O globo, n. 31659, 11/04/2020. Especial Coronavírus, p. 5

 

Provocação presidencial

Natália Portinari

Naira Trindade

11/04/2020

 

 

Diariamente na rua, bolsonaro desafia ações de isolamento

Sem máscara, o presidente passeou por Brasília pelo segundo dia seguido. Entre gritos de apoio e panelaços, cumprimentou admiradores e provocou aglomerações.

Pelo segundo dia consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro contrariou recomendações das autoridades de Saúde de seu governo e do mundo para o combate ao coronavírus e passeou por Brasília. Visitou ontem, sem usar máscara, uma farmácia, provocou aglomerações e apertou as mãos de apoiadores em uma região de comércio no bairro do Sudoeste. Ele também passou por um hospital e foi ao apartamento onde mora seu filho mais novo, Jair Renan. O presidente se recusou a responder o propósito da saída do Alvorada: —Eu tenho o direito constitucional de ir e vir. Ninguém vai tolher minha liberdade de ir e vir.

A primeira parada ontem foi no Hospital das Forças Armadas (HFA), onde se encontrou com o corpo clínico. Ele estava acompanhado do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Questionado sobre o que foi fazer no HFA, Bolsonaro disse que foi "tomar sorvete". Os jornalistas insistiram na pergunta, e Bolsonaro respondeu então que foi "fazer teste de gravidez". Após deixar o hospital, o presidente visitou uma farmácia e, em seguida,o apartamento onde mora Jair Renan, que fez aniversário ontem. Moradores do bairro se dividiram entre gritos de apoio, panelaço e vaias ao presidente. Ao sair,Bolsonaro não comentou a visita. Quando deixava o local, chegou a passar o punho no nariz antes de cumprimentar uma idosa que usava máscara, além de dois homens. Segundo cartilha publicada no site do Ministério da Saúde,

os brasileiros devem evitar "tocar olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas. Ao tocar, lave sempre as mãos". Dessa forma, o vírus tem menos chance de contágio.

ESTÍMULO ATÉ MANAUS

À noite, o presidente fez uma publicação em rede social ironizando a cobertura da imprensa. Disse que parou em uma farmácia para comprar medicamento e que, "contrariando normas da Saúde, os repórteres se aglomeraram". Bolsonaro tem mantido o discurso de desafiar as medidas de isolamento social aplicadas por governadores e prefeitos e também já foi conversar, no fim de março, com vendedores ambulantes em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília. O presidente já sugeriu que editaria um ato flexibilizando as normas, mas ainda não o fez. Anteontem, no fim da tarde, Bolsonaro também saiu para andar pelo comércio de Brasília. Ele foi a uma padaria, também no Sudoeste. No local, o presidente abraçou e tirou fotos com funcionários, bebeu refrigerante e comeu um salgado. Do lado de fora, conforme vídeos divulgados nas redes sociais, houve manifestações contra o presidente com gritos de "fora Bolsonaro". O distanciamento social é defendido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e especialistas como uma forma de achatar a curva de contaminação pelo coronavírus, o que permitiria salvar vidas, reduzindo

ou adiando o colapso da rede de saúde. Medidas de restrição de circulação da população já foram implantadas em dezenas de países. A OMS e os principais economistas do mundo recomendam que os governos implementem ações para auxiliar as pessoas que têm perdas financeiras pelas restrições de circulação. Bolsonaro, por sua vez, tem defendido que as restrições sejam impostas apenas a pessoas enquadradas no chamado grupo de risco da Covid-19, que inclui idosos e pessoas com outras doenças como cardiopatia

ou diabetes. O passeio do presidente recebeu críticas. Prefeito de Manaus, uma das cidades mais afetadaspelacriseecomarede de saúde pública chegando perto da capacidade máxima, Arthur Virgílio (PSDB-AM) afirmou que o comportamento de Bolsonaro estimula as pessoas a circularem pelas ruas, se colocando em risco: —Atitudes como a do presidente, que sai tranquilamente às ruas e mostra que para ele não há perigo em nada, fazem com que hoje muitas ruas em Manaus estejam cheias de carros.