O Estado de São Paulo, n.46195, 09/04/2020. Política, p.A4

 

Bolsonaro vai à TV para defender uso da cloroquina

André Borges

Bruno nomura

João Ker

Julia Lindner

Paloma Cotes

Vinícius Valfré

09/04/2020

 

 

Presidente destaca medicamento ainda não recomendado sem restrições; antes, politiza tema ao cobrar revelação do tratamento do infectologista David Uip, da equipe de Doria

Alvorada. Bolsonaro na porta do palácio; à noite, na TV, ele disse que ouviu médicos e pesquisadores sobre a cloroquina

No quinto pronunciamento em rede nacional de rádio e TV em um mês, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender ontem à noite o amplo uso da cloroquina no combate à pandemia do coronavírus, embora ainda faltem estudos conclusivos sobre a eficácia do medicamento. Ele citou o exemplo do médico Roberto Kalil Filho, diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, que admitiu, também ontem, ter tomado o remédio para se tratar da doença. Depois de insistir no isolamento vertical, o presidente tem feito da defesa da cloroquina uma forma de disputa política e ataque a adversários.

Mencionado por Bolsonaro no, o cardiologista Roberto Kalil Filho afirmou em entrevistas às rádios Jovem Pan e Bandeirantes que usou a hidroxicloroquina para tratar a covid-19, junto a outros remédios. Segundo ele, porém, não dá para dizer que o medicamento foi determinante para sua melhora. “Melhorei só por causa dela? Provavelmente não. Ajudou? Espero que sim. Tomei corticoide, anticoagulante, antibiótico”, disse.

O pronunciamento do presidente, que durou quatro minutos, foi novamente acompanhado por panelaços nas principais cidades do País. Na mensagem, Bolsonaro disse que defende, há 40 dias, o uso do remédio desde a fase inicial da doença, em desacordo com o que prevê o Ministério da Saúde. A pasta indica cloroquina apenas para pacientes com quadro grave de saúde .

Após ameaçar cancelar na “canetada” decretos estaduais que restringem a circulação de pessoas como forma de evitar a disseminação da doença, Bolsonaro disse ontem que “respeita a autonomia” dos chefes dos Executivos de Estados e municípios, deixou claro que a Presidência não foi consultada sobre medidas restritivas e afirmou que a responsabilidade por elas é “exclusiva” de prefeitos e governadores.

Durante o dia, o discurso era outro, e Bolsonaro entrou em mais uma polêmica com o governador paulista, João Doria (PSDB). Pela manhã, sugeriu que o infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência para o novo coronavírus de São Paulo, escondia o uso do remédio por “questões políticas”. Diagnosticado com coronavírus no dia 23, Uip vinha sendo cobrado a esclarecer se tomou cloroquina.

Nas redes sociais, circulou a imagem de uma receita para aquisição do remédio assinada por Uip e datada de 13 de março. “A receita é da minha clínica. Ela é real. Alguém, em algum lugar, vazou essa receita de forma incorreta”, declarou Uip, em entrevista à rádio Gaúcha. Segundo ele, a receita foi utilizada para estocar o medicamento em sua clínica para que pudesse ser utilizado por funcionários e médicos que, eventualmente, fossem infectados. Uip não revelou se usou a cloroquina.

“A cloroquina tem efeitos adversos, cardíacos, hepáticos e visuais. Tem que ser usada com critério, com observação do médico que prescreveu. Presidente, eu respeitei o seu direito de não revelar seu diagnóstico, respeite o meu de não revelar meu tratamento”, disse o infectologista, durante entrevista.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes também participou da discussão. Em uma rede social, afirmou que Uip deve ser respeitado por suas “contribuições acadêmicas e profissionais”. “A guerra pelo tratamento da #covid19 não é um embate eleitoral. Sejamos adultos!” O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu um “posicionamento técnico” sobre a prescrição da cloroquina. “Não existe ninguém que é o dono da verdade. Hoje esse medicamento não tem paternidade. Não tem que politizar esse assunto”, disse, após reunião em que Bolsonaro lhe cobrou mensagens otimistas e medidas para evitar danos à economia.

Sem citar os atritos que tem tido com Mandetta desde o fim de semana, Bolsonaro declarou, no pronunciamento, que sua equipe deve estar sintonizada com ele. “Sempre afirmei que tínhamos dois problemas a resolver, o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados simultaneamente.” Segundo o presidente, “a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar”. Ele anunciou que, a partir de hoje, o governo começará a pagar R$ 600 de auxílio emergencial para trabalhadores informais e desempregados e disse que o Brasil começará a receber até sábado, da Índia, matéria-prima para produzir hidroxicloroquina.