Correio braziliense, n. 20791 , 25/04/2020. Política, p.3

 

PGR pede abertura de inquérito

Renato Souza

25/04/2020

 

 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para investigar as acusações feitas pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, contra o presidente Jair Bolsonaro. O documento foi enviado horas depois das declarações do ex-juiz de que o chefe do Executivo tentou interferir na Polícia Federal para acessar inquéritos sigilosos, que correm na corporação. Além disso, de acordo com o ex-magistrado, o presidente teme processo em andamento no STF.

O inquérito pedido pela PGR deve avaliar, ainda, se Moro fez acusações falsas. De acordo com o órgão, as diligências devem apurar a suposta prática dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. "A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa", destacou Aras.

Moro deve ser ouvido pelo Supremo e apresentar documentos para comprovar as declarações. Após esse processo, Aras decide se oferece ou não denúncia contra o presidente e demais envolvidos. Se a denúncia for aceita pelo Supremo, de acordo com a Constituição, nos casos de crimes comuns, o presidente fica afastado do cargo enquanto as diligências estiverem em andamento.

Especialistas são categóricos: se declarações de Moro foram confirmadas, não deixam dúvidas quanto a crimes cometidos por Bolsonaro. Para Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas, "trata-se de um contexto em que se pode visualizar, com absoluta clareza e previsão jurídicas, os diversos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República".

Vera Chemim mencionou crimes contra a probidade na administração pública, como a expedição de ordens contrárias à Constituição, além da infração das normas legais no provimento dos cargos públicos, culminando com procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, todos elencados nos incisos 4, 5 e 7 do artigo nono da Lei 1.079/1050. "Isso tudo, sem mencionar as infrações penais comuns, como falsidade ideológica e outras que ele já vem cometendo durante o estado de calamidade pública", destacou. "É, definitivamente, um governo voltado, acima de tudo, ao protecionismo familiar em detrimento do Estado brasileiro."

O criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal e econômico pela Universidade de São Paulo (USP), disse que "as declarações são de absoluta gravidade e devem ensejar a responsabilização criminal do presidente". Ele entendeu que, de acordo com Moro, "o presidente estaria buscando aparelhar a Polícia Federal, nomeando pessoas de sua confiança, para que a instituição atuasse para satisfazer os seus interesses pessoais e ilegais, como a obtenção de relatórios confidenciais".

 Frase

"A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa"

Trecho do documento enviado pela PGR ao STF

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Crime de responsabilidade volta à pauta

Jorge Vasconcellos

25/04/2020

 

 

As revelações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro sobre a interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal "são muito sérias e terão consequências", disse ao Correio o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o magistrado, o chefe do Executivo pode ter cometido crime comum ao tentar acesso a relatórios de inteligência da corporação. Ele também não descartou a hipótese de essa situação abrir caminho para a abertura de um processo de impeachment na Câmara.

As acusações de Moro tiveram forte impacto nos meios político e jurídico, e a defesa da saída de Bolsonaro do governo voltou a ganhar corpo. O presidente já é alvo de mais de 20 pedidos de impeachment na Câmara, relacionados a casos anteriores. Agora, com as revelações de Moro, novas representações foram apresentadas.

Já em relação ao possível cometimento de crime comum, a Constituição prevê que a denúncia deve ser enviada pela Procuradoria-Geral da República ao STF, que decide se aceita ou não.

O ministro Marco Aurélio ressaltou que o Brasil enfrenta uma instabilidade institucional justamente no momento em que está mergulhado em uma crise sanitária de fortes impactos sociais e econômicos. Ele negou, porém, que uma ruptura institucional esteja próxima. "Não vejo essa possibilidade, pois confio que os ares democráticos vão prevalecer. Vamos ver como as instituições vão se comportar daqui em diante", disse.

Em outra entrevista, concedida à Rádio Gaúcha, defendeu a autonomia da PF. "A Polícia Federal não é uma polícia de governo, é uma polícia de Estado, e deve atuar com independência", afirmou. O magistrado lembrou, ainda, que alertou, durante as eleições, sobre os riscos de Bolsonaro chegar ao poder. "Vejo um quadro muito grave e que gera perplexidade. Vem a confirmar o que eu disse em um seminário na Universidade de Coimbra, que discorri sobre a tendência de se eleger populistas de direita. Disse com todas as letras que temia pelo Brasil", enfatizou.

Explicação

A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), acusou Bolsonaro de cometer crime de responsabilidade, o que abriria caminho para um processo de impedimento. "Este filme, nós já conhecemos e não queremos ver de novo. Essas acusações, se comprovadas, caracterizam crime de responsabilidade. O PR deve uma explicação à nação", escreveu no Twitter.

Na mesma rede social, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou as revelações de Moro como uma "delação premiada" e anunciou que entraria, ainda ontem, com um pedido de impeachment de Bolsonaro, "a partir das graves denúncias feitas pelo agora ex-ministro da Justiça".

Por sua vez, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) defendeu a renúncia de Bolsonaro. "É hora de falar. Pr está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil", tuitou o tucano.

 Interesses

Na sociedade civil, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) decidiu protocolar um pedido de impeachment de Bolsonaro. Segundo nota assinada pelo presidente da entidade, Paulo Jeronimo de Souza, "os acontecimentos relacionados com a exoneração do ministro Sergio Moro, que vieram à tona hoje (ontem), caracterizando a tentativa do presidente de usar a Polícia Federal para seus interesses pessoais, tornam o seu comportamento ainda mais grave e sua situação no cargo ainda mais insustentável".

Na opinião do cientista político André Rosa, a autorização ou não para a tramitação de um processo de impeachment vai depender dos interesses do grupo aliado ao deputado Rodrigo Maia e da relação de Bolsonaro com o Congresso daqui para a frente. "Qualquer erro do Executivo no parlamento, neste momento, é um risco eminente", disse ele.

Ele observou, entretanto, que a recente aproximação do chefe do Executivo com políticos do Centrão e a negociação de cargos no governo podem dificultar o avanço de um processo de impeachment. "O capitão precisará intensificar os acordos, adiantar uma possível reforma ministerial, atendendo a pedidos de partidos importantes na arena legiferante, tal como o PSDB, o MDB e o próprio DEM, partido de Rodrigo Maia", frisou. "A tentativa de Bolsonaro em desidratar o Maia pode sofrer um revés incalculável. Desta vez, a caneta não é do presidente da República, mas do presidente da Câmara dos Deputados."