o controle do Orçamento, travada antes da pandemia.

O texto aprovado ontem é uma derrota particular para a equipe econômica, porque foi adaptado com base em um projeto enviado pelo próprio governo. Em sua versão original, autorizava que estados tomassem R$ 10 bilhões por ano em empréstimos com garantia da União, coma condição de que adotassem medidas de ajuste, como privatizações.

A proposta foi apelidada de Plano Mansueto, em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. No entanto, precisou ser flexibilizada paras eadaptaràc ri sedo coronavírus. Nas primeiras versões, o relator, Pedro Paulo, tentou manter medidas de ajuste, mas foi pressionado a deixar só as emergenciais.

A única ressalva no texto é a proibição de concessão ou ampliação de benefícios fiscais. Ou seja, governadores e prefeitos não poderão usar o dinheiro extra para dar incentivos. As exceções são medidas emergenciais para pequenas empresas, como a que já foi aprovada para as companhias do Simples Nacional.

A proposta também proíbe que a receita extra seja usada para aumentar despesas “não diretamente relacionadas ao combate dos efeitos da calamidade” da Covid-19. Os gastos dos governos locais nesse período serão acompanhados por uma subcomissão formada por deputados e senadores, de acordo com o texto.