Correio braziliense, n. 20792 , 26/04/2020. Economia, p.8

 

Reindustrialização de volta aos debates

Rosana Hessel

26/04/2020

 

 

CONJUNTURA » Com a turbulência global provocada pela Covid-19, discussões sobre como reduzir a dependência nacional de produtos chineses ganham força, mas analistas reconhecem que será difícil para o país ser competitivo quando tudo voltar à normalidade

A pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, está fazendo um estrago sem precedentes na economia global, que poderá registrar a maior recessão desde a Grande Depressão, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), que prevê retração de 3% na economia global e de 5,3% na do Brasil. E, no centro dessa crise, está a China, que foi a origem da pandemia da Covid-19, e nesse cenário turbulento provocado pelo novo coronavírus sem uma perspectiva de calmaria.

A dependência das economias pelos produtos chineses ficou mais evidente e as discussões sobre uma reindustrialização para que os países sejam menos dependentes da China ganharam força nos Estados Unidos e entre integrantes do governo.

A China é o maior exportador do mundo, respondendo por R$ 2,5 trilhões ou 16,2% dos embarques internacionais globais, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC). Quando o país asiático fechou as fronteiras para estrangeiros em janeiro deste ano devido à Covid-19, fábricas em vários países começaram a interromper a produção devido à falta de componentes chineses, como as de eletroeletrônicos e de automóveis.

Analistas ouvidos pelo Correio admitem que as mudanças pós-pandemia podem ser grandes em vários aspectos, mas eles têm dúvidas se haverá chances de o país recuperar o espaço perdido pela indústria nacional dentro e fora do país. Agora, com a China começando a se recuperar, as apostas são que ela continuará tendo predominância no cenário global, dificultando qualquer processo reindustrialização doméstica, principalmente, no Brasil.

O processo de desindustrialização aqui começou cedo, antes de a população ter uma renda média alta como aconteceu nas nações desenvolvidas. O custo disso, com a economia brasileira crescendo muito pouco nos últimos anos, está sendo bastante elevado, porque não há perspectivas para o país elevar a renda média da população tão cedo.

Na avaliação dos especialistas, o Brasil dificilmente conseguirá reverter esse processo na atual conjuntura. A falta de competitividade do Brasil no mercado externo fez com que os produtos industrializados perdessem espaço para os básicos, cuja participação nas exportações brasileiras saltasse de 21%, em 2001, para 50%, em 2019. Eles lembram que ganhar espaço durante a retomada, operando abaixo de 70% da capacidade produtiva pelas estimativas do mercado, será difícil garantir competitividade em um mercado externo que poderá ser mais protecionista. Contudo, a crise é uma oportunidade para o país se reinventar e avançar nas tecnologias da indústria 4.0 para sobreviver, algo ainda muito atrasado no país.

Para a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, não há espaço para uma reindustrialização do país, porque a China continuará sendo mais competitiva do que a brasileira quando o mundo voltar à normalidade. “A dificuldade da chegada de insumos da China pode abrir uma oportunidade para a indústria. Mas não sou otimista ao ponto de achar que o processo de reindustrialização será tomado. É um suspiro de curtíssimo prazo. A China é muito eficiente e consegue concorrer de forma agressiva com o mundo”, explica.

“Antes de voltar a crescer, o desemprego vai disparar, podendo passar de 15%. O país estava em um processo gradual de saída de uma recessão e tinha muitos problemas fiscais e de endividamento de famílias e de empresas que devem se agravar. Logo, o processo de retomada do Brasil vai ser muito mais lento do que o dos demais países”, alerta o economista Marcio Holland, ex-secretário de Política Econômica e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Ao ver de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, ao contrário dos Estados Unidos, a maioria da indústria que está instalada no país é estrangeira. Além disso, o elevado custo da energia local faz com que a competição do país com produtos manufaturados fique inviável no cenário externo. “Aqui, a produção de energia é barata, mas os custos da distribuição são absurdamente elevados, principalmente, devido ao grande número de contribuições e impostos embutidos na conta para o consumidor”, lamenta.

Saúde como defesa

Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE), de Washington, avalia que existe uma discussão mais importante do que a de reindustrialização que também está emergindo. Ela lembra que, além de as teorias macroeconômicas estarem em mudança diante da busca de soluções para a crise, os governos precisam ficar atentos para incluir a saúde como um item de defesa nacional pós-pandemia. “Estamos vendo que equipamento médico é uma questão importante para a sobrevivência da população e, consequentemente, da economia. Portanto, não é a reindustrialização que precisa ser discutida, mas a inclusão da saúde como um item dos mecanismos de defesa de um país”, aposta.

Para ela, o país que tem autonomia na produção de equipamentos médicos e de reagentes químicos para exames faz parte de um arsenal de defesa que tem que ser pensado pelos governos daqui para frente. Será necessário pensar em um orçamento para isso também. “Incluir saúde na  defesa e direcionar recursos para ter capacidade de resposta e não ser tão dependente de coisas muito básicas é fundamental para o enfrentamento de momentos de crise, como o atual.”

No entender de Monica, não faz sentido voltar a pensar em verticalização industrial, pois seria um retrocesso em um mundo que tem processos produtivos globalizados. “Vejo uma reorganização dessa indústria mais voltada para medicamentos e saúde se destacando como de um arsenal de defesa”, explica.